Violência extrema, mortes e superlotação nos presídios brasileiros são alguns dos pontos que o projeto Pena Justa, encabeçado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e em formatação nos estados, tenta resolver. Em Minas Gerais, uma questão que precisa ser revista para possibilitar a real ressocialização dos detentos é o efetivo de policiais penais, na visão da juíza Bárbara Nardy. “Há uma desproporção nestes números”, disse, em debate público ocorrido na segunda-feira (7/7), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
A situação crítica do sistema foi mencionada também pela deputada Bella Gonçalves (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG. “Neste fim de semana, fui acionada pelo sindicato dos policiais penais, que estava muito preocupado com o que chamam de carnificina no Presídio (Inspetor José Martinho) Drummond, onde, em 36 horas, três pessoas foram assassinadas. Isso tem a ver com uma série de problemáticas que vamos debater aqui”, declarou.
A deputada se referiu aos três homicídios que ocorreram no Presídio Inspetor José Martinho Drummond, localizado em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, entre quinta-feira (3/7) e domingo (6/7). Além das mortes, dois detentos foram socorridos em estado grave após serem espancados.
A juíza Bárbara Nardy também ressaltou que a ressocialização demanda mais do que apenas a presença de policiais penais. “É óbvio que não se movimentam presos sem policiais penais. Mas também não se ressocializa apenas com policiais penais. Ao se pensar em concursos, é preciso considerar que temos 17 mil policiais e apenas mil técnicos”, alertou.
O presidente do Sindicato dos Policiais Penais de Minas Gerais (Sindppen-MG), Jean Otoni, concorda com a magistrada e defende a adoção de critérios de proporcionalidade entre o número de agentes e a população carcerária. “Precisamos de proporcionalidade. Em 2004, quando foi criado o plano de carreira, o sistema prisional tinha cerca de 20 mil pessoas privadas de liberdade e a previsão era de 17 mil policiais penais. Hoje, a população carcerária chega a 80 mil, mas o efetivo continua o mesmo”, afirmou.
A entidade propõe ainda a criação de um comitê com representantes de diferentes órgãos e instituições para fiscalizar a situação das unidades prisionais, com encontros a cada três meses. “Defendemos um comitê com participação do Conselho da Comunidade, da OAB, do Ministério Público, do sindicato dos policiais penais, da Defensoria Pública, da ALMG, da Polícia Penal, da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) e do Mecanismo Estadual de Combate à Tortura. Esses encontros devem ocorrer trimestralmente para avaliar as condições das unidades e recomendar interdições em casos de superlotação”, explicou Otoni.
O presidente do sindicato também pontua que o problema vai além da falta de efetivo. “Não é apenas uma questão de número de policiais penais, mas de encarceramento em massa. Algumas celas projetadas para oito pessoas abrigam 28”, concluiu.
O que é o Pena Justa?
Pena Justa é o nome do plano lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para enfrentar as graves deficiências do sistema prisional brasileiro. Cada estado deve elaborar sua própria versão do plano, que será discutida em âmbito local. Em Minas Gerais, o tema será abordado no debate "Plano Estadual Pena Justa", promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
A iniciativa é resultado de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347— ação prevista na Constituição. Nessa decisão, a Corte reconheceu a existência de violações estruturais no sistema carcerário do país e determinou que os estados adotem medidas concretas para enfrentar o problema.
Plano nacional X plano estadual
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Plano Nacional “Pena Justa” reúne mais de 300 metas a serem cumpridas até 2027. A proposta é construir um sistema prisional que contribua para a segurança da população por meio da garantia de direitos humanos e fundamentais, promovendo o uso eficiente dos recursos públicos e o desenvolvimento do país de forma mais ampla.
Além das diretrizes nacionais, cada estado deve elaborar seu próprio plano, que precisa ser validado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá ao CNJ apresentar relatórios semestrais ao STF sobre o andamento das ações nos estados.
Em Minas Gerais, o plano estadual está estruturado em quatro eixos:
- Controle de entradas
- Ambiência e serviços
- Processos de saída e reintegração
- Políticas de não repetição
Segundo a juíza Solange de Borba Reimberg, coordenadora do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas (GMF/TJMG), todos os eixos são atravessados pela dimensão estruturante do enfrentamento ao racismo institucional.
A juíza explicou que a matriz nacional contempla 50 ações mitigadoras, 41 medidas específicas, 307 metas e 366 indicadores. “Mas nenhum número substitui o compromisso ético de garantir que o sistema de justiça penal seja eficiente, humano e justo. A corresponsabilidade e a união de esforços são cruciais para transformar a realidade atual”, afirmou.
Os interessados em participar da consulta pública podem acessar os documentos e arquivos relacionados clicando aqui.
A reportagem demandou posicionamento da Sejusp sobre a ação, mas, até a publicação desta matéria não recebeu retorno.