O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) concluiu que o Projeto Apolo, da mineradora Vale, é “incompatível” com o Parque Nacional da Serra do Gandarela, localizado na Região Central de Minas Gerais. Em uma nota técnica assinada no início do mês, a analista ambiental do órgão federal Gláucia Pereira de Sousa recomendou o indeferimento do licenciamento ambiental, que está há anos travado no governo de Minas.
O TEMPO teve acesso à nota, que cita que o empreendimento da mineradora ocupará uma área de 1367 hectares e prevê, para além da lavra a céu aberto de minério de ferro, a construção de um ramal ferroviário para escoamento da produção. O projeto contaria ainda com duas pilhas de estéril, sendo que uma delas, a pilha A, teria mais de 238 metros de altura e ficaria localizada "a poucos metros" do limite do parque.
No documento, a pilha A é apontada como um dos maiores riscos do projeto. "Estamos diante de um projeto que não apresenta os critérios e condições de segurança e da capacidade da fundação em suportar o peso da Pilha A (...) A NBR 13029 indica alto risco de instabilidade para pilhas com mais de 200 metros de altura, que é o caso de ambas, inclusive para a Pilha A, que se encontra a montante do Parque", detalha.
+ Para MPMG, pilhas podem ter efeitos ‘tão graves’ quanto rompimento de barragens
Segundo o ICMBio, o projeto apresenta “impactos ambientais negativos mais relevantes e que não possuem medidas de controle ambiental suficientes” para serem mitigados. O Parque Nacional da Serra do Gandarela é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, com papel essencial na preservação de aquíferos, biodiversidade e patrimônios geológico e espeleológico.
Procurada por O TEMPO, a Vale informou, por nota, que confia nos estudos técnicos apresentados no processo de licenciamento ambiental. "A empresa apresentará todas as informações necessárias para demonstrar a viabilidade técnica do projeto e continua aberta ao diálogo aberto e transparente. O processo para o licenciamento continua em andamento seguindo o trâmite regular", disse a mineradora.
Rebaixamento de lençol e risco para espécies raras
Entre os pontos determinantes para a recusa do ICMBio está a redução da disponibilidade hídrica subterrânea provocada pelo rebaixamento do lençol freático. "A extensão máxima prevista com o modelo do rebaixamento do nível d’água adentraria a área do Parque (…) nas cabeceiras do ribeirão Preto e do córrego São João”, afirma o parecer técnico. O documento classifica esse efeito como “impacto de longa duração, de abrangência regional, grande magnitude e irreversível”.
O ICMBio ainda demonstrou preocupação com a ameaça que o empreendimento representará para espécies da flora "raras e ameaçadas de extinção". "Os 314 hectares de área suprimida de cangas itabiríticas (...) são habitats de 30 espécies ameaçadas de extinção, das quais quatro são ‘Criticamente Ameaçadas (CR)’, 17
estão ‘Em Perigo (EN)’ e nove são consideradas ‘Vulneráveis (VU)’", complementa o parecer.
Entre as espécies expostas ao risco de extinção pela supressão de campos rupestres, segundo o órgão ambiental, estão a Ditassa cangae e a Comanthera gandarela, ambas microendêmicas da serra da Canastra. “A ausência de coletas recentes, a perda de hábitats naturais e a localização de suas últimas populações conhecidas dentro da Área Diretamente Afetada configuram um risco real e iminente de extinção. Neste contexto, recomenda-se que o processo de licenciamento ambiental seja suspenso até que sejam apresentados dados populacionais atualizados, estudos específicos sobre a ecologia e a distribuição das espécies, e planos concretos de conservação", afirma a analista ambiental.
"O avanço do Projeto, nos moldes propostos, é incompatível com a função ecológica e legal do Parna da Serra do Gandarela, implicando não apenas na perda direta de biodiversidade, mas na fragmentação estrutural de um dos últimos grandes maciços contínuos de campo rupestre ferruginoso no Quadrilátero Ferrífero", conclui.
Perda de potencial turístico
O parecer técnico do ICMBio chega a citar o risco de que o projeto promova uma redução do potencial turístico e de atividades econômicas sustentáveis no entorno do parque "pela alteração dos atrativos naturais". Outro ponto trazido pela analista foi que 51% da área do parque seria afetada por poluição atmosférica, prejudicando a fauna, flora e, até mesmo, a saúde de visitantes e moradores.
Também há risco de poluição de cursos d’água classificados como de “classe especial”, nos quais não é permitida qualquer alteração de qualidade, conforme a Resolução Conama nº 357/2005.
Vídeos feitos por movimentos sociais já apontavam o risco para cachoeiras da região: