Sem cerimônia aberta ao público ou coletiva de imprensa, foi assinado na tarde desta terça-feira (5/8) o Plano Estadual Pena Justa, que busca discutir alternativas para questões de violência extrema, mortes, superlotação e racismo estrutural nos presídios do estado. Apesar do documento oficial ainda não ter sido divulgado, a versão mineira do plano — que espelha as diretrizes traçadas pelo Plano Nacional — já é alvo de críticas tanto das entidades que representam as pessoas em pena privativa de liberdade quanto pelos sindicatos que representam os policiais penais, que alegam não terem participado ativamente da definição das metas de Minas Gerais. 

A criação do chamado Plano Estadual para Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional nas Prisões Brasileiras (Pena Justa) foi uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da União após o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer, em 2023, a existência de um "estado de coisas inconstitucional" dentro das unidades prisionais de todo o país. Com base nas metas e diretrizes estipuladas nacionalmente, cada estado deveria traçar seus próprios objetivos voltados para a realidade de seus presídios. 

O documento com a versão mineira do plano foi assinado em cerimônia interna, marcada para 13h30, no 1º andar do Prédio Tiradentes, na Cidade Administrativa. Segundo Miriam Estefânia dos Santos, presidente da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade (GAFPPL), movimentos sociais tentaram acompanhar a solenidade, mas acabaram barrados na entrada do prédio público. 

"A sociedade civil, os movimentos sociais tentaram acompanhar a assinatura e foram impedidos de entrar. Por isso, acreditamos que o plano é uma coisa que está sendo feita para não funcionar. Qual a justificativa para a sociedade civil não poder estar lá? A imprensa não ter sido convidada para estar lá? Pois eles sabem que poderia haver manifestação contrária. Com certeza o que está sendo posto não é um plano ideal", afirmou a representante dos familiares dos presos. 

Ainda conforme Miriam, durante a elaboração do documento nacional, as entidades que representam os familiares dos presos participaram ativamente. "Aqui em Minas, eles fizeram uma consulta pública virtual e nós, das entidades, enviamos nossas sugestões. Mas, quando o Comitê que ficaria responsável pela elaboração do Plano Estadual foi montado, nós ficamos de fora completamente. Isso em um estado onde o sistema é marcado por violações de direitos humanos, superlotação, racismo estrutural e abandono institucional. Quando a sociedade civil é deixada de fora, não há Justiça", completou a presidente da entidade. 

A insatisfação não está presente somente entre os representantes dos familiares e dos detentos do Estado, mas, também, entre os trabalhadores do sistema prisional mineiro. Em entrevista a O TEMPO, o presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Estado de Minas Gerais (Sindppen-MG), Jean Otoni, também criticou o não envolvimento da categoria no desenvolvimento das metas estaduais. 

"Fomos convidados para uma reunião para entender o que seria, mas, de fato mesmo, não participamos da elaboração de nenhuma das medidas. Nós nem sabemos qual será o teor do documento, pois só tivemos uma discussão rasa, não participamos ativamente das decisões. Acredito que nossa participação foi mais para 'inglês ver'", pontuou. 

A assinatura do Plano Estadual Pena Justa acontece em meio a mais uma crise do sistema prisional mineiro. Nos últimos meses, o  estado vem sendo alvo de denúncias sobre o grande número de mortos nas unidades e, no último domingo (3/8), um agente - que estava sozinho na hora do crime - foi assassinato por um detento que era escoltado em um hospital de Belo Horizonte. Após o crime, o suspeito fugiu usando a farda do agente. 

A construção do Plano também foi alvo de críticas da deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Em julho deste ano, ela convocou uma audiência pública na Casa que colheu sugestões para o aperfeiçoamento do documento. "A forma como o plano foi conduzido não reflete o compromisso necessário para uma transformação estrutural. Apesar das contribuições apresentadas por conselhos e entidades, as decisões foram tomadas sem paridade ou voto igualitário, e o resultado é um plano com metas genéricas, sem cronograma claro, previsão orçamentária realista ou mecanismos de monitoramento eficazes. O risco é que o Plano Pena Justa se torne apenas mais um protocolo formal, sem impacto na vida das pessoas presas e de seus familiares", afirmou a parlamentar.

Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) disse que "o Plano Pena Justa – MG foi elaborado pelo Comitê de Políticas Penais de Minas, pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp MG) e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sendo resultado de uma construção colaborativa que envolveu diversas instituições dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mineiro. A participação da sociedade civil e da população foi garantida por meio do debate público, realizado no dia 7 de julho, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e pela consulta pública que viabilizou a contribuição ativa dos cidadãos, realizada no período de 7 a 18 de julho". 

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que divide com o Estado a coordenação do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF), formado para elaborar o plano, também foi procurado e não se manifestou. O documento final deve ser enviado ainda em agosto para o STF. 

Déficit é de quase 25 mil vagas no sistema prisional

Apesar de o Plano Estadual Pena Justa oficial ainda não ter sido divulgado, O TEMPO teve acesso a uma versão prévia, que tem mais de 200 páginas e traz um perfil do sistema carcerário de Minas. Conforme o documento, o Estado é, hoje, o segundo maior estado em população carcerária, com 71.420 pessoas privadas de liberdade. Com um total de 46.466 vagas existentes, o déficit de vagas fica em 24.954. 

Outro ponto apresentado pela versão prévia do Plano é que, em julho de 2025, das 217 unidades em funcionamento em 148 municípios mineiros, 57 encontravam-se "interditadas ou com restrições judiciais". "O Estado também registrou, no mesmo período, 27.984 presos provisórios, número que escancara as complexidades do sistema mineiro", detalha o documento. 

O Plano confirma ainda o racismo institucional apontado pelo STF em sua decisão, já que 73,58% da população carcerária de Minas Gerais é composta por pessoas negras, sendo 48,77% pretas e 24,81% pardas. O dado é atribuído ao Anuário de Segurança Pública de Minas Gerais. 

O cenário crítico é apontado há anos pelo Sindppen-MG, conforme Jean Otoni, presidente da entidade que representa os policiais penais do Estado. "Além do déficit de vagas, temos também um número de policiais penais muito baixo. O Presídio José Martinho Drummond é um reflexo de todo Estado, pois foi projetado para 1.100 presos e tem 2.600. Existe um decreto, de 2004, que limitava a 17 mil o número de policiais penais, mas, mais de 20 anos depois, temos mais de 70 mil presos e não deixam abrir mais concursos para aumentar o número de agentes. Hoje, temos cerca de 15 mil policiais penais", disse. 

Segundo ele, a sobrecarga estaria ocasionando um grande número de afastamentos de policiais penais por problemas de saúde mental. Dados da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) confirmam a alegação de Otoni. Segundo o Painel Epidemiológico de Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho, entre os servidores públicos, os policiais penais foram a segunda categoria com mais notificações desde 2022, representando 9,52% de todos os casos do Estado. 

Governo nega carga excessiva de trabalho 

Em nota, a Sejspu disse que "a denúncia relativa à carga horária mensal de 200 horas, não procede. Nos termos da legislação vigente que rege a carreira dos Policiais Penais, a Lei Estadual 14.695/03, a jornada regular de trabalho é de 8 horas diárias, totalizando 40 horas semanais. Eventuais atividades desempenhadas além desse limite são devidamente registradas e convertidas em folgas compensatórias, a serem usufruídas posteriormente". 

Ainda segundo a pasta, o servidor cumpre jornada de trabalho de 40 horas semanais, com uma semana complementando a outra, até o fechamento do mês, conforme o regime de plantão em que o servidor é submetido. Assim, a carga horária total do mês dependerá do número de dias deste mês, mas sempre respeitando a previsão legal de 40 horas semanais. 

O governo citou ainda concurso público previsto para a carreira de Polícia Penal e ações de prevenção de problemas de saúde mental dos servidores. (Veja a nota na íntegra ao final do texto). 

Metas definidas pelo plano

A versão prévia do Plano Estadual Pena Justa apresentou, dentro das particularidades do sistema prisional de Minas Gerais, 12 problemas, 38 ações mitigadoras, 92 medidas, 168 metas gerais e 192 indicadores de monitoramento. 

As ações se distribuem em seis "câmaras temáticas", sendo elas:

  • Controle da entrada e das vagas do sistema prisional
  • Qualidade da ambiência, dos serviços prestados e da estrutura das unidades prisionais
  • Processos de saída da prisão e reintegração social de pessoas egressas
  • Políticas de prevenção da repetição das violações, com foco em políticas estruturantes
  • Desafios da gestão financeira e da alocação de recursos para a implementação do Plano
  • Desafios dos impactos do racismo estrutural no sistema prisional. 

Veja a nota do governo na íntegra: 

Sejusp MG vem fortalecendo as ações de proteção e prevenção da saúde mensal dos servidores, com diferentes modalidades de atendimento. Entre elas, destacamos o acolhimento biopsicossocial, estimulando uma cultura de cuidado e a adesão ao tratamento adequado, respeitando as especificidades de cada caso.  O atendimento é realizado em todo o território estadual. Além disso, a Secretaria está reestruturando a Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS), com o projeto “Cuidar Bem de Quem Cuida”, em conjunto com outros órgãos. A iniciativa prevê a ampliação dos Centros de Atenção Biopsicossocial, reforçando a rede de atendimento.
Por meio da DAS, a secretaria também realiza o acompanhamento de profissionais que estão em fase de ajustamento funcional, promove diálogo com familiares e com a rede assistencial, realiza campanhas de prevenção e orientações para cuidados com a saúde mental.
Além do servidor e da equipe da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor, os serviços de assistência à saúde mental podem ser acionados pela chefia, por colegas de trabalho, familiares. 
Sobre a denúncia relativa à carga horária mensal de 200 horas, não procede. Nos termos da legislação vigente que rege a carreira dos Policiais Penais, a Lei Estadual 14.695/03, a jornada regular de trabalho é de 8 horas diárias, totalizando 40 horas semanais. Eventuais atividades desempenhadas além desse limite são devidamente registradas e convertidas em folgas compensatórias, a serem usufruídas posteriormente. 
 
O servidor cumpre sua jornada de trabalho de 40 horas semanais, com uma semana complementando a outra, até o fechamento do mês, conforme o regime de plantão em que o servidor é submetido. Assim, a carga horária total do mês dependerá do número de dias deste mês, mas sempre respeitando a previsão legal de 40 horas semanais.
 
Quanto ao plano estadual Pena Justa, informamos que a alegação não procede. Destacamos que o Plano Pena Justa – MG foi elaborado pelo Comitê de Políticas Penais de Minas, pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp MG) e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), sendo resultado de uma construção colaborativa que envolveu diversas instituições dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mineiro. A participação da sociedade civil e da população foi garantida por meio do debate público, realizado no dia 7 de julho, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e pela consulta pública que viabilizou a contribuição ativa dos cidadãos, realizada no período de 7 a 18 de julho, conforme links abaixo:
 
(https://www.almg.gov.br/comunicacao/noticias/arquivos/Participacao-da-sociedade-no-Plano-Pena-Justa-pauta-manha-de-debates-na-ALMG/)
 
(https://www.consultapublica.mg.gov.br/ConsultaPublica/ConsultaPublica?IDConsulta=81).