“Comer, beber e sentir dor 24 horas”. O relato é do autônomo Chanderson Duarte Marinho, de 54 anos, que está internado no Hospital Maria Amélia Lins (HMAL) desde o dia 25 de julho, quando sofreu uma queda de moto e quebrou a tíbia da perna direita. Ele aguarda por procedimento cirúrgico e sofre o impacto do fechamento do bloco cirúrgico da unidade de saúde, no bairro Santa Efigênia, na região Leste de Belo Horizonte, que já dura sete meses. Nesta terça-feira (5/8), dia em que profissionais denunciaram que 1.155 cirurgias deixaram de ser realizadas na unidade hospitalar em 2025, pessoas que aguardam pelos procedimentos relataram sofrimento com a medida, que afeta o funcionamento da unidade de saúde. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) informou que as cirurgias são agendadas após avaliação clínica de cada caso pela equipe médica.
+ HMAL deixou de fazer mil cirurgias após 7 meses de bloco fechado, denunciam servidores
Chanderson está com um fixador externo no membro inferior e aguarda — com muita dor — o procedimento que pode possibilitar seu retorno ao trabalho. “Acredito que a demora no atendimento seja uma falha grave do poder público. Estou aguardando a cirurgia há 12 dias, sem previsão. Sou pai de cinco filhos e, como trabalho com reboque, meu caminhão está parado, impossibilitando-me de exercer minha atividade profissional. Encontro-me completamente parado, sem qualquer informação sobre o procedimento. Por favor, peço ajuda. Necessito retornar ao trabalho e restabelecer minha rotina”, declarou.
Marinho disse que sua rotina no HMAL tem sido marcada por alimentação, ingestão de líquidos e constante dor, que perdura 24 horas por dia. “Essa é a minha vivência atual. Somente me alimento, bebo líquidos e sinto dor continuamente. Há doze dias não consigo dormir devido às dores. Consigo dormir apenas por 40 minutos, e o restante da noite é preenchido por dores. Aguardo ansiosamente por uma solução, mas a comunicação é escassa. Não há previsão para a cirurgia. A informação é inexistente. Ninguém me informa nada, absolutamente nada”, desabafou o autônomo.
'Descaso'
O motoboy Luiz Felipe da Silva, de 37 anos, sofreu um acidente na noite do dia 22 de julho e teve fraturas no braço e no pulso. Desde o episódio, ele aguarda por uma cirurgia. “Considero um descaso, pois o bloco cirúrgico, embora equipado com aparelhos novos e em pleno funcionamento, permanece fechado. Não consigo compreender a situação, especialmente considerando a disponibilidade dos profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, que desejam trabalhar. Acredito que a intenção de fechar os hospitais demonstra uma falta de respeito e consideração com a população. É fundamental que haja atendimento para todos os que necessitam, especialmente em casos de acidentes”, ressaltou.
O motoboy também mencionou as dificuldades que enfrenta. “Atualmente, estou impossibilitado de trabalhar. A dor é intensa, e a convivência com o braço enfaixado é bastante difícil. Apesar de meu acidente não ter sido grave, a espera por uma cirurgia no dedo é longa. Conheço pessoas que necessitam de cuidados mais urgentes e estão acamadas. O hospital, apesar de precisar de funcionários, não está oferecendo assistência adequada, e as cirurgias não estão sendo agendadas. Um amigo teve a cirurgia remarcada devido à falta de materiais. Acredito que essa situação demonstra um descaso com a sociedade”, pontuou Luiz Felipe.
O que diz a Fhemig
Procurada por O TEMPO, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) informou que as cirurgias são agendadas após avaliação clínica de cada caso pela equipe médica.
“O Hospital Maria Amélia Lins mantém os atendimentos ambulatoriais e internações, enquanto aguarda decisão do TCE-MG sobre a cessão do prédio e dos equipamentos para o consórcio público. O objetivo é que, no novo HMAL, sejam realizadas 500 cirurgias eletivas por mês, reduzindo a fila de espera em Belo Horizonte e região metropolitana e transformando o hospital em uma nova unidade voltada para a realização de cirurgias eletivas de toda a rede SUS, e não mais apenas de pacientes egressos do HJXXIII”, afirmou em posicionamento.
A fundação destacou que o Hospital João XXIII conta com 10 salas cirúrgicas. “É o maior hospital da Rede Fhemig em número de leitos, especialidades ofertadas, profissionais e atendimentos, somando mais de 12 mil internações e cerca de 9.800 procedimentos cirúrgicos no ano de 2024”, declarou.
Entenda o impasse no HMAL
A equipe de servidores e os pacientes do bloco operatório do HMAL foram transferidos para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII em janeiro, junto com o encargo de cerca de 200 cirurgias mensais.
O processo de terceirização da unidade está suspenso há quatro meses por decisão liminar do Tribunal de Contas do Estado. A medida impede que a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) formalize contrato com o consórcio vencedor da licitação, até que a regularidade do processo seja analisada pelos integrantes da Corte. No momento, aguarda-se a avaliação de um relatório de investigação.
Em outra frente, tramita no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) uma ação do Ministério Público que pede a normalização de todos os serviços paralisados no HMAL, incluindo o bloco cirúrgico. “Nesse processo, a Fhemig tem até segunda-feira (11/8) para se manifestar. Estamos ansiosos por esse retorno, porque o prejuízo aos pacientes está até difícil de mensurar”, afirma a nutricionista do hospital, Maria Soares.
A proposta de terceirização do HMAL
Com a concessão da gestão, a intenção do governo de Minas Gerais é transformar o HMAL em uma unidade dedicada exclusivamente à realização de cirurgias eletivas. O consórcio vencedor da licitação passaria a administrar tanto a estrutura física quanto os equipamentos — avaliados em cerca de R$ 6 milhões — sem custo, com liberdade para promover mudanças no espaço, caso deseje.
Caberia ao novo gestor a responsabilidade pela contratação da equipe de profissionais da saúde que atenderia pacientes encaminhados de toda a rede pública do SUS, e não apenas do Hospital João XXIII, como ocorre atualmente. Assim, se o TCE-MG autorizar o andamento do processo, os trabalhadores não terão vínculo com o serviço público.