Saúde

A cada cinco dias, uma omissão de socorro é registrada em MG

Há 15 dias, médico foi preso em Contagem por suspeita de não examinar paciente

Por Clarisse Souza
Publicado em 07 de novembro de 2019 | 03:00
 
 
 
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O drama de uma família de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, que viu Osvaldo Xavier dos Santos, 72, morrer no último dia 22, após um médico ter supostamente negado atendimento a ele, não é o único. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), colhidos entre janeiro de 2016 e setembro de 2019, revelam que, em média, a cada cinco dias, um boletim de ocorrência por omissão de socorro é registrado em Minas Gerais. Nesse período, foram 246 casos.

Somente nos nove primeiros meses deste ano, foram 46 casos no Estado. Número que pode ser maior, segundo especialistas, considerando que boa parte das vítimas, muitas entre a vida e a morte, não leva a denúncia às autoridades, assim como as famílias, também sensibilizadas.

Omitir socorro é um crime previsto no artigo 135 do Código Penal, com pena de um a seis meses de prisão – a pena pode ser triplicada em caso de morte. No entanto, só nas unidades de saúde de Minas, são mais de 60 casos por ano, índice que vem se mantendo estável desde 2017. Em Belo Horizonte, foram 20 ocorrências em 2018, o dobro do verificado no ano anterior. De janeiro a setembro deste ano, foram sete registros na capital.

Para Renato Assis, advogado especialista em direito da saúde, os boletins de ocorrência são apenas uma amostra de um crime bastante recorrente nas unidades de saúde do Estado, sem que, em grande parte dos casos, haja punição aos responsáveis. “Muitas vezes, a vítima não chama a polícia, ou a autoridade é acionada, mas não faz um boletim de ocorrência completo. Então, infelizmente, há uma subnotificação absurda do número de casos”, aponta o advogado.

Indignação

A morte de Osvaldo Xavier dos Santos, que não resistiu a uma crise de insuficiência respiratória, ainda é investigada pela Polícia Civil. O médico Celso Silva Siqueira, 51, suspeito de negar socorro ao paciente na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Ressaca, em Contagem, chegou a ser preso no último dia 23 sob acusação de homicídio por omissão, mas teve alvará de soltura expedido no dia seguinte e responde em liberdade.

Para a nora do idoso, Elaine Dias, o sentimento é de indignação. “Um médico de verdade não deixa de prestar socorro. Ele está ali para salvar vidas”, desabafa.

Qualquer pessoa pode ser punida

O Código Penal brasileiro é claro: qualquer cidadão que omite socorro a uma pessoa ferida ou em grave e iminente perigo comete crime. No caso de um médico, a situação é ainda pior, uma vez que o Código de Ética da profissão condena a omissão, “caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”.

O advogado Renato Assis explica que, se comprovada a omissão de socorro, a atitude pode acarretar consequências severas para o profissional. “O médico que, por um motivo qualquer, se nega a atender o paciente está totalmente suscetível a ser responsabilizado”, alerta Assis.

Segundo ele, a omissão de socorro pode levar o profissional a responder por até quatro tipos de processos: administrativo, ético, civil e penal. O advogado ressalta, no entanto, que a avaliação de cada caso é subjetiva, e a definição de culpa depende das provas e do entendimento do juiz responsável pela ação. “O mais importante é que as famílias não deixem de denunciar”, orienta.

Outro caso

Ressaquinha

Na cidade, na Zona da Mata, uma paciente denunciou nas redes sociais a omissão de uma médica na rede pública.

Exclusão

O caso veio à tona no fim do mês passado, após a denunciante ser excluída de um grupo de WhatsApp criado por uma servidora pública para emitir informes da saúde. O caso é investigado pelo Ministério Público de Minas Gerais.

 

Minientrevista

Cláudia Navarro
Presidente do Conselho Regional de Medicina

O que caracteriza a omissão de socorro médico em uma unidade de saúde?

Ocorre no momento em que o profissional deixa de atender o paciente que chega, principalmente em estado de urgência ou emergência. Pelo Código Penal, isso é considerado crime. Já no Código de Ética Médica, é previsto como infração ética.

A ausência de um equipamento ou falta de estrutura na unidade de saúde pode eximir o médico da responsabilidade de prestar atendimento imediato?

Não, de forma alguma. A falta de estrutura ou equipamento pode interferir no resultado do atendimento. Mas o médico é obrigado a atender dentro das condições que ele tem naquele momento e naquele lugar. Portanto, esse argumento não justifica a omissão.

Quais punições podem ser aplicadas ao infrator pelo Conselho Regional de Medicina?

Ele será julgado e terá todas as chances de defesa. Se não for comprovada infração ética, ele pode ser absolvido. Caso contrário, pode ser aplicada uma pena que vai desde um aviso confidencial (carta enviada exclusivamente para o médico sobre a conduta investigada) até a cassação do exercício da profissão.

 

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