Cuidados Paliativos

A MUDANÇA do olhar para o fim da vida ainda é tardia

O Brasil precisaria de ao menos 600 equipes de Cuidados Paliativos, mas tem apenas 130

Por Joana Suarez
Publicado em 28 de julho de 2016 | 03:00
 
 
 
normal

“Não some, não, vocês são uma gracinha”, despediu-se Alair Conrado, 55, das médicas que foram até ela não para lutar contra a morte que se aproximava, mas para aliviá-la. Entraram no quarto, chegaram pertinho do rosto de Alair, ajoelharam-se para ficar mais próximas, perguntaram sobre a dor e se ela tinha dormido bem. Pelas risadas, nem parecia ter ali uma paciente aguardando o fim, que chegaria sete dias depois. A equipe de Cuidados Paliativos do Hospital das Clínicas (HC) de Belo Horizonte atende em todos os setores onde há enfermos sem chance de cura, que não são transferidos para um lugar específico para que não seja estigmatizado como “ala da morte”. Até porque mais da metade dos pacientes consegue alguns dias de alta para viver em casa antes do suspiro final.

Esse cuidado com quem está morrendo é oferecido em menos de 4% dos hospitais de Minas Gerais. São 21 unidades que dispõem do atendimento, segundo levantamento atualizado da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), em um universo de 541 hospitais públicos e mistos no Estado. “Há uma necessidade de 600 equipes na rede pública de todo o país, mas temos 130”, afirmou o presidente da regional Sudeste da ANCP, José Ricardo Oliveira. A estimativa dele é baseada no número de mortes por doenças crônicas que deveriam ter sido assistidas pela equipe paliativista.

Contudo, a medicina começa a ter um olhar mais sensível aos pacientes terminais, acredita Oliveira, que coordena o único serviço oferecido na rede suplementar de saúde de Belo Horizonte, na Unimed. Segundo ele, a demanda – diretamente da família ou encaminhada por médicos da rede – tem crescido. “Existe cuidado paliativo desde 1960 na Inglaterra e em países de Primeiro Mundo. A sociedade tem pedido uma atenção diferenciada aos familiares que estão passando por esse momento”, destaca.

Enfermaria

Nos corredores do HC, no primeiro dia em que acompanhamos a rotina dos cuidados paliativos, visitamos quatro pacientes. A equipe pega na mão de cada um, observa do dedão do pé ao fio de cabelo, repara como está o lençol, conversa com a família – diálogo que muitas vezes se revela mais eficiente que qualquer tecnologia. No fim da tarde, depois que saímos de lá, a médica Camila Alcântara nos comunicou que o último paciente que vimos tinha acabado de morrer. Veio a imagem do seu olhar fixo de manhã e de sua mulher ao lado, agoniada, com o respirador que o incomodava. Assim que deixamos o leito, a médica apressou-se em encontrar algo que o fizesse sentir-se melhor. “Era um homem forte”, disse.

Camila já se acostumou às perdas diárias; ela acredita que vela as pessoas em vida. A residente de enfermagem Raquel Souza, 25, precisou de dois meses na equipe para descobrir a grandiosidade desse trabalho: “No início foi difícil ver um paciente morrer depois de 18 dias intensos cuidando dele. Agora encontrei a beleza disso: está em dar conforto e cuidado nesses últimos dias”.

Ao final da manhã de visitas, o grupo reúne-se para discutir cada caso e ver o que pode ser feito com os sintomas físicos e sentimentais difíceis de controlar. Na reunião que presenciamos, eles relataram sobre um homem em estágio terminal, que, ao ter uma gangrena na perna (quando o sangue para de circular), viveu uma semana vendo seu membro morto, pois não havia como operar. Foi desesperador para a equipe, habituada a confortar as situações mais complicadas. Mas viram o paciente revoltar-se e depois aceitar a morte com delicadeza.

O desafio maior, porém, é plantar a semente do cuidado paliativo em todos os médicos que precisam aprender a falar para seus pacientes que eles estão morrendo. “Se um cardiologista acompanha há 20 anos uma pessoa, não tem que passar para nossa equipe que nunca a viu. Têm muitos médicos paliativistas por instinto”, comentou o geriatra Fabiano Pereira.

Não há nenhuma disciplina nos cursos de medicina e enfermagem que os prepare para lidar com a morte. Melhorar a comunicação entre pacientes e médicos é importante para que os doentes terminais tenham mais controle sobre suas vidas e os profissionais evitem procedimentos invasivos e inúteis.

Camila afirma que tem ocorrido um movimento maior de instituições pedindo para treinar os profissionais, mas que ainda está longe do ideal. “Muitos veem a morte como um fracasso, não sabem lidar com a frustração de não curar”, afirmou ela, citando que um residente de neurologia fugiu da conversa com a família do paciente ao não ter “sucesso” na cirurgia. “Ele disse que foi uma exceção, que a neurocirurgia sempre cura”.

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!