“Eu sinto que, quando a gente adota, tudo muda para o melhor”. A fala é da estilista Jordana Mello, de 30 anos, ‘mãe’ de quatro gatinhos adotados: Guilherme Arana, Matías Zaracho, Casimiro Miguel e Elis Regina – os nomes denunciam que os tutores são atleticanos e fãs do humorista Casimiro e da cantora Elis. Jordana mudou o destino dos gatos, antes abandonados e expostos às condições da rua. Menos quatro em um índice de maus-tratos cada vez maior: a cada duas horas, praticamente uma denúncia chega até a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG).
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o número de boletins de ocorrência por maus-tratos aos animais – como abandono, agressão física ou zoofilia de cães e gatos, por exemplo – aumentou 3,4% com relação ao ano passado. De janeiro a junho deste ano, 2.266 animais foram violentados no Estado, enquanto no mesmo período de 2022, foram 2.190. Uma realidade que poderia ser diferente se mais pessoas se responsabilizassem pelo bem-estar animal, segundo especialistas. O resultado é o aumento da demanda por resgates em abrigos, centros de zoonoses e na casa de protetores voluntários. Este é o tema da matéria de O TEMPO neste Dia Nacional da Adoção de Animais (4 de outubro).
Na avaliação do deputado Fred Costa (Patriota), autor da Lei Sansão – que aumenta a pena para quem pratica maus-tratos –, o salto no número de casos de violência animal em Minas significa, antes de tudo, que mais pessoas estão cientes das formas de denúncia. “É um absurdo, esse aumento não deixa de ser extremamente triste. Mas temos que refletir: anos atrás, nós tínhamos menos simpatizantes da causa, menos protetores, e a sociedade ainda vedava os olhos para o crime de maus-tratos aos animais. Hoje, esse cenário melhorou, e temos mais instrumentos de fiscalização e denúncia. Então, este aumento era esperado. Mais casos estão chegando à Polícia, e precisam chegar mesmo”, afirma.
Costa pontua, no entanto, que muitos casos de maus-tratos ainda não são denunciados, uma vez que há uma naturalização da violência dos animais, como se fossem objetos de uso, incapazes de sentir e sofrer. “Mesmo com o aumento, ainda está subnotificado. Principalmente nas gerações anteriores, há 50, 80 anos, as pessoas entendiam os maus-tratos como algo normal da cultura. E, se é normal, não precisa ser denunciado. Até a zoofilia era normalizada. Herdamos um pouco dessa cultura. É um processo difícil de educação para, realmente, mudar esse cenário”, continua. O próximo projeto do deputado, aprovado recentemente na Câmara, prevê prisão de até 12 anos para o crime de zoofilia. Agora, o texto segue para a apreciação do Senado.
Fred Costa traça uma ‘linha de proteção’ para os animais em três pilares: educação, castração e adoção. Segundo ele, a educação muda a cultura de abandono e maus-tratos aos animais; a castração, controla a população de animais de rua e a proliferação de doenças; e a adoção acaba com a dor dos bichos, oferecendo casa, alimentação, cuidados e amor.
“A adoção é fundamental. Quem adota acha que está fazendo bem para o cãozinho, mas também faz para si mesmo. É incrível a quantidade de amor e gratidão deles. Sem contar que, por meio da compra de animais, muitas vezes, estamos financiando os maus-tratos, o que é um processo contrário”, reforça.
Projeto de ativistas voluntárias tenta driblar alta de demanda e propor a adoção responsável
Quanto mais animais feridos, mais se movimenta a ativista da causa animal Renata Arruda, de 45 anos. Ela criou o Resgatitos (@resgatitosbh), projeto de duas amigas protetoras independentes, para tentar ajudar o máximo de gatos de rua possível. Uma homenagem a sua gatinha mesclada (branco com petro) Petrusca, que faleceu em 2015 e virou tatuagem no corpo de Renata.
O trabalho é árduo, e gera um gasto mensal de cerca de R$ 4 mil, com rações, areia e custos com o veterinário. Hoje são 45 gatos acolhidos na casa das duas proprietárias e de lares temporários. E a procura não para de subir.
“Não existe Ong ou equipamento público que consiga dar conta da demanda. Nós recebemos diversos pedidos diários para resgatar novos gatos. É impossível atender todos, ter recursos infinitos para suprir as necessidades deles”, avalia a ativista. “O abandono é muito normalizado, os animais são dispensados como se não fossem nada. As pessoas deixam uma caixa de filhotes na rua e somem. Queríamos ajudar todos, mas, infelizmente, não dá”, continua.
De acordo com Renata, é comum que o Resgatitos acolha gatos que sofreram maus-tratos. E é exatamente por isso que as duas amigas se desdobram para ter certeza que a adoção é responsável, e o animal não vai voltar a sofrer ou ser abandonado outra vez.
“Dos nossos últimos casos, a maioria sofreu violência. Um deles tem suspeita de ter sido queimado, outro está com uma lesão na mandíbula que provavelmente foi chute, tem um que foi agredido com algum instrumento”, lamenta. “Queremos ter certeza que o gato adotado não vai passar por violência nunca mais. Por isso, temos um processo de adoção consciente, com questionário prévio, vistoria na residência e visitas pós-adoção”, afirma.
Família de gatos muda rotina de casal
Uma adoção de sucesso do Resgatitos foi a da estilista Jordana Mello. Quatro gatos, todos em um ano. Depois do laranjinha Guilherme Arana, Jordana e o noivo se apaixonaram pelo animal e não quiseram separar a família do gatinho, que só foi crescendo. O processo, na verdade, foi de cura para os dois lados. Jordana curou o trauma de um luto, e os gatos ganharam uma nova vida – dessa vez, digna.
“Eu ainda vivia o trauma de ter perdido o gato da minha família, mas seria egoísmo perder o contato com o que amo por medo. Meus gatinhos mudaram nossas vidas, trouxeram alegria, diminuíram nosso estresse e se tornaram nossas companhias favoritas”, celebra.
Em troca, os quatro gatos vivem do bom e do melhor. Para recebê-los, Jordana preparou o apartamento. Além disso, fez planos de saúde para todos, e garante a melhor ração. “Tratamos eles com o melhor que a vida pode dar”, brinca a tutora. Os três primeiros vieram ainda filhotinhos da rua, já a última, a Elis Regina, ainda se acostuma com a mordomia.
“A Elis foi adotada com quatro meses, ficou mais tempo abandonada. Então, é mais assustada, tem medo de tudo, imagino o que passou na rua. Mas está cada vez mais dócil, que bom que ela veio para nossa casa. E ela é carinhosa, parece que nos agradece”, conta Jordana. Para a estilista, adotar sempre foi a única opção. “É um princípio inegociável. São tantos animais abandonados, precisando de uma casa. Amor não se compra”, diz.
Cenário de adoção em BH
Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, até agosto deste ano, 119 animais foram adotados no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) – sendo 78 cães e 41 gatos. Só para se ter uma ideia, em todo 2023, 148 animais foram adotados – 103 cães e 45 gatos. Segundo o diretor de Zoonoses da PBH, Eduardo Viana Gusmão, os animais que são acolhidos normalmente passaram por algum abuso. “Nós percebemos que os animais acolhidos não estão em condição de bem-estar, estão, normalmente, magros, com parasitas, doenças, algumas lesões”, diz.
Além da consulta veterinária, o Centro de Zoonoses faz a implantação de microchip nos animais, realiza vermifugação, oferece vacina contra a raiva e faz controle de parasitas. Gusmão avalia que, mesmo que a adoção seja o mais indicado para os animais, ela precisa ser feita de forma responsável.
“Adoção é a ponta de um problema que queríamos que fosse muito menor. Quando a decisão de ter um animal é tomada, ela precisa ser consciente e não de forma compulsiva. Falta de tempo, eventuais bagunças que o gatinho ou cão possa fazer são partes do processo, e não motivo para um novo abandono”, explica. Segundo ele, as equipes da prefeitura realizam um trabalho de conscientização a todos que decidem adotar.
Como adotar pela Prefeitura?
Os animais recolhidos soltos nas vias públicas pela prefeitura vão para adoção no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). O processo de adoção acontece de segunda a sexta-feira, das 9h às 16h, na Rua Edna Quintel, 173 - São Bernardo.
Para adotar é necessário ser maior de idade, apresentar carteira de identidade e comprovante de endereço. Animais adotados, com idade superior a 4 meses, saem castrados e microchipados. Filhotes abaixo de 4 meses saem com a castração garantida. Há, atualmente, 42 gatos e 102 cães para adoção.
Como solicitar resgate de animais pela Prefeitura?
Os pedidos para recolhimento de animais soltos nas vias públicas devem ser feitos pelos telefones 3277-7411/ 7413 e pelo e-mail: cczsmsa@pbh.gov.br. Em 2023, até setembro, foram recolhidos 1.751 animais, sendo 1.072 cães e 679 gatos.