A tecnologia 4G dos celulares conquistou os presos do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Mas não é porque a quarta geração da telefonia móvel é mais rápida e melhor do que a terceira ou a segunda. Os condenados já sabem que o bloqueador de celular instalado naquela unidade prisional é ultrapassado e não vai impedi-los de falar com qualquer pessoa que esteja além das muralhas que os cercam.
A denúncia é do juiz da Vara de Execuções Criminais de Contagem, Wagner Cavalieri. Segundo o magistrado, o bloqueador instalado na Nelson Hungria não se presta ao fim desejado por não acompanhar a evolução da tecnologia. “O aparelho da Nelson Hungria não bloqueia 4G, e todos os aparelhos apreendidos com os presos têm essa tecnologia”, alerta Cavalieri.
Em maio do ano passado, o juiz já havia denunciado ao jornal O TEMPO que o bloqueador de celular da Nelson Hungria não funcionava e que ao menos 15 celulares eram apreendidos por mês com os presos. A quantidade de apreensões dobrou neste ano, segundo ele. “Continuam entrando celulares. Isso é público e notório. Apesar de todo o esforço das equipes de segurança da unidade, eles apreendem uma média de 30 aparelhos por mês. Tem muito mais celulares em funcionamento dentro da unidade, infelizmente”, alerta o juiz. Segundo ele, os presos da unidade são os que têm penas mais altas no Estado, de alta periculosidade e ligados a facções criminosas.
Opinião
Para o especialista em segurança pública Jorge Tassi, é grande o risco de detentos da Nelson Hungria comandarem o crime organizado de dentro da unidade. Para ele, as facções têm seus “braços decisórios” fora da cadeia. “Eles mandam ordens para dentro dos presídios, e os presos mandam a ordem para fora”, explica. “Ou se corta esse canal de comunicação de fora, ou o de dentro”, diz.
Estado não comenta declaração
A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) não informou se há previsão de troca ou modernização dos bloqueadores na Nelson Hungria nem comentou a declaração do juiz Wagner Cavalieri de que 30 celulares 4G são apreendidos por mês na unidade.
“A Seap trabalha efetivamente na aplicação e no aprimoramento dos procedimentos operacionais responsáveis pelo impedimento da entrada de ilícitos nas unidades prisionais”, afirmou em nota.
Segundo a pasta, “as atualizações são feitas de acordo com a disponibilidade financeira do Estado, segundo normas, etapas e especificidades da Lei de Licitações”. A pasta disse que os bloqueadores de celular se tornam obsoletos de forma rápida, dada a mudança acelerada da tecnologia de transmissão de dados.
Ainda de acordo com o texto da secretaria, diferentemente da iniciativa privada, o Estado segue uma série de normas para a aquisição de produtos, equipamentos e serviços e que, “por força de lei, não detém a mesma agilidade da iniciativa privada para a compra de materiais e serviços”.
Lotação
A secretaria não informou o número de presos do complexo penitenciário nem a quantidade de agentes na Nelson Hungria, alegando questão de segurança. Apenas confirmou que a proporção de agentes/presos ainda é superior à recomendada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de um agente de segurança para cada grupo de cinco presos.
“Estamos realizando um processo seletivo simplificado para o quadro de reserva de agentes de segurança penitenciários”, diz a nota.
Apreensão
Resposta. A Seap também não informou a quantidade de celulares apreendidos na Nelson Hungria nem se o modelo dos bloqueadores de outras unidades prisionais de Minas é o mesmo.
Saiba mais
Apreensão
Na semana passada, um celular de apenas 4 cm foi apreendido na Nelson Hungria com um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), Anderson Lopes Vieira, 41.
Fugas
Desde dezembro de 2017, 31 detentos fugiram da penitenciária. Dezoito foram recapturados. Em Minas, há 72 mil presos para 40.907 vagas, segundo a Seap.
Refeições
Na segunda-feira (3), o O TEMPO publicou que, a partir de 31 de dezembro, a comida dos presos poderá ser entregue em marmitas, segundo Wagner Cavalieri. A Seap não confirmou.
Minientrevista
Wagner Cavalieri
Juiz da Vara de Execuções Criminais de Contagem
O bloqueador de celular da Nelson Hungria deve ser substituído?
Foi um equipamento comprado, quando, na verdade, ele deveria ter sido locado. Deveriam ter contratado um serviço de bloqueio, e não comprado o equipamento. E, quando a garantia desse equipamento acabou, o próprio sistema prisional não tinha condições técnicas de mantê-lo atualizado. A solução, a meu ver, ali, na Nelson Hungria, principalmente, seria a contratação do serviço de bloqueio do sinal.
Agentes penitenciários da Nelson Hungria denunciam que estão trabalhando com menos de 10% do efetivo necessário. O senhor tem conhecimento disso?
Não só tenho conhecimento como venho alertando, há dois anos, tanto a Secretaria de Administração Prisional como o próprio governo, dos problemas que surgiriam com a diminuição do número de agentes prisionais não só da Nelson Hungria, como em todo o Estado. Agora, com relação a esse percentual, eu não tenho como te dizer. Acredito que não. De acordo com meus relatórios, há dez anos, nós tínhamos lá em torno de 860 agentes. Na atualidade, segundo números da secretaria, são 550 agentes. A população carcerária deve estar em torno de 1.990 presos.