Enquanto a comunidade quilombola de Santa Quitéria se organiza contra a desapropriação de moradores para a implantação de uma pilha de rejeitos de minério em Congonhas, na região Central de Minas Gerais, parlamentares estão buscando outras formas de tentar reverter a ameaça da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) no povoado. Nesta quinta-feira (17 de julho), o Ministério Público Federal (MPF) foi acionado pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) em defesa da população afetada pela expansão da mineradora. 

O TEMPO teve acesso ao ofício encaminhado pela parlamentar ao órgão de Justiça ainda na última quarta-feira (16). No documento, ela solicita a realização de uma reunião "em caráter de urgência" com representantes de seu gabinete e da comunidade ameaçada pela expansão da mineradora. O encontro visaria a garantia da proteção e promoção dos direitos da comunidade tradicional. 

"Nós já acionamos o Ministério Público (MPMG) e a Defensoria Pública para que possam fazer o acompanhamento, considerando que nós estamos falando de uma comunidade quilombola. E, agora, acabei de acionar também o MPF para fazer a proteção dessa comunidade que está sujeita a todas essas violações de direitos e violências praticadas pela CSN", disse a deputada à reportagem.

No texto, a deputada afirma que acompanha o caso do senhor João,74, e sua esposa dona Geralda, 66, que foram alvo de uma decisão judicial que concedeu a imissão de posse em favor da CSN, determinando a desocupação da propriedade rural de 7 hectares em um prazo de apenas 20 dias. A medida foi aprovada com base em um decreto publicado pelo governador Romeu Zema (Novo) em julho de 2024, que desapropriou uma área de 261 hectares por "interesse público"

"Essa é a primeira família quilombola que está sofrendo a desapropriação pelo referido decreto, que visa a instalação da Pilha de Rejeito Filtrado Sul Maranhão 1, uma estrutura para armazenar resíduos da mineração — empreendimento que sequer possui licença ambiental (...) A desapropriação está sendo conduzida de maneira violadora, sem tempo razoável para retirada dos bens, sem diálogo e com avaliação unilateral da indenização, ignorando as benfeitorias e a contraproposta financeira apresentada pela família", escreveu Beatriz no ofício. 

A deputada estadual argumentou ainda que a ação viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determina a consulta prévia, livre e informada de comunidades tradicionais para implantação de grandes empreendimentos. O oficio ainda afirma que o decreto de desapropriação do governo de Minas viola uma lei federal que estabelece que "desapropriações por interesse social devem ser realizadas pelo Poder Público, e não diretamente por empresas privadas, ainda que beneficiárias da declaração de utilidade pública".

"Eu também apresentei um projeto de resolução para revogar o decreto de utilidade pública para fins de desapropriação. Estamos batalhando por esse projeto, que tramita aqui na Assembleia Legislativa. Vale lembrar algo inédito, né, que é o governador colocar na mão de um grupo privado uma desapropriação", afirmou Beatriz a O TEMPO.

A reportagem procurou o MPF e a CSN sobre o ofício da deputada, mas, até a publicação da reportagem, nenhum posicionamento tinha sido recebido. 

Abaixo-assinado

Nesta quinta-feira, os moradores da comunidade de Santa Quitéria criaram um abaixo-assinado virtual para recolher assinaturas pela derrubada do decreto que determinou a desapropriação em benefício da mineradora. 

No texto que, que exige a "Revogação do Decreto de Numeração Especial nº 496, de 12/07/2024", os moradores afirmam que a desapropriação de parte da população causa "inúmeros problemas sociais e econômicos". "O direito fundamental à moradia está sendo violado de maneira abominável. A expansão da mina tem impacto ambiental negativo e o decreto não avaliou de maneira adequada as consequências dessa decisão. Isso é inaceitável e precisa ser combatido", escreve. 

Em pouco mais de 20 horas, o abaixo-assinado já reúne mais de 1.500 assinaturas. 

Relembre o caso 

João, 74, e Geralda, 66, vivem dias de tensão desde que a Justiça autorizou a desapropriação da casa da família, construída há quase um século no distrito de Santa Quitéria, em Congonhas. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) quer instalar no local uma pilha de rejeitos — antes mesmo do licenciamento ambiental ser aprovado.

A casa, cercada por nascentes e árvores nativas, é um símbolo da comunidade. Ali, as netas nadaram em piscina natural, o fubá era moído em pedra pelo avô e o forno de barro guardava o cheiro dos biscoitos da matriarca. “A gente não tem apego a luxo, tem apego à memória”, disse dona Geralda em entrevista a O TEMPO.

Na última terça-feira (15/7), oficiais de Justiça, seguranças e funcionários da CSN foram ao local com placas e correntes para o portão. Recuaram após o senhor João passar mal. O idoso, acostumado com a rotina tranquila na casa da família, hoje toma remédios para depressão e ansiedade.

A desapropriação foi autorizada por decreto do governador Romeu Zema (Novo). Segundo a CSN, 27 dos 30 imóveis já foram adquiridos de forma amigável. Segundo os moradores, a judicialização ocorreu porque a casa da família é uma das poucas na região com documentação regular.