Quando Kennedy Anacleto Santos Reis, 25, começou a demonstrar um desânimo constante, que o impedia inclusive de trabalhar, a mãe dele, a artesã Adelaide dos Santos, 54, ficou assustada. Conhecido por ser calmo e cativante, o jovem enfrentava a depressão desde 2019, mas passou a ficar triste e arredio e cortou contato com amigos mais próximos no início da pandemia. O caso foi levado ao Centro de Referência em Saúde Mental (Cersam) Venda Nova, em BH, onde um psicólogo diagnosticou o rapaz com depressão profunda.
“Os médicos determinaram internação imediata”, conta Adelaide, que relaciona diretamente as limitações e o estresse do isolamento ao quadro do filho. Kennedy não está sozinho: houve aumento de 14,5% no número de atendimentos relacionados à saúde mental em toda rede SUS-BH durante os quatro primeiros meses de 2021 frente ao mesmo período de 2020, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
De acordo com o psiquiatra e terapeuta cognitivo comportamental Rodrigo de Almeida Ferreira, esse crescimento demonstra uma mudança na sociedade sobre o conceito de saúde mental, ainda que não existam provas de que a maior procura por ajuda é consequência da pandemia.
“A gente vê o quanto as pessoas são afetadas pela pandemia, pelas mortes de pessoas queridas, pelas medidas de isolamento necessárias e tudo o mais. No entanto, é preciso tomar cuidado, pois associação nem sempre quer dizer causalidade. O fato de algo significante estar acontecendo junto com outro fenômeno não quer dizer que um provoca o outro”, diz.
Rede
BH tem 152 unidades de serviço de saúde mental, a Rede de Atenção Psicossocial, que oferecem atendimentos individuais e gratuitos em diferentes pontos da cidade para pessoas que sofrem de qualquer tipo de saúde mental, como depressão, ansiedade e esquizofrenia. Por assessoria, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que o centro de saúde de referência da pessoa faz a primeira avaliação.
As unidades são divididas em quatro tipos: Cersams; Consultório de Rua (com quatro equipes); Centro de Referência em Saúde Mental Infantojuvenil (Cersami); e Centro de Referência em Saúde Mental Álcool e Drogas (Cersam-AD).
“Disponibilizamos uma equipe de atendimento às pessoas em sofrimento mental, além de prestar serviços de atendimentos dos quadros mais graves”, explica a diretora de Assistência à Saúde da PBH, Renata Mascarenhas.
Serviço é opção para quem precisa
Herica Peixoto do Amaral Rosa tinha 30 anos quando teve seu primeiro surto de psicose. Após sete anos convivendo com a doença, ela encontrou apoio em um programa oferecido no Cersam Venda Nova, onde recebe atendimento psiquiátrico e psicológico. O programa mudou o curso da vida de Herica para melhor, segundo a família, que enfrentou uma crise financeira que impossibilitava o tratamento particular.
“Não conseguimos continuar pagando (o tratamento particular). Foi quando descobrimos que o mesmo tratamento era oferecido pelo SUS-BH”, conta o marido da paciente, o pintor Giovanni Eduardo Rosa, 42. “Aqui (no Cersam Venda Nova), conseguiram estabilizar o quadro dela. E, desde então, ela evoluiu e está bem controlada”, comemora.
Giovanni lembra que Herica não conseguia ficar sozinha com a filha, hoje com 8 anos, mas atualmente já passa finais de semanas inteiros com a menina: “Isso deixa a gente que acompanha o sofrimento dela de perto muito feliz”, conclui.
Manter rotina e dormir bem ajuda a preservar a saúde mental
É possível tomar medidas para proteger a saúde mental diante de um momento de incerteza como o atual, segundo o médico psiquiatra e professor do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Garcia.
“Estamos vivendo um tempo que pode ser considerado uma tempestade perfeita para o desenvolvimento de transtornos mentais. Então é importante manter uma rotina, para que nosso cérebro tenha bons marcos para manter nosso funcionamento dentro de um normal possível”, afirma.
Ele ressalta ainda que é fundamental dormir bem e praticar exercícios físicos com regularidade.
“Ter um ciclo de sono adequado também é essencial, já que o sono influencia muito na ansiedade e na nossa percepção de bem estar. Por fim, praticar com regularidade atividades físicas aeróbicas, como andar, correr, pedalar ou nadar”, complementa.
Garcia argumenta ainda que é preciso vencer o estigma em relação aos problemas de saúde mental e buscar ajuda se preciso. “O preconceito é ainda o maior limitante para o acesso aos cuidados em saúde mental. Doença mental, como qualquer outra doença, é algo que pode acometer qualquer um. Falar sobre seus problemas com pessoas que o apoiam é um ponto importante, mas procurar ajuda com um psiquiatra pode ajudar ainda mais quando se pensa que se tem um transtorno mental”, concluiu.