Embora seja cada vez mais comum encontrar relatos de quem largou tudo para cair na estrada, mergulhar em uma aventura pelo mundo não é tão simples quanto parece e requer um mínimo de planejamento.
Pela internet, não são poucas as postagens incentivando as pessoas a “chutarem o balde” e ensinando como criar coragem para pegar a estrada. No entanto, especialistas e viajantes ouvidos por O TEMPO ponderam que a tal coragem não é, em muitos casos, o único empecilho.
“Seja por questões pessoais, familiares, financeiras, cada um tem os seus problemas, e não é todo mundo que pode ou que consegue fazer isso”, afirma Amanda Noventa, autora do blog Amanda Viaja. “Não tem problema nenhum sair para viajar e largar tudo se puder. Essa é uma tendência que veio mesmo para ficar. Mas tenho medo de que, com essa moda, as pessoas passem a achar que viajar só é legal se for assim e acabem frustradas. É preciso ter cuidado”.
Ao contrário do que muitas vezes é divulgado, a maioria das pessoas que largou tudo não agiu apenas por impulso, mas batalhou para que fosse viável o sonho de cair na estrada. Foi o caso de Bruno Hohl, 36, e Larissa Mungai, 26, que, desde novembro de 2014, viajam o Brasil a bordo de um motor-home. “As pessoas têm uma ideia de loucura, mas foi tudo bem estruturado e pensado”, conta Hohl.
Antes de pegar a estrada, o casal vendeu carros e móveis e, após muito planejamento, deu início à criação de uma empresa, para que pudesse trabalhar remotamente e se sustentar pelo caminho. “Demos um passo depois do outro, com muita consciência. Hoje, recuperamos o capital investido, e nossa empresa já é sustentável e lucrativa”.
Para Leonardo Spencer, 31, e Rachel Spencer, 29, do projeto Viajo logo Existo, o lema é se apoiar em muito estudo e planejamento, tentando minimizar riscos. “Levamos exatamente um ano, do dia que tivemos a ideia até o dia que caímos na estrada.
Foram dezenas de livros, reuniões com viajantes, mecânicos, tudo que podíamos aprender na teoria, para então estar um pouco mais preparados quando precisássemos na prática. Planejamos nossa rota, estimamos a quilometragem e calculamos os gastos com diesel”, contou Leonardo.
Dinheiro. Felipe Pacheco, 24, e Debbie Corrano, 25, também são adeptos de um bom planejamento para que o viver fora de casa dê certo. Após largarem os empregos em uma agência de publicidade de São Paulo e começarem a trabalhar como freelancers de casa, perceberam que não fazia diferença se estivessem na capital paulista ou em Berlim.
Durante um ano, o casal se preparou para que o nomadismo digital desse certo e, hoje, está em Córdoba, na Espanha, juntamente com seus dois cachorros, após temporadas em Barcelona e Berlim.
“A primeira coisa foi ter certeza de que teríamos trabalho. Pegamos confiança dos nossos clientes e, hoje, continuamos trabalhando e tirando dinheiro com a publicidade. Mas agora a gente pode ir na contramão: não trabalhar em uma terça-feira e compensar no domingo”, diz Debbie.
Pacheco acredita que um dos segredos para continuar viajando por temporadas é planejar outras formas de ganhar dinheiro, como vendendo cursos ou fazendo trabalhos de tradutor. “Temos aprendido que não somos dependentes dos lugares onde estamos. Mudar é mais fácil do que as pessoas pensam. Se um dia a gente decidir voltar, nós podemos ir sem medo. Planejando, dá tudo certo”.
Comprometimento
Para a jornalista Glau Gasparetto e o marido, o estrategista digital Adriano Dias, a mudança de estilo de vida resultou do amadurecimento de um plano já sonhado há alguns anos. "Em todas as viagens de férias, pensávamos em maneiras de conseguir conciliar o trabalho e o prazer de viajar.
Sabíamos que era possível, por conta da experiência com produtos digitais, mas o comodismo dos bons empregos e salários seguros acabava adiando a ideia", conta Glau. Há dois anos e meio, porém, a jornalista se viu em meio a um processo de demissão em massa na empresa que trabalhava e, ao invés de voltar ao mercado convencional, optou por seguir de forma autônoma, em home office, em sua empresa infoMedia digital, agência de produtos e conteúdos digitais.
"Deu tão certo que, seis meses depois, o Adriano pediu demissão. Isso nos permitiu viajar e gerenciar a empresa ao mesmo tempo, sem limitações de espaço e de tempo, usando o melhor que a tecnologia pode oferecer".
Para que o sonho se concretizasse, Glau conta que foi necessário aprender a planejar com antecedência e ter bastante disciplina, além de consolidar uma estrutura tecnológica e humana por trás de todo o processo.
"Também é necessário ter consciência e comprometimento que o trabalho vem em primeiro lugar - e seguimos essa regra à risca. É diferente de uma viagem de férias, onde você é turista em tempo integral", diz. Tanto trabalho, porém, é recompensado.
"Em 2014, experimentamos diferentes comidas, cheiros, cores e o cotidiano de lugares que não teríamos chance se tivéssemos apenas um mês de férias no ano. Vivenciar isso, além de descobrir as diferenças culturais, do cotidiano, as histórias, as belezas dos lugares, são situações tão gratificantes que acabam ofuscando qualquer perrengue que possa surgir pelo caminho".