APÓS TRAGÉDIA

Brumadinho pode virar floresta 10 anos mais rápido; veja o que está sendo feito

O Acordo de Reparação Integral da área tem o valor estimado de R$ 6,55 bilhões; 3,3 hectares estão, de novo, tomados pelo verde

Por Isabela Abalen
Publicado em 19 de dezembro de 2023 | 03:00
 
 
 
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Existe um lugar em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, onde a vegetação forma um microclima agradável, sob a cobertura de árvores nativas da mata atlântica e do cerrado e com visitas de animais como a onça parda e a borboleta ribeirinha (Parides burchellanus) – essa que não aparecia há 10 anos na região. É difícil de acreditar, mas esse lugar está dentro da mancha de rejeito do rompimento da barragem no Córrego do Feijão, quase 5 anos depois da tragédia que matou 272 pessoas. Uma força-tarefa de pesquisadores da Sociedade de Investigações Florestais (SIF), da Universidade Federal de Viçosa (UFV), criou técnicas de reflorestamento que tiveram sucesso em devolver a biodiversidade à área devastada pela lama em um período recorde de seis a onze meses. 

O verde da floresta que começa a crescer, ainda tímida, é da cor da esperança de um futuro menos destruído para Brumadinho. Está em jogo um investimento de R$ 5 bilhões na recuperação ambiental de toda a área afetada, de 300 hectares, mais R$ 1,5 bilhão por ações de compensação ambiental no entorno, segundo o que ficou estabelecido no Acordo de Reparação Integral junto ao Governo de Minas. A expectativa é que, dentro de 10 de anos, toda a área atingida se transforme em uma grande floresta. O período poderia ser maior, de 20 a 30 anos, se acontecesse naturalmente. Foi exatamente para acelerar o processo que pesquisadores desenvolveram técnicas inovadoras testadas pela primeira vez no mundo, como o resgate de DNA de árvores em risco pela lama ou em extinção.  

“Se você abandonar uma área e esperar a regeneração natural, a restauração pode demorar 20, 30 anos, muito mais tempo. Em Brumadinho, é muito favorável. Apesar do impacto, o território fica próximo a remanescentes florestais que estão jogando sementes ali, e estamos atuando com diversas técnicas. Em 10 anos, essa nossa floresta já vai poder crescer e se desenvolver sozinha”, conta Sebastião Venâncio Martins, coordenador do Laboratório de Restauração Florestal da UFV e orientador técnico da restauração florestal em Brumadinho. 

Martins destaca que, em áreas diretamente atingidas, o processo é um pouco mais lento por causa do rejeito. “Tem que tirar todo o rejeito, e depende da liberação dos bombeiros. Só depois que os bombeiros liberam a área que entramos com a restauração”, explica. Isso acontece porque três corpos de vítimas que foram soterradas pela lama ainda não foram encontrados. As famílias esperam pela chance de realizar velório, enterro e se despedir corretamente, e todos os dias os militares fazem buscas na região. Só depois que o Corpo de Bombeiros entende que não há corpo em tal parte da área atingida, que os pesquisadores podem começar com o trabalho de reflorestamento. 

Antes e depois de reflorestamento em Brumadinho

Até o momento, 3,3 hectares, o equivalente a três campos de futebol, foram liberados – 99% do rejeito ainda passa por buscas diárias. O trecho recebe ação dos reflorestamento desde 2020 e a mudança de um cenário marrom, tomado pela lama e sem vida – isto é, quando os animais haviam fugido – para um terreno verde, coberto por árvores e moradia de animais nativos é surpreendente. “Algo que chama atenção é, com certeza, a atração de fauna para a área. Foram colocadas câmeras para monitoramento do reflorestamento, e nós conseguimos ver macacos passando ali, uma série de insetos, de pássaros e animais silvestres da região, que voltaram. Isso é muito importante e um dos nossos objetivos, os animais são responsáveis por fazer a dispersão natural das sementes”, afirma o coordenador Sebastião Venâncio Martins. 

Além dos 3,3 hectares da área atingida, mais 60 hectares da região do entorno, tidos como território de compensação e preservação ambiental, também estão em processo de reflorestamento. O plantio aproximado é de 90 mil mudas, incluindo semeadura natural e com alteração de DNA. 

Diferentes técnicas levam à biodiversidade 

Existe uma diferença entre plantar árvores e reflorestar, segundo o pesquisador em genética quantitativa da UFV, Guilherme Bravin. Para que a vegetação em Brumadinho não acabe em fracasso e em outro desastre natural alguns anos após ser recuperada, o trabalho dos pesquisadores respeita uma lei crucial da natureza: a diversidade genética.

“Ela é super importante para manutenção da natureza a longo prazo, do fortalecimento das populações de diferentes espécies. Se eu planto uma série de clones de uma mesma espécie, o que acontece em alguns programas de recuperação florestal, essa floresta terá uma variabilidade genética baixa e está fadada ao fracasso, estando altamente vulnerável a qualquer condição ambiental adversa, como aumento de temperatura e estresse hídrico”, explica Bravin. 

Sendo assim, na Sociedade de Investigações Florestais (SIF), é seguida uma série de cuidados com a diversidade ambiental de Brumadinho, com plantas nativas da região da mata atlântica e do cerrado. “Nós utilizamos o processo de corredores ecológicos, em que a ideia é fazer com que uma árvore tenha um cruzamento com outra árvore com um repertório genético diferente. Usamos as localidades de cada espécie estrategicamente com a técnica de aceleração dos frutos e flores”, continua o pesquisador em genética quantitativa. 

O coordenador do reflorestamento, Sebastião Venâncio Martins, afirma que o processo começa pela seleção das espécies na própria área afetada, desde as pioneiras, que crescem rápido, até às centenárias, como a Jequitibá. “Outro cuidado é o tamanho das covas. Então, fazemos as covas maiores para que seja feita uma adubação muito boa, com fósforo, uso de composto orgânico e também o químico, com produtos de alta tecnologia”, diz. 

Depois, começa uma série de técnicas de reflorestamento. Estão sendo usadas, ao mesmo tempo, técnicas de mix de sementes de adubos verdes, para melhorar o solo, plantio de mudas nativas da região, semeadura por drone, plantas com aceleração de florescimento por técnica de DNA e hormônio e até transposição de solo de uma área para outra. “Eu visitei essas primeiras áreas que nós monitoramos e é uma satisfação enorme você chegar em uma mata que estava sem nada, com solo exposto, e ter hoje uma mata fechada. Você ficar na sombra das árvores que foram plantadas, perceber a restauração do microclima, é gratificante”, celebra Martins. 

Segundo a Vale, as ações ambientais seguem também para promover a recuperação do rio Paraopeba. A empresa informou que a Estação de Tratamento de Água Fluvial (ETAF) já devolveu 52 bilhões de água limpa ao rio. “Os monitoramentos de qualidade da água superficial e subterrânea continuam sendo feitos em aproximadamente 80 pontos e apresentam resultados semelhantes aos registrados antes do rompimento, especialmente em períodos secos”, afirma. 

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