RELATÓRIO

Capital dos bares, BH é a cidade com mais infrações à Lei Seca da história

Caso de policial militar embriagado chama atenção para negligência até entre os órgãos de segurança

Por Isabela Abalen
Publicado em 29 de setembro de 2023 | 17:28
 
 
 
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Belo Horizonte é a cidade do Brasil com mais casos de infrações à Lei Seca da história. Desde que a lei foi criada, em 2008, a capital mineira já registrou 48 mil autuações por embriaguez ao volante, isto é, a cada dia dos últimos 15 anos, nove motoristas foram flagrados dirigindo sob influência de álcool. Em segundo lugar está Brasília (DF), que registrou 36 mil infrações, seguida de São Paulo (SP), que registrou 25 mil.  Os dados são de relatório inédito elaborado pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) do Ministério dos Transportes divulgado nesta semana, e mostram como a “capital dos bares” é, também, a capital das tragédias no trânsito. 

De acordo com o relatório, entre 20 de junho de 2008 e 19 de junho de 2023, o Registro Nacional de Infrações de Trânsito (Renainf) catalogou mais de 1 milhão de infrações de motoristas que dirigiam sob influência de álcool ou outra substância psicoativa em todo o país. Minas Gerais é o estado com o maior número de casos, 187 mil ao total. Atrás, estão São Paulo, com 162 mil, e Paraná, com 83 mil. Os números impressionam porque Minas ultrapassa em 15% os índices de São Paulo. E Belo Horizonte, por sua vez, está 33% além de Brasília, que ocupa o segundo lugar no ranking de cidades.

Este é o cenário do atropelamento do guarda municipal de 47 anos por um policial militar embriagado na marginal do Anel Rodoviário de Belo Horizonte na manhã desta sexta-feira (29 de setembro). O teste de bafômetro do PM constatou o índice de alcoolemia de 0,36 mg de álcool no sangue, quantidade seis vezes acima do tolerado por lei. No veículo, foram encontradas pelo menos três garrafas de bebida e sete latões de cerveja. “Ele me pegou e me jogou para dentro de um parque. Fomos analisar a situação e ele se identificou como policial militar, disse que não estava atento ao volante e infelizmente aconteceu", contou o guarda atingido. Ele foi atendido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte e passa bem. 

Fiscalizações insuficientes permitem casos de embriaguez ao volante

Para especialistas, o problema na capital mineira, que repercute em todo o Estado, é a soma da impunidade – resultado de fiscalizações poucas e ineficazes –  com a falta de ações de educação da população. A especialista em trânsito Roberta Torres avalia que ainda são maioria os belo-horizontinos que calculam a chance de serem pegos em uma blitz e assumem o risco de dirigir mesmo após beber. “É um pensamento simples, que conduz ao erro: ‘qual a probabilidade de eu ser punido?’. As abordagens, mesmo que existam, são ineficientes e não dão ideia nenhuma de patrulhamento ostensivo. Cidades como o Rio de Janeiro (RJ) e Vitória (ES) têm uma rotina de fiscalização muito maior, se formos comparar”, afirma. Rio de Janeiro (RJ) registrou 16 mil infrações à Lei Seca e Vitória (ES) 1 mil na série histórica, para se ter ideia. 

A especialista pontua que a insuficiência nas fiscalizações geram subnotificação dos casos, isto é, Belo Horizonte pode ter mais casos de direção embriagada que nunca foram notificados. “É muito subnotificado. As blitze deveriam ser diárias, mas ocorrem esporadicamente, em alguns pontos. Para se ter ideia, eu dirijo há 20 anos em BH, fui parada umas duas vezes. Isso é inaceitável. A probabilidade, se alguém dirige após beber, tem que ser maior a de ser pego e não a de passar impune”, reforça Torres. 

Segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), as infrações por direção após consumo de bebida alcoólica continuam a aumentar em Belo Horizonte. De janeiro a julho deste ano, 270 motoristas bêbados foram flagrados. O número é 3% maior que o mesmo período do ano passado, quando 262 foram pegos. Em Minas, os dados cresceram ainda mais, 8% com relação à 2022 (de 7.585 casos para 8.218 de janeiro a julho). 

O fato do atropelamento no Anel Rodoviário ter sido causado por um policial militar bêbado na condução do veículo escancara ainda mais a negligência da capital com a Lei Seca, avalia Roberta Torres. “É triste ver aqueles que deveriam dar o exemplo, não apenas policiais, mas agentes de trânsito, servidores da segurança, se colocando em situação de risco como essa”.

Mudança no comportamento ainda é sonho, mesmo após 15 anos de Lei Seca 

“Ainda tratamos misturar bebida com direção como brincadeira. São falas e comportamentos muito comuns que mantêm uma cultura de violência no trânsito. É um ‘se Minas não tem mar, vamos para o bar’, e vai de carro mesmo”, afirma Cinthia Almeida, especialista em trânsito e comportamento. “Estamos com dados alarmantes em Belo Horizonte, em Minas Gerais, não é brincadeira. Essa mudança de comportamento não aconteceu, as pessoas ainda não entenderam que é melhor ser o motorista da rodada ou pedir um carro por aplicativo”, continua. 

O relatório do Ministério dos Transportes indica que a maioria das pessoas que infringe a Lei Seca são homens (mais de 80% dos casos) com mais de 30 anos (90% das infrações) e que, em média, tiraram a primeira habilitação há 16 anos da data da infração. A confiança do condutor de que não vai errar é um dos principais riscos para acidentes, segundo Almeida. “O motorista acha que está habituado, entende que ‘dá conta’, que quando bebe, dirige melhor. É aí que está o erro, isso gera morte. Para a Lei Seca não existe tolerância, qualquer medição no bafômetro é grave. O que falta é essa conscientização do risco”, afirma. 

Para mudar a rota de acidentes em Belo Horizonte e de todo o Estado, além do reforço na fiscalização, a especialista Cinthia Almeida avalia a importância da educação sobre trânsito. “Temos campanhas no Maio Amarelo, na Semana de Conscientização de Trânsito, agora em setembro, mas não basta. Precisa ser todos os dias, o ano todo. A educação de trânsito precisa estar nas escolas, ser ensinada às crianças e jovens. Só assim vamos ter uma mudança”, enfatiza. 

Lei Seca, tolerância zero

  • Qualquer concentração de álcool por litro de sangue já é considerada infração. Há uma tolerância de 0,06% de álcool no sangue – praticamente nula.
  • Em todos os casos de comprovação da mistura de bebida e direção, o motorista infrator tem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa por 12 meses, podendo ter a carteira cassada caso seja flagrado dirigindo em via pública nesse período.
  • A infração por embriaguez ao volante é de R$ 2.934,70 – dez vezes o valor de referência para infrações de natureza gravíssima.
  • Mesmo a recusa ao teste do bafômetro já é considerada infração gravíssima, com suspensão do direito de dirigir.
  • A pena para motoristas que tenham bebido e causado acidente pode chegar a oito anos de prisão.

Posicionamentos

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Belo Horizonte e o Governo de Minas. A administração estadual informou que "para combater a embriaguez ao volante, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e as forças de segurança pública do Estado trabalham rotineiramente por meio da realização de blitze da Lei Seca e campanhas educativas diversas, com distribuição de informativos e ações específicas visando informar e conscientizar a população".

"A campanha 'Sou pela Vida. Dirijo sem Bebida', realizada desde 2011, tem como foco principal a fiscalização e o combate à perigosa combinação entre álcool e direção. Durante as blitze são fiscalizadas também outras questões que podem contribuir com a segurança das vias, entre elas, a habilitação dos condutores e a manutenção dos veículos. Nas últimas duas sextas-feiras (15.09 e 22.09), durante a Semana Nacional do Trânsito, foram realizadas blitzes integradas da campanha 'Sou pela Vida. Dirijo sem Bebida' na capital, além de diversas campanhas educativas, junto à população, no Estado", esclareceu.

A pasta destacou que, independentemente das ações da "Sou pela Vida. Dirijo sem Bebida", as polícias de Minas realizam blitze, abordagens e campanhas educativas com esse teor e finalidade, rotineiramente, dentro das atribuições diárias.

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