Uma semana após serem resgatados desnutridos e trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte, os irmãos de 6 e 9 anos seguem internados. Os garotos estão recebendo assistência médica no Hospital Odilon Behrens, no bairro São Cristóvão.

O tio das crianças, Kerisson Cristiano Robes, informou, sem entrar em detalhes, que os sobrinhos “estão bem”. Quando foram resgatados, os meninos estavam há três dias trancados e sem alimentação. A Polícia Militar (PM) informou que eles tinham febre e sintomas de desnutrição.

Os garotos, além de estarem magros, usavam roupas sujas. O ambiente onde ficavam era escuro e encardido. Elas deram entrada no Hospital Odilon Behrens logo após o resgate. O Conselho Tutelar informou à reportagem que foi notificado pela PM sobre a ocorrência relacionada às crianças.

“Até o momento, não houve encaminhamento. É importante reforçar que o conselho atuará para a garantia da proteção integral, além de adotar as providências necessárias. A situação permanece sem novidades”, esclareceu o órgão.

Entenda o caso

  • A denúncia

A denúncia foi feita por uma vizinha, a vendedora Poliana Pereira dos Santos, de 37 anos. Ela acionou a polícia depois que percebeu que elas estavam sozinhas no apartamento e sem o auxílio de familiares. Ela tentou alimentar as crianças por um buraco na parede do apartamento. A porta da residência onde elas estavam foi trancada com um cadeado e correntes. 

  • O local em que as crianças estavam

Conforme a denunciante, no local em que as crianças estavam, havia uma vasilha de comida com bicho. Em entrevista ao TEMPO, ela descreveu o cenário. "Encontramos muita sujeira, o cheiro era tão forte que, quando os policiais abriram a porta, nem eles aguentaram. A gente se emocionou muito quando vimos os dois, com os bracinhos fininhos, um deles sem conseguir nem falar. Aí começamos a chorar. Aqui tudo sujo, tudo podre, vasilha com bichos, colchão no chão", relatou.

  • Menino sentiu cheiro de churrasco e pediu comida

Uma das crianças resgatadas pediu um pouco de comida para a vizinha depois que sentiu o cheiro do churrasco que era feito por ela. "Meu sobrinho estava andando de bicicleta aqui e, pelo buraquinho, ele viu e pediu um pouco de comida. Meu sobrinho, que tem mais ou menos a idade dele, veio até mim e contou. Fui até a porta e vi os dois, um deles disse que estava com fome e pediu churrasco para ele e o irmão. Pedi para ele abrir a porta, e ele falou que podia ser por ali mesmo. Falei que a vasilha não cabia no buraco. Ele, então, sugeriu que eu colocasse em uma sacolinha e disse 'eu estou com muita fome, me dá churrasco'",  detalhou a vendedora Poliana dos Santos, de 37 anos, responsável por fazer a denúncia para a polícia.

A criança disse para a vendedora que elas estavam acompanhadas da avó. No entanto, o menino voltou a pedir comida durante a noite daquele dia, o que intrigou a vizinha e indicou de que elas estariam sozinhas.

  • Os responsáveis pelas crianças

A investigação apontou que as crianças são filhas de uma mulher, de 30 anos, que foi presa por maus-tratos a outro filho, morto no último dia 6 de fevereiro. O caso foi registrado em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital. De acordo com o boletim de ocorrência, no início do mês, a mulher levou o filho de 4 anos ao médico, mas a criança já estava morta. O menino chegou com lesões no olho, inchaço no pé e queimaduras no tornozelo.

O pai biológico das crianças, segundo a apuração do caso, teria morrido de Covid-19, em 2020. Em depoimento à polícia, uma das vítimas resgatadas no apartamento, na última terça-feira (21), informou que elas haviam vindo de São Joaquim de Bicas, na semana anterior ao resgate, e que a avó teria passado a noite de sábado (18) com elas, mas não retornou. 

Em uma carta escrita de dentro do presídio de Vespasiano, Kátia Cristina, de 30 anos, mãe dos dois meninos de 6 e 9 anos que foram resgatados trancados em um apartamento no bairro Lagoinha, na região Noroeste de Belo Horizonte, pediu que o seu irmão, que está na capital mineira, "proteja" os seus filhos. Além dos dois garotos, ela ainda tem duas meninas, de 1 e 2 anos, que estão em um abrigo em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana da capital mineira. 

No texto, que O TEMPO teve acesso com exclusividade nesta sexta-feira (24), a mulher começa pedindo perdão ao irmão. "Me perdoa por tudo que está acontecendo", escreveu. "Proteja os meninos por favor, se você pode cuidar deles, pois não sei quando sairei daqui", continua Kátia.

O irmão dela está, desde quinta-feira (23), acompanhando os dois garotos no Hospital Odilon Behrens. Eles estão internados no local após serem resgatados com sinais de desnutrição no apartamento, que estava trancado com uma corrente. Os garotos foram localizados após sentirem cheiro de churrasco que era feito na casa vizinha e pedirem um pouco de comida. 

Em seguida, Kátia ainda afirma que, se o irmão quiser a guarda dos filhos, "pode pedir que eu assino". A mulher está presa desde o dia 6 de fevereiro, quando levou o filho de 4 anos para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) já sem vida. Ela estava acompanhada, na ocasião, de um homem de 31 anos que, no dia seguinte, acabou preso sob suspeita de envolvimento no crime. 

  • Advogados acreditam que ela foi vítima de escravidão

Apesar da suspeita de maus-tratos contra o filho de 4 anos que recai sobre Kátia, os advogados acreditam que ela e a família tenham sido vítimas de uma quadrilha que alicia pessoas e as força ao trabalho análogo à escravidão. O garotinho morreu.