Políticas Públicas

Casa de acolhimento para população LGBTQIA+ em BH começa a funcionar em dezembro

A casa abre no fim do ano com capacidade para atender cerca de 20 pessoas por um período de até três meses cada uma delas

Por Rayllan Oliveira
Publicado em 29 de novembro de 2022 | 03:00
 
 
 
normal

Da violência familiar ao ingresso em situação de rua. Vítima de agressões físicas e psicológicas no ambiente doméstico, a população LGBTQIA+ tem procurado nas ruas a possibilidade de se livrar das violências domésticas. “Muitas vezes as pessoas chegam a essa decisão porque estão numa situação em que não se pode sequer encostar no mesmo talher da família, só pode ficar no quarto dela, sem usar o espaço comum”, aponta o subsecretário de Direitos de Cidadania de Belo Horizonte, Thiago Alves. Para atender essa população em constante violação de direitos, a prefeitura inaugura em dezembro uma casa de acolhimento para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Este espaço, conforme havia sido anunciado pelo prefeito Fuad Noman (PSD) durante a Parada do Orgulho LGBTQIA+ realizada no dia 6 de novembro, será um presente para a capital mineira, que comemora 125 anos no próximo dia 12. “É uma forma de oferecer dignidade, saúde, acolhimento e segurança”, disse o prefeito durante o discurso, garantindo que a casa será voltada, principalmente, à minoria que se encontra em situação de rua.

Hoje, cerca de 5.000 pessoas encontram-se em situação de rua, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte. A capital, no entanto, não consegue quantificar o número de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que estão nesta situação. Isso porque os levantamentos já realizados pela administração municipal não buscavam distinguir quantas dessas pessoas fazem parte dessas minorias. No entanto, a fim de desenvolver políticas públicas voltadas a esse grupo, o Censo da População de Rua 2022, feito pela prefeitura em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), passou a incluir perguntas para identificar esse recorte da população. Essas respostas deverão auxiliar no desenvolvimento de projetos como os da casa de acolhimento. Inicialmente, o espaço deverá atender cerca de 20 pessoas por um período de até três meses cada uma delas.

“Será um local para um atendimento emergencial, como uma retaguarda. Como em muitas das vezes a expulsão do ambiente familiar acontece da noite para o dia, essa vai ser uma forma para que a pessoa não fique na rua”, explica o subsecretário de Direitos e Cidadania, Thiago Alves. Segundo o subsecretário, cada atendimento será personalizado com o objetivo de que a pessoa consiga deixar o espaço e se inserir novamente na sociedade, de uma forma mais segura. “Nenhum espaço de acolhimento é para ser permanente, é para ser um local de construção da independência dela. Vamos ver quais políticas são necessárias para que a pessoa tenha a autonomia dela”, aponta. 

A Prefeitura ainda irá anunciar o local da casa. No entanto, para ter acesso ao espaço, a população LGBTQIA+ em situação de insegurança habitacional deverá passar, primeiro, pelo Centro de Referência LGBT.  “Para ter o acesso, depende desse acompanhamento e dessa avaliação”, explica Thiago Alves. É nessa etapa que será realizado o atendimento psicossocial, e a partir dele será desenvolvido um plano de atendimento individualizado. “A partir disso será feito o atendimento em rede, que contempla a necessidade do retorno escolar ou qualificação profissional, inserção no mercado de trabalho, atendimento de saúde”, exemplifica.

Um dos desafios para as equipes que vão atender esse público, segundo o subsecretário, será o de mostrar a essa minoria que esses serviços oferecidos não serão regalias ou vantagens, mas direitos que elas possuem e a que deveriam ter acesso. “Isso será muito importante porque a pessoa acredita que ela não tem direito aos serviços públicos. Ela acredita que vai ser negado (o serviço). A intenção é que as pessoas trans entendam que elas possuem esses direitos”, aponta o Thiago.

Mais que um espaço físico

“As questões de sexualidade sempre perpassam o atendimento em si, porque isso atravessa de forma significativa a nossa vida enquanto pessoa LGBT”. O relato é do estudante Caíque Belchior, de 23 anos. Ele precisou procurar por atendimento psicológico por causa das inúmeras vezes em que foi vítima de preconceito no ambiente familiar e escolar, além das dificuldades de se reconhecer como um homem gay.

Para ele, é importante que os atendimentos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais possam ser feitos por pessoas que possuem algum tipo de referência na atuação com esse público. “A gente está falando de um público vulnerável, que vive uma violência direta. São pessoas que não se enxergam em vários espaços, são marginalizadas”, aponta o estudante.

O relato de Belchior é, para o professor de ética e antopologia Thiago Teixeira, um importante ponto de partida para o Executivo municipal desenvolver políticas públicas voltadas a essa minoria sexual. Conforme Teixeira, que realiza atendimentos a diversos grupos LGBTQIA+, é fundamental que a casa de acolhimento não se torne apenas um espaço físico para essa população em situação de insegurança habitacional. “A rua, por vezes, é a única alternativa diante de um sistema de violência muito bem-articulado, que é a LGBTfobia estrutural. Por isso, é fundamental pensar em uma casa de acolhimento que restabeleça a dignidade dessas pessoas”, alerta.

Segundo o professor, assegurar atendimentos de saúde e desenvolver ações que possam, por exemplo, inserir essa minoria no mercado de trabalho, seja por meio do acesso à escola ou a formação técnica, é o que irá tornar efetivo esse espaço. “Estamos falando da importância de construir essas políticas de afirmação das nossas identidades que foram sequestradas por um projeto político de extermínio muito bem articulado e ainda em curso nas escolas, nos espaços institucionais de poder, na construção de narrativas midiáticas. Ou seja, nós estamos tratando de uma composição de mundo que precisa destruir essa falsa noção de que nós não somos sujeitos”, aponta. 

A Casa de Acolhimento

O local tem o objetivo de promover acolhimento institucional provisório para pessoas LGBTs com vínculos familiares e/ou comunitários rompidos ou extremamente fragilizados em decorrência de violência LGBTfóbica, sem condições de moradia e autossustentação, visando à proteção social. 

Por LGBTfobia entende-se valores, meios de exclusão, hierarquias e relações de poder que possuem o objetivo de impor e naturalizar a heterossexualidade como única orientação sexual legítima e da imposição da cisgeneridade como norma de gênero, resultando em violência  física, verbal e/ou psicológica –, discriminação e violação de direitos.

Encaminhamento

Para o acolhimento, será necessário que a pessoa seja encaminhada pela equipe técnica do Centro de Referência LGBT e dos serviços de média e alta complexidade da Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte.

Exigências do Serviço

  • Ser uma pessoa maior de 18 anos em situação de vulnerabilidade e risco social em decorrência de violência LGBTfóbica;

  • Ser acompanhada pelo Centro de Referência LGBT ou pelos serviços de média e alta complexidade da Assistência Social da Prefeitura de Belo Horizonte.

Centro de Referência LGBT

O Centro de Referência LGBT de Belo Horizonte foi inaugurado em 2018 pela Prefeitura da cidade. O espaço oferece diversos serviços gratuitos à população LGBTQI+, como atendimento psicossocial, acolhimento de vítimas de preconceito e violência, grupos de apoio, atividades culturais e de lazer e espaços para reuniões de articulação política dos coletivos de gays, lésbicas, bissexuais e transsexuais.
 

Funcionamento: Segunda a sexta-feira, das 8h às 18h
Endereço: Rua Curitiba, 481, centro, Belo Horizonte
Telefones: (31) 3277-4128 / (31) 3277-4227
E-mail: crlgbtbh@pbh.gov.br

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!