Despensas, banheiros e varandas disfarçadas de quartos, cômodos sem janelas e até sem portas. Esta se tornou a realidade de moradia de estudantes que saem de cidades do interior de Minas ou da região metropolitana de Belo Horizonte para estudar e trabalhar na capital. Em um grupo de anúncios de repúblicas de Belo Horizonte, até um banheiro com um colchão no chão foi anunciado como quarto para alugar.
Parece absurdo que alguém aceite morar nessas condições, mas, com os preços das locações cada vez mais altos e a renda baixa da maioria dos estudantes, não resta a eles alternativa senão morar nesses quartos improvisados e com condições precárias para conseguir continuar os estudos.
Uma pesquisa divulgada recentemente pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), por meio do índice FipeZap+, mostra que o preço dos imóveis para aluguel em Belo Horizonte cresceu acima da média se comparado com o aumento no Brasil. Em 12 meses a valorização do metro quadrado em Belo Horizonte chegou a 13,68% em abril deste ano. Já no Brasil, a valorização foi de 9,36% no mesmo período.
A inflação, os preços de produtos e empreendimentos em alta e a grande demanda por aluguel de espaços com a redução das restrições em função da pandemia fazem com que os preços fiquem tão altos na capital mineira que chega a prejudicar os estudantes que vêm de outras cidades e procuram imóveis em Belo Horizonte.
Viver em ‘gaiolas’
“A gente fica se sentindo dentro de uma gaiola”. É assim que a estudante de pedagogia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Karyna Costa, de 21 anos, define morar num quarto improvisado, um cômodo que originalmente era uma despensa. O espaço pequeno e sem janela foi o único que coube no seu orçamento. “Os aluguéis de R$ 700, R$ 800 e R$ 900 são quase o valor do meu salário do estágio, então não tenho condições de pagar”, contou a jovem.
Pelos preços que ela podia pagar, entre R$ 300 e R$ 400, só havia vagas nos quartos improvisados, e, mesmo assim, ela teve dificuldades para achar um espaço e precisou ficar na casa de um tio até encontrar a moradia.
“O locador divulgou um quarto com valor acessível (R$ 360), incluindo o aluguel com água e internet. Ainda tinha a conta de luz, que era dividida. Foi o que coube no meu orçamento. O quarto foi anunciado como DCE (um quarto menor com banheiro), mas na verdade é uma despensa, que fica ao lado da cozinha e da área de lavar roupa. É bem pequena, só cabe a cama encostada na parede e uma mesinha do lado. Não cabe guarda-roupa. Há umas prateleiras para guardar as roupas”, contou a estudante. Karyna saiu de Diamantina, no Alto Jequitinhonha, e veio para a capital para estudar pedagogia.
Para quem sai da região metropolitana de Belo Horizonte, a realidade não é muito diferente. A estudante de engenharia de produção Sthephanye Batista, de 28 anos, morava na divisa das cidades de Contagem e Esmeraldas. Ela precisou se mudar para Belo Horizonte para conseguir estudar e trabalhar. “Eu gastava mais de duas horas em deslocamento, e não dava tempo de fazer tudo. Tive que ir para mais perto do trabalho e da universidade”, contou.
Na primeira república em que ela morou, a casa era dividida entre sete pessoas. Sthephanye dividia uma despensa, que era usada como quarto, com outra menina e o cômodo também não tinha janela. “Era muito difícil conseguir um quarto em que pudesse pagar o aluguel, então o jeito foi dividir a despensa sem janela mesmo. Além disso, a porta estava quebrada, e o locador não fazia questão de consertar. Eu sentia que tinha minha privacidade invadida, pois todos que passavam pela cozinha ou pelos cômodos da casa viam dentro do nosso quarto por causa da porta aberta”, relatou a estudante. Atualmente ela mora em outro apartamento, em um quarto individual.
A jornalista Bruna Esteves, de 24 anos, contou que, quando estava procurando repúblicas para morar na capital, passou por muitos perrengues. Ela morou em um local onde não podia usar a cozinha. “Depois achei um lugar para morar próximo à praça da Liberdade com um preço acessível, mas era a maior enrascada. O apartamento era todo improvisado. Um dos quartos era, na verdade, uma varanda que a proprietária colocou uma porta. Só cabiam uma cama e um negócio para pendurar roupa”, conta.
Em um grupo de repúblicas de Belo Horizonte, no Facebook, os estudantes postaram uma foto de um banheiro que era oferecido como quarto e com valor do aluguel. Na imagem junto com o anúncio é possível ver um colchão jogado no chão de um cômodo com azulejos de cima a baixo. Também no mesmo grupo foi postado o aluguel de um sofá-cama, mas que o morador não podia usar a cozinha da casa.
Na postagem muitos estudantes comentavam que já passaram por situações parecidas com quartos improvisados ou de não poder usar partes da casa.
Aluguel em BH x Aluguel no Brasil
13,68% foi o percentual de valorização do metro quadrado em Belo Horizonte, em abril deste ano, analisando os últimos 12 meses
No Brasil, a valorização foi de 9,36% no mesmo período
Inflação, alta demanda e recomposição de preços fazem aluguel subir
A vice-presidente das administradoras de imóveis da Câmara do Mercado Imobiliário (CMI) e do Sindicato das Empresas do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (Secovi-MG), Flávia Vieira, explica que, durante a pandemia, muitos estudantes voltaram para suas casas no interior de Minas, no entanto, com o fim das restrições e com a retomada das aulas presenciais, eles retornaram para a capital, e houve um aumento grande da demanda por aluguéis, o que fez com que os preços também aumentassem.
“Além disso, houve a alta na inflação, os preços de tudo estão subindo, tivemos a economia parada, e agora esse quadro se inverteu. Estamos vendo uma recomposição de preços em todos os setores”, destacou.
Ela enfatiza também que é importante o estudante ir conhecer o quarto antes de alugar. “Tem que se certificar se tem ventilação, se condiz com o que se procura, para não assinar um contrato e depois se arrepender”, concluiu Flávia.
Locador lucrando com aluguéis de quartos também é empecilho
Em alguns casos, os estudantes desconfiam que os locadores de repúblicas aproveitam para lucrar com os aluguéis dos quartos. “Eu percebi que uma das dificuldades aqui é que não é bem esse conceito de dividir as despesas, e o aluguel ,como em uma república, virou um comércio mesmo”, considera Karyna.
Para Sthephanye, esse problema realmente existe. “Eu pagava R$ 350 em um quarto dividido com outra menina. Nos outros quartos dormiam até três meninas. Esse valor todo ultrapassava o valor do imóvel, e, com certeza, lucros eram recebidos em cima de nós, estudantes”, lamenta.
Outro estudante, que preferiu não ter o nome revelado, contou que morou em uma república onde viviam sete rapazes e cada um pagava R$ 600 pelo aluguel. “Dava um total de R$ 4.200 por mês. Só o primeiro que alugou que tinha um quarto só para ele. Como era em uma área nobre, não sabíamos ao certo o valor do aluguel, o locador dizia que era dividido por todos, mas depois descobrimos que o aluguel do apartamento era R$ 2.800, ou seja, ele estava lucrando em cima da gente. Muita gente vai dizer: se achou caro, é só não alugar. Eu até entendo, mas a gente que vem do interior e às vezes com uma renda baixa acaba ficando refém dessas situações. Ninguém é obrigado a se sujeitar a despensa ou banheiro como quarto, mas às vezes é o que podemos pagar”, conclui.