Dados do Ministério da Saúde indicam que até 539 pessoas podem ter recebido doses da vacina contra a Covid-19 com prazos de validade vencidos em 54 municípios de Minas Gerais. As prefeituras relatam equívocos no envio das fichas ou falhas no sistema e negam o ocorrido. A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) também informa não ter identificado ocorrências desta natureza.

A diferença entre as datas de vencimento e de aplicação, de acordo com os registros, seria de até 25 dias, segundo apurou O TEMPO com base nos dados enviados por meio do sistema de informação do Plano Nacional de Imunizações (SI-PNI). As suspeitas, espalhadas por ao todo 160 municípios brasileiros, foram apontadas inicialmente em reportagem do site Metrópoles.

O problema se resume a duas remessas do imunizante Covishield (AstraZeneca/Fiocruz), mais especificamente os lotes 4120z001 e 4120z005, importados da Índia para o Brasil já com os fármacos envasados. As validades eram de seis meses a partir da fabricação, em outubro do ano passado, e expiraram nos dias 29 de março e 14 de abril, respectivamente.

Em nota, a SES-MG informou que, até o momento, não recebeu nenhuma notificação formal das prefeituras informando a possível utilização de vacinas fora do prazo de validade.

De acordo com a secretaria, pessoas que eventualmente tiverem recebido doses vencidas deverão tomar uma nova injeção. O cidadão pode verificar o número do lote e a data da aplicação no cartão de vacinação e, caso suspeite ter sido vítima do erro, deverá procurar o serviço de saúde.

“A SES-MG esclarece que a administração de vacina fora do prazo de validade é considerada inválida e orienta os municípios que registrem a ocorrência e administrem outra dose de vacina”, diz o comunicado.

Questionada pela reportagem, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), parceira da AstraZeneca no Brasil, ressaltou ter entregue os lotes com mais de dois meses de antecedência em relação aos vencimentos. A instituição confirma que o uso fora da validade pode comprometer os resultados esperados da imunização contra a Covid-19.

Prefeituras negam uso irregular e apontam erros nos registros

De acordo com os registros no sistema do Ministério da Saúde, a cidade mineira com mais aplicações suspeitas é Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, com ao todo 125 pessoas nesta situação.

Em nota, a prefeitura informou que averiguou todos os casos nas unidades onde foram realizadas essas aplicações e não identificou nenhuma dose administrada após a validade. "É importante ressaltar que todos os profissionais envolvidos no processo trabalham com extrema responsabilidade com a vida das pessoas vacinadas", diz o comunicado.

Em seguida aparece Belo Horizonte, com 80 fichas suspeitas, sendo 70 delas no Centro de Saúde Cabana, na região Oeste da capital. Questionada, a prefeitura informou ter realizado uma apuração e concluído que não houve utilização de doses vencidas no Cabana, mas, sim, um equívoco no envio dos dados de pessoas vacinadas em um posto móvel localizado no bairro homônimo.

“Foram verificados os cartões de vacinação dos usuários. O que ocorreu foi o efetivo lançamento no sistema após o prazo de vencimento. As aplicações foram feitas no dia 27 de março, data anterior à validade do imunizante. A vacinação aconteceu em um ponto de drive-thru, e o registo está vinculado ao Centro de Saúde Cabana, unidade mais próxima do local”, detalhou a PBH.

A reportagem também questionou a prefeitura da capital sobre os outros dez casos suspeitos e ainda aguarda a resposta. “Adotando o mesmo procedimento de apuração, as demais situações estão sendo averiguadas, e a Secretaria Municipal de Saúde está avaliando os cartões de vacinação dos usuários. Até o momento, não foi constatada nenhuma irregularidade nas aplicações”, informou a PBH.

Outros municípios também negaram o problema. Em nota publicada nas redes sociais após a reportagem do Metrópoles, a Prefeitura de Botelhos garantiu que as 52 doses suspeitas foram aplicadas dentro da validade. Segundo o município, as injeções do primeiro lote foram todas administradas até o dia 5 de março, e as do segundo, até 10 de fevereiro. “Fiquem tranquilos”, diz o texto.

Em Mendes Pimentel, a servidora responsável pela sala de vacinação também negou o uso de imunizantes vencidos e apontou uma falha na plataforma digital do Ministério da Saúde. Segundo ela, os lotes da AstraZeneca teriam sido registrados de forma automática e equivocada em fichas de pacientes vacinados corretamente com doses de outras remessas.

Em nota, a prefeitura de Pains informou que investigou os dois casos suspeitos na cidade e também concluiu ter havido um erro de digitação. "O caso foi informado à Superintendência Regional de Saúde, e a mesma orientou que esses registros não podem ser reeditados. A Secretaria Municipal de Saúde lamenta o ocorrido e garante que não houve duplicidade ou erro na aplicação", afirma a nota.

O TEMPO fez contato com outras prefeituras envolvidas, e esta reportagem será atualizada caso mais municípios se manifestem. O Ministério da Saúde também foi procurado para esclarecer os erros apontados em relação ao sistema digital, mas ainda não se manifestou.

Cidade paulista fará reaplicação

Levantamento do site Metrópoles havia mostrado que, até o último dia 20 de abril, a suspeita de vacinação com os lotes vencidos envolvia ao menos 1.254 doses espalhadas por 160 municípios de 23 Estados brasileiros.

Uma das cidades indentificadas pela reportagem reconheceu a aplicação após o prazo de validade. A prefeitura de Dracena (SP) admitiu os 80 casos apontados pelo site e convocou os moradores afetados para tomarem uma nova dose.

A publicação lembrou que, em Belo Horizonte, o vereador Wilsinho da Tabu (PP) havia solicitado no fim de março uma manifestação oficial da Prefeitura sobre a possível perda da carga. Ele disse ter observado "o incômodo dos usuários ao perceber frascos fechados da vacina com a validade próxima de expirar”. Ainda não houve resposta, mas o prazo só termina na semana que vem.

O Metrópoles ressaltou também que a Fiocruz obteve a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar as doses ainda no dia 31 de dezembro de 2020. Duas semanas depois, o Ministério da Saúde anunciou o voo que buscaria a carga, mas a viagem foi cancelada após um atrito com o governo da Índia por conta de um adesivo colocado na aeronave pela equipe de marketing da gestão federal. As remessas só chegaram ao Brasil no dia 22 de janeiro.