A crise hídrica que afeta Minas Gerais já causa restrição de captação de água em parte do Estado. Neste mês, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) prorrogou uma portaria em que limita a captação de água para indústrias, irrigação e consumo humano na área da Bacia do Rio Suaçuí Grande, no Vale do Rio Doce.
Indústrias e a própria Copasa terão de manter a captação em baixa pelo menos até o dia 15 de outubro em alguns dos cursos d’água da região. O volume captado diariamente deverá ser 20% menor para consumo humano, animal e abastecimento público, 25% menor para irrigação e 30% menor para uso industrial.
A Cenibra, empresa de celulose com outorga para captação de água em pontos do rio Suaçuí, afirma que seu planejamento já conta com a estiagem na região. “No período mais seco, a empresa retira suas operações de regiões que dependem mais do uso da água, porque o mais importante é a hidratação humana e animal. Nesse período, fazemos operações em regiões onde não há escassez hídrica”, afirma Jacinto Lana, coordenador de Meio Ambiente da empresa. Segundo ele, a água é usada especialmente para irrigar as estradas por onde passam os caminhões que transportam as madeiras usadas pela empresa.
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Mesmo sob ameaça, segundo prefeitos do entorno, a distribuição de água para os cidadãos está normalizada. “Ainda não tivemos reclamação de falta de água, mas sim sobre a qualidade de água, que vinha chegando mais suja, porque a captação, com níveis baixos, tem mais sedimentos. Se não chover, já, já devemos ter racionamento”, pontua o prefeito de São Pedro do Suaçuí, Euzébio de Souza (Avante).
O prefeito de São João Evangelista, Hércules Procópio (PP) relembra que a cidade já passou por racionamento em 2019 e, agora, teme um novo momento de falta d’água. “A cidade cresceu muito nos últimos anos e a periferia não é bem atendida pelo abastecimento. Se fosse, talvez até já estivéssemos com restrições de água”, pontua.
O Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) tem uma unidade no município e autorização para captar água direto de um rio, por exemplo. Como a maior parte das aulas presenciais não retornou, segundo o prefeito, a situação ainda não foi agravada.
De acordo com Flamínio Guerra, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, o rio Suaçuí sempre sofre muito nos períodos secos, mas a situação vem se agravando ano a ano desde 2014. “É uma bacia muito impactada no período seco, com pastagens e regiões mais áridas. Alguns locais da região estão em processo de desertificação”, afirma. Segundo ele, os comitês vêm trabalhando para recuperação de nascentes, intervenções em áreas degradadas e parceria com os municípios para aumentar a oferta de matas ciliares. “É um trabalho feito para ter resultados a médio prazo”, conclui.
Questionada pela reportagem, a Copasa afirmou, por meio de nota, "que, na região, apesar da situação crítica de estiagem, não há ocorrência de desabastecimento nos municípios que operam nessa bacia - São João Evangelista, Paulistas, Rio Vermelho, São Pedro do Suaçuí e Materlândia. A captação das Copasa nos municípios tem como única finalidade o abastecimento público, que é priorizado pela legislação". O Igam não deu mais detalhes sobre o impacto da restrição de captação até a finalização desta matéria.
Crise hídrica prolongada afeta agropecuária e indústria
Segundo informações publicadas no site da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), a bacia é a única que se encontra em estado de restrição, atualmente. Já estações da Bacia do São Francisco, do rio Doce e do rio Mucuri estão em estado de alerta, que antecede a restrição. A reportagem questionou o Igam sobre a chance de as regiões abastecidas pelas bacias sofrerem restrições de captação ou racionamento de água e aguarda retorno.
“Quem é usuário dessas bacias precisa se preparar, porque o próximo passo é a restrição, então é necessário ter medidas de atenção”, pondera o engenheiro agrônomo e analista ambiental da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Guilherme Oliveira.
Ele explica que a irrigação com água diretamente de cursos d’água não é habitual na região do Suaçuí, portanto a restrição de captação de água na área pode não ter impactos relevantes sobre a maioria dos produtores. Ainda assim, uma crise hídrica prolongada pode trazer consequências significativas para a agropecuária no Estado, lembra.
“Na medida em que a crise se prolonga, o plantio das safras atrasa, porque o agricultor espera a chuva para preparar o solo e isso pode deixar o período de safra mais curto no ano seguinte também. Com a crise hídrica, os custos com a energia sobem muito, e os insumos, na pandemia, já estão caros, com a inflação. Produziremos menos e o produtor arcará com custos maiores e produtividade menor”, completa.
O presidente do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Mário Campos, destaca que a diminuição da captação de água impacta especialmente indústrias de alimentos e bebidas, e reforça a necessidade de estratégias alternativas para utilização de água no setor industrial.
“É preciso pensar formas de reuso da água e realizar um balanço hídrico para saber onde pode haver processos de melhoria. A crise hídrica aumentou o preço da energia e leva a um movimento, que já vinha acontecendo, de diversificar fontes de energia, como a auto produção nas indústrias”, conclui.