Com atrações que passam por belezas naturais, cânions, cachoeiras e lago conhecido como “Mar de Minas”, a atividade turística em Capitólio, no Sul de Minas, ganhou força há cerca de dez anos. Ainda assim, um decreto com normas mais rígidas para a navegação no local foi editado pela prefeitura apenas em 2019. A Marinha, responsável pelo ordenamento marítimo, teve uma base instalada na região há pouco mais de dois anos, segundo empresários. E questionamentos sobre a estabilidade das rochas, principalmente no período chuvoso, despertaram a atenção do poder público apenas após a tragédia do último sábado, que matou dez pessoas.

O prefeito Cristiano Geraldo da Silva (PP) chegou a descartar qualquer erro dos pilotos das lanchas atingidas pelas rochas e enfatizou que o município prepara um plano para garantir a segurança geológica dos paredões, sem data para ser finalizado. Ele acrescentou que não havia superlotação nas embarcações: “Foi uma fatalidade. A Marinha faz essa fiscalização, e as lanchas têm a documentação”.

Procurada, a prefeitura não se pronunciou sobre como acontecia a fiscalização das normas do decreto, que não faz referência à necessidade de análise geológica para a liberação dos barcos (veja mais informações abaixo). O documento proíbe o som alto, apontado por testemunhas como uma das causas para os pilotos não terem ouvido os alertas de queda das rochas.

Presença da Marinha

A situação era pior antes de as regras terem sido editadas e da presença da Marinha na região, com a base em São José da Barra, município vizinho a Capitólio, segundo o proprietário da empresa de mergulho ScubaMinas, Roberto Obvioslo, que atuou nas buscas pelos corpos. “Nos cânions, ficavam muitos barcos parados praticamente o dia todo. Se essa tragédia acontecesse há uns anos, seria muito pior. Antes, eles encostavam a lancha, jogavam a âncora e ficavam o dia inteiro”, disse. 

Segundo ele, a distância de militares da Marinha, cuja unidade mais próxima era em Santos (SP), dificultava a fiscalização. “Com o ‘boom’ do turismo, começou a vir muita gente. Capitólio até tentou organizar, mas só melhorou com a chegada da corporação. Aqui tinha muito mais barcos particulares que de passeio, e não era verificado se a pessoa tinha habilitação”, afirmou. 

Paulo César Santos, vice-presidente da Associação dos Prestadores de Serviços Turísticos de Capitólio e Região, garantiu que pilotos e embarcações cumprem a legislação. “Logo que houver o laudo por parte dos profissionais, os passeios de lancha serão retomados. Acredito que eles vão continuar com segurança”, disse ele, que é empresário do ramo náutico. 

Já o dono de uma empresa que promove passeios nas cachoeiras da região criticou a falta de fiscalização da Marinha. Segundo ele, muitas pessoas não usam coletes e ocorrem momentos com congestionamentos de lanchas, o que obriga muitos condutores a voltarem de ré. Outra denúncia é que embarcações superlotadas se transformavam em “boates” – com sol alto –, disse ele, sob anonimato. 

País tem mais de 40 normas técnicas ligadas à segurança no turismo

Informalidade e falta de conhecimento das regras do turismo de natureza estão ligadas ao aumento observado, nos últimos anos, nos acidentes no setor, segundo o diretor executivo da Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura, Luiz Del Vigna. Cerca de 1.500 empresas registradas no ministério operam no segmento, mas há “quantidade expressa de força econômica informal”, disse.

“O Brasil dispõe de 42 normas técnicas ligadas à segurança do turismo de aventura. É necessário ter um ordenamento”, defendeu.

Risco geológico no local será avaliado, informa governo 

Dias após o desastre na cidade de Capitólio, o Ministério do Turismo se reuniu com secretários de Estado e dirigentes para discutir maneiras de aumentar a segurança do turismo náutico. Em reunião virtual, o governo prometeu oferecer curso gratuito para a capacitação de condutores e a formalização de operadores turísticos, além da inclusão dos profissionais no cadastro oficial de prestadores de serviços, o Cadastur, da pasta. 

O ministro Gilson Lemes disse que vai solicitar estudos geológicos para prevenir acidentes na região de Capitólio. “Nós temos espaço para, juntos, promovermos maior formalização do nosso setor, trazendo mais segurança para turistas e profissionais da área”, enfatizou durante a realização do encontro. 

Estado

Já o governo de Minas Gerais informou que as atividades turísticas seguem suspensas no lago de Furnas, por tempo indeterminado, e que será realizada avaliação de risco geológico na área. 

“Uma série de medidas de segurança foi adotada pelas autoridades competentes, e a Secult (Secretaria de Estado de Cultura) está em contato constante com a Prefeitura de Capitólio e os demais órgãos envolvidos”, informou o governo. 

A Polícia Civil e a Marinha investigam o caso. A corporação lembrou que existe regulamentação municipal na região de Capitólio e que “não há mais informações a acrescentar” por enquanto.

Por conta do recesso parlamentar, ainda não está prevista a votação de nenhum projeto de lei com regras mais rígidas para o setor em níveis estadual e federal.

 

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