Mais acesso a oportunidades de trabalho e melhores condições de vida. De acordo com um estudo feito com parceria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e publicado no “The Lancet Regional Health”, esses são alguns dos fatores que refletem diretamente na diminuição das taxas de homicídio nas cidades. Somente em Minas Gerais, 2.355 pessoas foram mortas de janeiro a novembro do ano passado. Em todo o ano de 2022, foram 2.495, de acordo com os dados da Secretaria de Estado e Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
A pesquisa, feita em 315 áreas urbanas de países da América Latina, inclusive no Brasil, mostra que, quanto mais alto o Produto Interno Bruto (PIB), menos pessoas são mortas violentamente, revelando uma ligação direta entre falta de oportunidade e alta de crimes. Especialistas de diversas áreas corroboram o estudo: a ausência de uma boa estrutura, de educação e de escuta especializada pode ter um efeito alarmante, principalmente na vida dos jovens.
O estudo, que integra o Projeto Saúde Urbana na América Latina (Salurbal), revela que a violência é responsável por mais de 1,3 milhão de mortes em todo o mundo. Porém, em 2022, 37% de todos os homicídios do planeta foram cometidos na América Latina, embora a região represente somente 8% da população mundial. Além disso, a média de homicídios entre jovens e jovens adultos em países da América Latina chega a 76 a cada 100 mil habitantes, enquanto a média em países europeus é de 3,8/100 mil.
“Podemos concluir que políticas públicas voltadas para segurança, educação, saúde e geração de renda podem ter um impacto importante na diminuição dos homicídios. É preciso começar pelo básico, pela educação, pela manutenção dos jovens nas escolas. Depois, é necessário dar a eles oportunidade e capacitação para o mercado de trabalho”, destaca Amélia Lima, primeira autora do estudo e professora da UFMG.
Análise
Especialista em segurança, Arnaldo Conde ressalta que essa falta de oportunidade leva à diminuição de escolhas na vida dos jovens. Conforme ele analisa, a violência não pode ser ligada, diretamente, a condições econômicas: não quer dizer que pobres ou ricos tendem a ser mais ou menos agressivos ou criminosos. Porém, a falta de estrutura diminui as possibilidades das pessoas. No Brasil, um dos resultados, por exemplo, será a “construção de uma carreira” no tráfico de drogas.
“No Brasil, se mata muito por motivos fúteis, sem justificativa. Isso é também porque há uma base desassistida. Quando se fala de uma sociedade estruturada, de educação, não é simplesmente ter escolas. É preciso dar amparo, condições de transporte, de habitação para essas pessoas”, afirma ele.
Violência revela falta
Professor de psicologia da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (Faseh), Daniel Silva ressalta que a violência, muitas vezes, expressa alguma necessidade não atendida. Essa necessidade pode ser em diferentes frentes: reconhecimento, empatia, cuidado, entre outras. Para supri-las, é necessário saber, de fato, olhar para as pessoas que as sentem, o que nem sempre acontece.
“É necessário haver uma educação que dê conta de reconhecer as necessidades das pessoas. Quando se consegue acessar isso, é possível promover mudanças. É possível fazer com que essas necessidades não sejam atendidas pela violência”, avalia Silva.
Conforme o professor, é muito importante reconhecer o lugar das pessoas na sociedade, dando espaço para que elas se desenvolvam. “A gente consegue ouvir os jovens, saber, de fato, a realidade em que eles vivem e o que experimentam? Como eles vão desenvolver uma linguagem se a gente não oportuniza espaço de fala para eles, de pertencimento?”, questiona o professor.
Problema antigo
Um fenômeno complexo e multifacetado. Para Daniela Mateus, professora de ciência política e relações internacionais da Una, assim pode ser vista a violência nas grandes cidades, principalmente na América Latina. No Brasil, diz ela, as raízes são profundas, firmadas ainda no período colonial.
“A falta de investimentos na educação é histórica no Brasil. Precisamos ter educação para fortalecer os grupos sociais, pois ela é um instrumento de empoderamento, de inclusão, que faz com que as pessoas evitem procurar outros meios de sobrevivência. Os homicídios têm relação com questões sociais, culturais, com raízes profundas no nosso passado”, afirma ela.
Além disso, Daniela lembra que no Brasil ainda há uma epidemia de feminicídios, e muitas mulheres são mortas apenas por causa do gênero. “Há toda uma cultura machista, patriarcal. É preciso saber lidar com a diversidade em várias esferas. Os homicídios no Brasil, muitas vezes, têm classe social, cor e gênero. Precisamos de políticas para modificar isso”, afirma.
Ana (nome fictício a pedido da fonte) conta conhecer de perto o que a falta de oportunidades pode fazer para uma pessoa. Ela viu o irmão ser preso por furto e diz que, muitas vezes, temeu que ele cometesse crimes ainda mais graves.
“Ele saiu da cadeia, hoje é uma nova pessoa, mas tive medo de ele se envolver mais ainda com a criminalidade, de tirar a vida de alguém. Nós nunca tivemos oportunidades, não conseguimos estudar direito porque era muito filho pra pouco dinheiro e pouco tempo para cuidarem de nós. Nada justifica, mas creio que, se tivéssemos sido amparados, as coisas seriam diferentes. Quando crianças, não conseguíamos sonhar com uma vida melhor por não acreditar que ela existia e passamos a achar que, por isso, a vida não tinha tanto valor”, desabafa.