Os integrantes da comunidade trans têm uma expectativa de vida de 35 anos no Brasil, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), enquanto a população em geral ultrapassa os 75 anos. O que para algumas pessoas é apenas um dado seco e distante, para Bruna da Silva Rocha, hoje com 44 anos, soa como praticamente uma “sentença de morte”. Assombrada pelo indicador de vida curta, a mineira de Juiz de Fora, na Zona da Mata, abandonou a escola no ensino médio e passou a se prostituir.

“Eu não via sentido em me programar para um futuro que não existiria para mim enquanto mulher travesti que sou”, lembra. Esse pensamento mudou quando ela encontrou apoio para estudar, empreender e seguir por uma jornada em que todos se dão as mãos na luta não só pela sobrevivência, mas pela existência plena em oportunidades. 
 
A inclusão de pessoas deixadas à margem da sociedade é uma das tantas apostas do empreendedorismo social, que emprega milhares de pessoas em Minas Gerais. O papel dessa modalidade de negócios para alavancar outros empreendimentos é o tema da série de reportagens Ninguém solta a mão, que tem início na edição de hoje. 

De 2015 a 2019, o governo federal quantificou no Estado 71.881 associados aos empreendimentos desse perfil por meio do Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários (Cadsol). Essa ferramenta de contagem dos negócios foi descontinuada desde então. 

“É uma tendência mundial essa busca dos empreendedores de causarem impactos sociais e ambientais positivos. A lógica é: entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois”, diz o coordenador do Centro de Empreendedorismo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Edgard Barki. 

A Todx, startup social, é um desses negócios. Com foco em alavancar empreendimentos de pessoas da comunidade LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, travestis, queers, intersexuais e assexuais, entre outros) por meio de aportes financeiros e capacitação, ela tem gerando oportunidade de sobrevivência da forma mais literal possível para uma parcela da população. “A expectativa de vida baixa entre trans é reflexo de uma falta de oportunidades, que abrem portas para várias violências. O empreendedorismo pode ser uma ferramenta de sobrevivência”, afirma o codiretor executivo da startup, Gabriel Romão.

Foi a Todx que “estendeu a mão” para Bruna, quando ela ainda tentava buscar alternativas. “Morando em uma cidade do interior, eu não conseguia trabalho. Fiquei sem esperanças, fui morar na Europa, me aproximei de movimentos sociais e consegui ver que eu poderia lutar para viver mais que 30 anos. Voltei para o Brasil, me formei no ensino médio, com 26 anos, e a Todx investiu no meu negócio”, conta. Ela ganhou R$ 3.000 em um edital da startup, montou uma “feijoadoria” e hoje faz eventos em Juiz de Fora e cria oportunidades para outras pessoas da comunidade LGBT. “Esse tipo de negócio cobre uma lacuna onde o Estado não encontra solução”, afirma. 

Para o analista do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais (Sebrae Minas), Evandro Carmo, o que ocorre é uma mudança de paradigmas no mercado. “Existe um pacto global com a Organização das Nações Unidas (ONU) de alcance de metas de desenvolvimento sustentável. Entram aqui vários objetivos que incluem erradicação da pobreza, redução da desigualdade social, busca pela igualdade de gênero, entre outros. Os consumidores estão mais atentos às visões das empresas, e o mercado cria negócios que resolvam problemas sociais”, diz. 
Em alguns casos, o empreendedor tenta resolver uma questão que também o atravessa. A psicóloga Priscila Siqueira, por exemplo, é lésbica, pessoa com deficiência (PcD) e sentia dificuldade de pertencimento nos espaços por onde passava. “Quando eu frequentava espaços LGBT, não me sentia acolhida. Eram espaços inacessíveis e eu era a única PcD”, conta. 

Com apoio da Todx, ela criou o Vale PCD em 2020 e passou a ofertar consultoria e apoio a empresários e profissionais, com foco na adaptação de espaços em empresas e áreas de eventos. O negócio também tem um programa de psicoterapia. “Com o Vale PcD, já conseguimos empregar algumas pessoas com a divulgação de vagas. Já tivemos casos de pessoas que chegaram a pensar em desistir da vida e agora estão bem, e é muito gratificante”, conta.