Após o Instituto Estadual de Florestas (IEF) propor a criação da zona de amortecimento (ZA) do Parque Florestal Estadual (PFE) da Baleia, na região Leste de Belo Horizonte, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) e a Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI-MG) decidiram propor uma redução de quase 80% desta área, excluindo toda a região que faz parte da serra do Curral. Na prática, isso significa que apenas 20% do local proposto como de alta relevância ambiental ficaria protegido, com impedimentos para implantação de empreendimentos. O trecho onde a Tamisa tenta minerar, por exemplo, estaria fora da zona protegida.
A definição sobre o Plano de Manejo do parque acontece na tarde desta terça-feira (24), durante reunião da Câmara de Proteção à Biodiversidade e de Áreas Protegidas (CPB) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). As entidades representativas da indústria e do mercado imobiliário, que têm interesse na área entre Belo Horizonte e Nova Lima, pedem a exclusão de 2.693 hectares da ZA, retirando especificamente uma grande região da serra do Curral. Na área que a Fiemg e a CMI-MG pretendem retirar do amortecimento, está localizado, inclusive, o empreendimento minerário da Tamisa, que, desde o ano passado, é alvo de uma verdadeira batalha judicial.
Uma zona de amortecimento é uma área no entorno de uma unidade de conservação (UC) que possui normas e restrições específicas para as atividades humanas, com o objetivo de reduzir os impactos na área preservada.
No Plano de Manejo apresentado, o IEF explica que a área de 3.420 hectares visa preservar a recarga dos aquíferos da região do parque; proteger a mata da Baleia; e proteger espécies da fauna e flora presentes no paque da Baleia, "principalmente, as raras, endêmicas e ameaçadas de extinção, como a onça parda".
Além disso, a ZA também tem o objetivo de resguardar um trecho da serra do Curral que tem o formato de uma Baleia, o que deu o nome ao parque, fundado em 1932 e que completa 91 anos de criação na próxima sexta-feira (27). Na proposta das entidades, essa zona de amortecimento cairia para 727,95 hectares (VEJA A FOTO).
Impactos ambientais
Para além da preservação da PFE da Baleia, a área que pode ser excluída da zona de amortecimento chega até a região onde há um importante local que garante o abastecimento de água para grande parte da população de Belo Horizonte. É o que explica o engenheiro ambiental e um dos idealizadores do movimento “Tire o Pé da Minha Serra”, que luta pela preservação da serra do Curral, Felipe Gomes.
"Trata-se de uma importante área verde localizada em uma região de grande pressão, tanto da especulação imobiliária quanto das mineradoras. Está no coração de um grande remanescente de Mata Atlântica, composto por diversos parques: Parque das Mangabeiras, Parque do Paredão da serra do Curral, Parque Fort Lauderdale, a Mata do Jambreiro e várias outras. Com a zona de amortecimento, se formaria um corredor ecológico que chega até a Estação Ecológica de Fechos, onde temos a captação de água que abastece cerca de 300 mil pessoas em BH", argumenta o ambientalista.
Ainda segundo ele, nesta área biólogos já constataram a circulação da onça parda, espécie que é considerada pelo Ibama como ameaçada de extinção. "Quando temos animais do topo da cadeia alimentar, quer dizer que temos toda uma complexidade de vida animal e vegetal naquele ambiente, o que propicia tal existência", afirma Gomes.
Para o engenheiro ambiental, essa não é a primeira vez que a Fiemg e a CMI-MG trabalham para reduzir de forma drástica, e "sem nenhum estudo", a zona de amortecimento. "Por isso, convocamos a população a estar presente na reunião, que acontece às 14h e será transmitida no YouTube da Semad. A área da Tamisa está dentro dessa zona de amortecimento, e é importante lembrar que a Fiemg votou favorável à concessão da licença ambiental para essa mineradora destruir a serra Curral", completou Gomes.
Proposta não tem relação com mineradora, diz Fiemg
Questionada pela reportagem de O TEMPO, a Fiemg argumentou que não está pedindo a redução da zona de amortecimento, uma vez que o PFE da Baleia "atualmente não possui zona de amortecimento". "O que será votado hoje é o Plano de Manejo do Parque Estadual da Baleia, elaborado pela consultoria Arcadis, e que contém uma proposta de zona de amortecimento 30 vezes maior do que a área do parque e baseada em poucos critérios técnicos" diz a federação.
A Fiemg afirma ainda que a proposta apresentada pelo IEF possui "fragilidades" e que, por isso, foi elaborada a proposta alternativa junto da CMI-MG, tendo como base "exclusivamente critérios técnicos".
"A proposta elaborada por Fiemg e CMI não possui qualquer relação com o empreendimento da Tamisa, uma vez que, como dito, foi baseada em critérios estritamente técnicos. Além disso, o fato da área da Tamisa não estar inserida nos limites da futura zona de amortecimento não muda nada em relação ao seu licenciamento ambiental, uma vez que continuará necessitando de autorização do IEF, nos termos do Decreto Estadual 47.941/2020, pois se encontra no interior da APASUL-RMBH e na zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça", finaliza a entidade.
A Tamisa também foi procurada, mas ainda não se manifestou.
Confira abaixo o posicionamento completo da CMI-MG:
"Primeiro é importante esclarecer que não há zona de amortecimento estabelecida: está em discussão somente uma proposta de zona de amortecimento a ser estabelecida conforme o que for decidido pela CPB do COPAM. Dentro dessa linha, estamos trabalhando como trabalhamos todos os outros planos de manejo na CPB: conforme a técnica, e com foco no respeito às administrações municipais e ao desenvolvimento regional. No caso, as recomendações dos órgãos federais para delimitação de zonas de amortecimento colocam como delimitadores preferenciais os divisores de água (altos de serra) e os córregos ou rios, que foi o que observamos no nosso parecer de vista.
Não fosse esse o caso, ainda haveria incompatibilidade da proposta do IEF com os planos diretores dos municípios de Nova Lima e Sabará. Porém, dado que pelos critérios dos órgãos ambientais federais esses territórios ficam fora da zona de amortecimento esses aspectos não foram tratados no nosso parecer.
Quanto a novos empreendimentos em proposição nesse território, desconhecemos. O projeto que poderia ter alguma interferência com essa zona de amortecimento seria o da TAMISA. Mas este projeto já foi licenciado como estando dentro de uma zona de amortecimento, com todo o rito decorrente, então pra ele também qualquer definição dessa zona de amortecimento é irrelevante".
Reunião suspensa
A reunião que trataria o assunto acabou sendo suspensa, conforme explicou Gomes, do movimento “Tira o Pé da Minha Serra”. “Conseguimos fazer boa movimentação popular. Noventa pessoas se inscreveram para falar e, por conta disso, houve a suspensão. O reagendamento acontecerá e uma data será apresentada. Não chegou a ter decisão”, disse.
Gomes explicou que há um limite de duração da reunião e que, se todos os inscritos falassem, chegaria a sete horas de duração. “É uma pequena vitória, pois ter a suspensão, graças à participação popular, é inédito".
A reunião desta terça aconteceu no formato online e, agora, o movimento vai pedir para que aconteça presencialmente para garantir a participação de todos. “Estão fechando o chat do YouTube e até mesmo no Zoom. Impedem a comunicação interna. Que medo é este que tem da população? Vamos ter uma mobilização grande para pressionar. Queremos as reuniões como antes, que tenham locais físicos”
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) foi procurada por O TEMPO e confirmou, por nota, que as discussões previstas para acontecer nesta terça acabaram suspensas "devido à complexidade do tema, que exige análise mais detalhada dos conselheiros".
"Uma nova reunião ainda será marcada para discutir apenas o Plano de Manejo do Parque Estadual Mata da Baleia", acrescentou a pasta.
Matéria atualizada às 08h49 do dia 25 de janeiro de 2023