"Você disse que o meu filho é um monstro, mas, muito em breve, você vai ver este monstro no altar de Deus, pregando a palavra de Deus". Assim a mãe do traficante Sildirley Silva Acácio Machado, mais conhecido como "Di" e que seria considerado um dos maiores traficantes de Minas Gerais, respondeu à parte das acusações feitas pela ex-nora contra o seu filho nas redes sociais. No último dia 21 de junho, Katlyn Oliveira, de 29 anos, foi executada com um tiro na nuca em Sabará, na região metropolitana de BH. No dia do crime, sua amiga e cabelereira também acabou morta, e sua filha com o criminoso, Evellyn Jasmin, de 8 anos, foi raptada e segue desaparecida.

As postagens com denúncias de Katlyn contra o ex-companheiro começaram a ser feitas em abril de 2022, após o atual marido da mulher ser executado na frente dela e de um filho de 1 ano, também em Sabará. Segundo ela, o crime teria sido cometido a mando de "Di" por comparsas dele da região do bairro Estrela Dalva, em Contagem, também na Grande BH, de onde ele seria um dos "patrões".

A mulher assassinada na última semana apontava que os suspeitos, em especial um homem que seria conhecido como "Max" e outro como "TH", teriam participado ativamente da execução de seu marido e alegado para ela que isso ocorreu a mando de "Di". O criminoso não estaria aceitando que ela se relacionasse com outro homem, o que seria "a lei da quebrada", apesar dele e a mulher já terem se divorciado oficialmente e ela ter mensagens em que o traficante dizia que ela poderia viver sua vida sem medo.

Em umas dessas postagens, depois de chamar Sildirley de "monstro", Katlyn foi respondida pela mulher que seria mãe do homem, identificada apenas como "Dona Cida" e que, nos últimos dias, foi alvo de buscas da Polícia Civil, que acreditaria que ela poderia estar com a neta raptada no dia do duplo homicídio.

"Desde o dia que conheci o senhor Jesus Cristo eu não luto só pelos meus filhos, mas por todos vocês. E você sabe disso, que sou uma mulher de oração, jejum e voto no altar. E um dia vou ver todos servindo este meu Deus, assim o meu sonho será realizado", escreveu a mulher após dizer que, um dia, seu filho pregaria a palavra de Deus. 

Em outra postagem, Katlyn também publicou uma carta enviada pelo ex-companheiro em que ele supostamente autoriza ela a ter outros relacionamentos. No texto, ele pede que ela leia alguns versículos bíblicos que falam sobre prostituição e sodomia e outro que trata sobre o casamento e a separação.

"Leia esses dois capítulos e versículos. É muito importante, os dois falam para você e de você", disse "Di" na carta enviada para a mulher assassinada, antes de pedir que ela assine o divórcio. "Estou precisando dele, se você me ajudar, eu vou continuar lutando por você", afirmou o homem no texto.

Ameaças contra a população

Em uma outra postagem feita pela mulher executada, ela compartilhou reproduções de mensagens que traziam, inclusive, ameaças contra a população do bairro Estrela Dalva, que é chamada de "Família Estrela" pelo autor da mensagem.

"Estamos observando as pessoas conhecidas aí da região curtindo essa louca (Katlyn) postando calúnias. Só que esqueceram que a moeda tem dois lados, e a verdade sempre vem à tona. Estamos anotando o nome de quem está curtindo e depois vamos perguntar porque curtiu. Achou bonito?", diz o texto.

Em outra parte das denúncias, Katlyn grava áudios enquanto mostra mensagens trocadas com o ex-marido. "Quanto mais você se aprofundar, mais eu vou me aprofundar. Só que você não deve se esquecer de uma coisa: seu passado te condena. E não é pouco! Tem tantas coisas ocultas aí por trás desse vulgo 'Presidente'", disse a mulher em uma das mensagens, após afirmar que teria ficado com o celular do traficante quando ele foi preso.

Para além do bairro Estrela Dalva, ainda segundo as denúncias feitas por Katlyn nas redes, o seu ex-marido também comandaria o tráfico de drogas de outros bairros da região e, até mesmo, de um bairro de Itaúna, na região Centro-Oeste de Minas Gerais. A cidade, de pouco mais de 90 mil habitantes, é onde também fica o escritório do advogado que representa "Di". Em outro áudio, a mulher chega a afirmar que já chegou a "levar droga" para o homem até o bairro que ele comandaria na cidade do interior.

Segurança máxima?

Preso desde 2017, após ser alvo de uma operação da Polícia Civil em que foi apresentado como o "maior traficante de Minas Gerais", "Di" está detido no Presídio de Segurança Máxima de Francisco Sá, no Norte de Minas, o único com este nível de segurança no Estado.

Apesar disso, ao longo dos últimos anos, ele demonstrou não ter dificuldades para obter celulares e, até mesmo, fazer chamadas de vídeo para fazer "sexo virtual" com duas mulheres ao mesmo tempo, como mostra uma das denúncias divulgadas por Katlyn, que publicou inclusive uma imagem do momento em que o seu ex-marido e ela faziam uma chamada de vídeo.

O "sexo" pelo celular aconteceu cerca de um ano após Sildirley ser um dos alvos da operação Trojan, desencadeada em agosto de 2021 e que mirou um esquema criminoso que envolvia detentos, três policiais penais e até mesmo advogados. A quadrilha se utilizava dos servidores e da prerrogativa dos advogados para levar para dentro do presídio de Francisco Sá drogas e celulares.

No processo, "Di" acabou condenado a outros 9 anos de prisão e, segundo a decisão da Justiça, ele já teria sido preso antes pelo mesmo motivo, o que agravou a sua pena. "A conduta dos increpados foi decisiva para o sequenciamento de inúmeros crimes intra e extramuros, sobretudo relacionados ao comando do tráfico de drogas e crimes de sangue", escreveu o juiz responsável pela condenação.

No texto, o TJMG ainda deixa claro que, por conta do suborno de servidores públicos, "Di" e outros presos conseguiam, inclusive, transitar livremente dentro da unidade prisional, algo inaceitável por se tratar de uma unidade de segurança máxima.

Apesar da nova condenação, isso não foi o suficiente para que o traficante parasse de cometer infrações na unidade prisional. Isso porque no último dia 23 de junho, depois que Katlyn já havia sido morta e sua filha raptada, Sildirley voltou a ter uma nova ação criminal ajuizada na Justiça, desta vez pela prática de tráfico de drogas dentro da unidade prisional.

A reportagem de O TEMPO procurou a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre as reincidências do suspeito, que pode ter ordenado um duplo homicídio de dentro do presídio de segurança máxima do Estado, mas, até a publicação dessa matéria, a pasta ainda não havia se posicionado.

Apreensão de ceulares

Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) informou que na última quinta-feira (22) foram apreendidos três celulares no pavilhão em que Sildirley está detido. O caso ocorreu durante um procedimento de revista geral. 

Com relação aos mecanismos de segurança, o governo informou que "a Penitenciária de Francisco Sá é uma unidade de alta segurança em razão de procedimentos diferenciados aplicados em sua rotina. Entre os que podem ser citados, por questões de resguardo de informações, está o fato de os presos não terem banho de sol coletivo no local".

"A unidade utiliza de diferentes equipamentos de segurança, como banqueta de raio-x, aparelhos de raio-x, bodyscan e drones para monitoramento externo, com o objetivo de coibir a entrada de celulares e ilícitos. São realizados, ainda, revistas e procedimentos de segurança com o mesmo intuito. A unidade não conta com bloqueador de celular", completou a nota. 

Questionada sobre uma eventual transferência de Sildirley para uma unidade prisional federal, a Sejusp infomrou que os pedidos "partem de decisões judiciais". "A Sejups, por meio do Depen-MG, esclarece que está sempre trabalhando em colaboração com as forças policiais para o compartilhamento de informações, em prol da segurança pública", completou.

Advogado nega que cliente seja do PCC

Por meio de uma nota enviada à imprensa, Mauro Abreu, que é o advogado que representa o ex-companheiro de Ketlyn, posicionou-se por nota e alegou que o seu cliente nega qualquer envolvimento no desaparecimento da filha e nas mortes da ex-companheira e da cabeleira encontrada em um carro em Contagem.

O texto negou ainda que "Di" seria integrante do PCC. "O pai da criança e os seus advogados esclarecem, ainda, que àquele não possui nenhuma condenação criminal por envolvimento com qualquer organização criminosa, como vem sendo noticiado", argumentou o advogado.

Leia a nota na íntegra:

"Nos últimos dias foram noticiadas nos veículos de comunicação, informações e notícias envolvendo o caso da pequena Evellyn Jasmin, que se encontra desaparecida.

A Defesa técnica que representa o pai da criança, ora apontado como suspeito, esclarece que ainda não teve acesso amplo às investigações comandadas pela Polícia Civil, as quais se encontram em sigilo.

Todavia, o pai da pequena Evellyn nega veemente qualquer envolvimento no desaparecimento de sua filha e bem como nas mortes, que vitimaram Katlyn, mãe de seus filhos e a senhora Ana Raquel, cabelereira.

O pai da criança e os seus advogados esclarecem, ainda, que àquele não possui nenhuma condenação criminal por envolvimento com qualquer organização criminosa, como vem sendo noticiado, e estão compromissados em auxiliar nos trabalhos da Polícia Civil e bem como na elucidação do caso.

Confiamos no profissionalismo e no brilhante trabalho que é desenvolvido pela Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, em especial, pela Delegacia de Homicídios de SabaráMG, e esperamos a apuração da verdade dos fatos e que a criança seja encontrada o mais rápido possível.

Por fim, a Defesa manifesta a sua solidariedade com as famílias enlutadas.

Equipe Mauro Abreu, Advocacia Especializada"

Entenda o caso

Ana Raquel era proprietária de um salão de beleza em Sabará e atendia a cliente e amiga Katlyn Lorrayne Oliveira, de 29 anos, quando o estabelecimento foi invadido, na quinta-feira (22). Ainda não se sabe quantas pessoas estão envolvidas no crime, mas, segundo as investigações, o salão foi encontrado revirado e havia marcas de sangue no chão. 

Imagens de câmeras de segurança registraram o momento em que Katlyn tentou fugir, mas acabou alvejada por um tiro na nuca. O disparo foi feito por um homem armado, que estava dentro de um carro. 

Tanto Ana Raquel quanto a menina de oito anos foram raptadas, mas, até o momento, apenas a cabeleireira foi localizada, já sem vida. O corpo dela foi encontrado na sexta-feita (23) em um carro abandonado na BR-040, no bairro Morada Nova, em Contagem, também na região metropolitana de Belo Horizonte.

Segundo a Polícia Militar, agentes da corporação passavam pelo local quando se depararam com o veículo parado. Por ser um local ermo, os policiais fizeram a vistoria e viram que o automóvel estava trancado. Um corpo, entretanto, estava no banco de trás, de bruços. Os militares quebraram o vidro para ter acesso à vítima, que apresentava sangramento na cabeça e sinais de violência.

A confirmação de que o corpo era de Ana Raquel foi dada por Daniele Cristine, de 23 anos, cunhada da vítima. “O corpo é da Ana Raquel mesmo. Uma tristeza total. Todos nós estamos em choque, sem acreditar no que aconteceu. A ficha ainda não caiu", finaliza.