Educação

Federal de Uberlândia apura suposta fraude em cotas raciais  

Dois casos são investigados e motivaram abertura de comissão para verificar autodeclaração de alunos

Por Letícia Fontes
Publicado em 25 de outubro de 2016 | 03:00
 
 
 
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Dois alunos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, são investigados por suspeita de fraude no sistema de cotas raciais para acesso à instituição. A denúncia, levada à academia pelo Ministério Público de Minas Gerais, motivou a criação de uma comissão que pretende, além de apurar a situação dos suspeitos, estabelecer regras para verificar, a partir de 2017, e em caso de denúncia, se a autodeclaração de negro, pardo ou indígena procede. Trata-se de medida questionada por quem milita na promoção da igualdade social.

“A cor da pele é um critério bastante subjetivo, que irá depender de como as pessoas se percebem. Porém, isso, infelizmente, abre possibilidades para pessoas mal- intencionadas. O sistema de cotas é importante e tem que existir para as minorias”, disse a pró-reitora de graduação da UFU, Marisa Lomônaco. Composta por docentes, servidores técnico-administrativos e alunos, a comissão permanente, criada no último dia 13, vai avaliar os casos a partir de denúncia, e não no momento de matrícula, podendo submeter o denunciado a entrevista e a uma visita à residência dele.

“Também queremos criar, no momento da inscrição do futuro aluno que se autodeclarar negro, indígena ou pardo, mais mecanismos que possam antecipar possíveis falhas. Por isso, estamos estudando implementar um formulário em que a pessoa tenha que justificar o motivo pelo qual ela se declara em tal cota”, antecipou Marisa. Ela acredita que já para o primeiro semestre de 2017 todas essas regras da comissão estejam definidas.

Os dois casos em investigação são de alunos que entraram na UFU em 2014, e a universidade não informou em quais cursos eles estão. Se as fraudes foram confirmadas, eles poderão ser expulsos. Esses são os primeiros registros do tipo em investigação relacionados à instituição, que tem 25 mil alunos e 80 cursos de graduação.

Para Gilberto Silva, presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Social da Ordem dos Advogados do Brasil seção Minas Gerais (OAB-MG), esse tipo de medida a ser implantado na UFU não é a melhor saída para verificação do sistema de cotas, pois, além de criar constrangimento, pode gerar discriminação.

“A maioria das pessoas não se autodeclara negra. Através de uma foto e até mesmo da certidão de nascimento já é possível constatar o histórico da pessoa. É uma situação complicada porque uma medida que serviria para diminuir as desigualdades, pode acabar ocasionando uma maior discriminação”, avaliou Silva.

Conforme a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, balanço divulgado em 2015 mostra 111.668 estudantes negros no ensino superior federal no Brasil. Na UFU, após reserva de 50% das vagas para cotistas, mais da metade destas (54%) é destinada a negros, pardos ou indígenas.

Legislação. Criada para ser uma das principais ferramentas de ampliação das oportunidades sociais e educacionais no Brasil, a Lei de Cotas está em vigor desde 2013 e destina vagas para negros, pardos e indígenas provenientes de escolas públicas. 

Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), no Sul de Minas, também existe uma investigação que apura suposta fraude no processo de cotas étnico-raciais. Ainda sem conclusão final para o inquérito, a instituição criará, em 2017, uma comissão para verificar a veracidade das autodeclarações. Questionada sobre o modelo de apuração, a assessoria não informou como será.

Concurso prevê ‘fiscalização’

Em agosto deste ano, o Ministério do Planejamento publicou orientações para órgãos e entidades do governo para verificar a veracidade da autodeclaração em concursos públicos. A portaria estabelece que os editais criem métodos de conferência dessa informação, a partir da indicação de uma comissão, com competência deliberativa.

A comissão que fará essa verificação precisa ter integrantes distribuídos por gênero, cor e naturalidade. A aferição precisa ser feita obrigatoriamente com a presença do candidato.

Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso. Como a portaria já está em vigor, os concursos em andamento que não tiveram os resultados finais homologados deverão retificar seus editais e incluir neles a previsão da verificação da autodeclaração.
O presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Social da OAB-MG, Gilberto Silva, acredita que tal medida também pode gerar constrangimento na população. “As cotas servem para reparação, então, nesse sentido, a autoafirmação já é suficiente, sendo que não agride nem expõe a pessoa. A árvore genealógica é uma outra solução para não expor nenhum candidato”, disse.

A lei que reserva 20% das vagas nos concursos públicos federais para negros foi criada em junho de 2014, com duração prevista de dez anos.

Sobre a Lei

Determinação. A Lei Federal de Cotas foi sancionada em agosto de 2012, meses depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que as cotas raciais eram constitucionais. Ela foi regulamentada em outubro do mesmo ano, mas só começou a valer no início de 2013.

As vagas reservadas às cotas, 50% do total da instituição, são subdivididas — metade (25%) para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita; e a outra metade (25%) é destinada para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio per capita. Em ambos os casos, também será levado em conta percentual mínimo correspondente ao da soma de negros, pardos e indígenas no Estado.

Essa porcentagem de cotas para negros, pardos e indígenas varia em cada Estado e é definida pelo peso de cada uma dessas populações conforme o mais recente Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); porém, os candidatos desses três grupos disputarão entre si um número de vagas equivalente à soma das três populações.

Matrícula já foi indeferida em instituição do Rio Grande do Sul
No início de 2015, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, indeferiu a matrícula de um calouro alegando que o estudante não comprovou ser pardo. O candidato entrou na Justiça, e o Ministério Público Federal (MPF), em janeiro deste ano, decidiu em favor da UFSM.

Neste ano, grupos de estudantes que lutam pelos direitos dos negros denunciaram suspeitas de fraudes no sistema de cotas raciais em duas universidades federais – do Espírito Santo (Ufes) e do Recôncavo da Bahia (UFRB).

De acordo com relatos dos grupos em redes sociais, candidatos brancos estão autodeclarando-se negros e pardos para ingressar pelas cotas. Em contato com as universidades, até o fechamento desta reportagem, nenhuma delas havia se manifestado sobre os casos. 

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