ALERTA

Importunação sexual cresce em Minas, e 69% dos agressores saem impunes

Em casos de assédio, quando o crime ocorre em ambiente hierárquico de trabalho ou escola, registros diminuíram, mas impunidade chega a 90%

Por Isabela Abalen
Publicado em 17 de março de 2023 | 17:32
 
 
 
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De um toque indevido até um beijo forçado, os números de registro de importunação sexual em Minas Gerais continuam a crescer. Depois de um salto de 52% nos últimos três anos, o primeiro mês de 2023 registrou aumento de 30% das ocorrências quando comparado ao mesmo período do ano passado. Mesmo assim, a maioria dos agressores saem impunes. 

De acordo com os dados do Observatório da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em janeiro de 2023, levantamento mais recente, 258 vítimas procuraram uma delegacia em Minas Gerais e registraram uma ocorrência de importunação sexual - foram 59 registros a mais do que janeiro de 2022. Dessas ocorrências, apenas 80 suspeitos foram conduzidos a uma delegacia, isto é, 69% dos agressores saíram impunes. 

Para a pesquisadora Ludmila Ribeiro, do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais (CRISP-UFMG), um dos motivos para o aumento do crime é, também, um empecilho para a punição dos agressores. A vítima pode ser importunada sexualmente em qualquer lugar, seja um coletivo, uma festa ou uma fila de supermercado. “Desde 2022, estamos acompanhando esse retorno à rotina normal depois da pandemia, os ônibus mais cheios, retomada de eventos, infelizmente, aumenta o risco de importunação”, diz Ribeiro. Nesses locais, como a abordagem de importunação sexual causa medo e vergonha, muitas vezes, a vítima não consegue guardar informações que identifiquem o agressor e, uma vez que ele foge, o trabalho de identificação é ainda maior. 

A delegada Cristiane Angelini, da Delegacia Especializada de Investigação à Violência Sexual, explica que o melhor a se fazer é contar com a ajuda de pessoas próximas à situação. “O indicado é que, por exemplo, em um transporte coletivo, ou em uma festa, peça ajuda às outras pessoas que estiverem próximas. No ônibus, peça para o motorista fechar a porta para que o agressor não fuja”, aconselha. “E tente guardar informações como horário, descrição física, roupa que estava usando e testemunhas, tudo isso ajuda na investigação do caso e, futuramente, na punição devida”, continua.  

Mas, para conseguir agir diante do abuso, a vítima precisa, primeiro, entender que está passando por uma importunação sexual. Nesta quinta-feira (16), cenas em que o MC Guimê e o lutador Cara de Sapato, participantes do Big Brother Brasil (BBB), tocam o corpo e forçam situações com a convidada mexicana Dania Mendez tornaram os jogadores investigados por importunação sexual. Em uma conversa com a produção do programa, Dania disse não ter percebido nada errado, e que estava tudo bem.

Para a pedagoga e vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Belo Horizonte, Tetê Avelar, reconhecer o crime de importunação não é algo natural para as vítimas, uma vez que situações de constrangimento sexual são comuns e, muitas vezes, levadas como brincadeira. “Há uma banalização da violência, resultado também de políticas de segurança enfraquecidas. Acontece da situação não ser levada a sério, de o agressor usar do abuso como brincadeira. A vítima então, se questiona o que aconteceu, se teve mesmo importância”, explica. 

Casos de assédio caem, mas impunidade chega a 90% 

No levantamento do Sejusp, em janeiro de 2023, foram registrados 41 casos de assédio sexual. O número caiu 20% com relação ao mesmo período do ano passado, quando foram registradas 41 ocorrências. Mesmo assim, a impunidade chega a 90%: somente quatro suspeitos foram conduzidos à delegacia. 

Os casos de assédio sexual, mesmo com a popularização do termo, na lei, só são considerados assédio em casos mais restritos. “O crime de assédio sexual, da forma como está no código penal, é você constranger alguém com intuito de obter vantagem sexual se favorecendo da sua confiança como superior da vítima. Normalmente acontece em situações de trabalho, entre um chefe e uma trabalhadora, ou entre professor e aluno, por exemplo”, afirma a delegada Renata Ribeiro, da Divisão Especializada de atendimento à mulher, ao idoso, à pessoa com deficiência e vítimas de intolerância (Demid). 

É exatamente o medo de denunciar um superior no trabalho ou na escola e perder o emprego, ser prejudicada ou desacreditada, que faz a maioria das vítimas não registrarem o assédio. “Está subnotificado. Já há uma cultura que responsabiliza a vítima, então, quando há relação de superioridade, ela tem ainda mais medo de ser vista como errada, de ter entendido errado, de sair prejudicada caso fale com alguém”, afirma a pesquisadora Ludmila Ribeiro.

Ainda nesta semana, um coordenador de uma empresa em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, foi condenado a pagar R$ 15 mil por assediar uma trabalhadora. Ele passava a mão pelo seu corpo e fazia comentários vexatórios. A vítima chegou a alegar que foi demitida depois que se pronunciou sobre o abuso. 

Nesses casos, é preciso um esforço maior ainda para quebrar o ciclo de violência, como explica a vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Belo Horizonte, Tetê Avelar. “O agressor começa inviabilizando a vítima, tira dela sua voz, aí parte para o humor, uma violência enrustida de brincadeira. A pessoa, dentro da situação, fica acuada e encontra dificuldade para entender que está sendo abusada”, alerta. 

Para a delegada Cristiane Angelini, o trabalho de conscientização pode ajudar a melhorar os indicadores de enfrentamento ao assédio. “Há um medo de denunciar enraizado na sociedade e o trabalho de conscientização sobre o que é assédio, importunação, estupro, é uma ação que dá resultado e torna possível melhor cumprir a lei”, afirma. 

Uma iniciativa entre a Polícia Civil de Minas Gerais e a Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) teve início neste mês para levantar dados atualizados de violência contra mulheres e meninas em todo o Estado. A intenção é que as informações guiem políticas mais assertivas de combate ao assédio, à importunação e demais crimes, diminuindo, assim, a subnotificação e a impunidade. 

Como denunciar 

  • Denúncias podem ser feitas por meio da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (disque 180) ou do Disque-Denúncia Unificado (disque 181).
     
  • O registro da ocorrência pode ser feito na delegacia policial mais próxima ou em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs). Em Belo Horizonte, há uma unidade na Avenida Barbacena, 288, Barro Preto.
     
  • Pela Delegacia Virtual, podem ser registrados casos de ameaça, lesão corporal e vias de fato, além de descumprimento de medida protetiva. Por meio da plataforma digital, as vítimas ainda podem solicitar a medida protetiva enquanto estiverem fazendo o registro. 

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