Reginaldo Lopes Carvalho passou metade dos seus 48 anos de vida na condução de ônibus em Belo Horizonte. Nessas duas décadas na profissão, ele já foi violentamente assaltado seis vezes. “Já tive faca e estilete no pescoço e arma na cabeça, já levaram meus pertences. Vi muita coisa”, diz. Ana, uma pedagoga de 25 anos que não terá o verdadeiro nome revelado, já foi vítima de importunação sexual também em um coletivo na capital. Motorista e passageira, que não se conhecem, têm em comum o medo de serem vítimas de agressões mais uma vez dentro do transporte coletivo e a presença no veículo por necessidade: ele de pagar as contas e ela de se deslocar. Receio que se justifica em função da escalada da violência dentro dos ônibus em Minas Gerais.
Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), o número de denúncias de lesão corporal mais do que dobrou de janeiro a novembro de 2022 comparado com o mesmo período de 2021, ao passar de 38 para 89. Já os registros de crimes contra a dignidade sexual subiram 78% no mesmo período, ao sair de 74 para 132.
Ana foi vítima de importunação sexual em 2018 na Estação São Gabriel. À época, ela acionou a Guarda Municipal após um homem ter puxado o braço dela na escada rolante do terminal. Antes do episódio, ele já havia notado que o assediador estava lhe observando e buscando estar sempre próximo aos locais em que ela estava. Ele, que na data do ocorrido tinha 58 anos, negou as acusações, mas foi detido.
Passados quase cinco anos, ela convive com a marca do que passou. “É muito difícil se sentir segura nos coletivos. Porque os ônibus estão com os horários muito reduzidos principalmente no horário da noite, que é mais perigoso. Passa ônibus de 50 em 50 minutos. E nos horários de pico onde nós temos mais ônibus, o fluxo ainda é muito grande, ainda não comporta todos os passageiros de forma adequada. Fica muito cheio, as pessoas ficam escoradas umas às outras”, disse.
Se para os passageiros a lotação dos ônibus traz insegurança, para os motoristas não é diferente. Reginaldo conta que, sem a presença dos cobradores em várias linhas, os motoristas também ficam vulneráveis, uma vez que, ao acumular as funções de dirigir e cobrar as tarifas, o acompanhamento de “movimentações suspeitas” dentro do veículo fica praticamente impossível.
Para ele, o último assalto que sofreu poderia ter sido evitado caso estivesse acompanhado por um cobrador. Enquanto estava focado no trânsito, o profissional foi cercado por três homens. Enquanto um deles o ameaçava com um estilete no pescoço, o outro revirava a gaveta onde estava guardado o dinheiro. Um terceiro criminoso ainda pegou a bolsa onde o motorista guardava o celular pessoal e os documentos. “Isso gera um trauma, mas a gente precisa enfrentar e trabalhar. No mesmo dia, eu continuei rodando”, afirma.
Segundo o pesquisador de mobilidade urbana e integrante do Conselho de Mobilidade Urbana da Prefeitura de Belo Horizonte, André Veloso, existe uma subnotificação nas violências diárias que ocorrem nos ônibus. “Em casos de violência sexual, por exemplo, a maior parte das vítimas não denuncia para ser exposta. Ter que acionar o botão do pânico, para que o ônibus pare, atrasando a viagem de todo mundo, é uma atitude que ocorre só em casos graves”, afirma.
A Sejusp disse, em nota, que “todas as práticas criminais são combatidas por meio das ações de todas as forças de segurança do Estado”. Também em nota, a Guarda Municipal de BH destacou que, desde 2017, realiza a Operação Viagem Segura, com abordagens feitas pelos agentes em linhas de coletivos. Só em 2022, foram 6.288 embarques de guardas em ônibus municipais e outros 1.479 em metropolitanos, que resultaram na condução de 18 pessoas a delegacias da Polícia Civil.
Com botão do pânico, mas sem cobradores
De acordo com Raul Leite, presidente do Sindicato das Empresas do Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH), todos os ônibus contam câmeras internas, que podem inibir as ações dos assaltantes. ele destaca ainda que o “botão do pânico”, usado sempre que o motorista precisa acionar a central, se mostrou um sucesso. A tecnologia permite que o sistema de transporte entre em contato com as forças de segurança em momentos de urgência e forneça a localização exata do veículo onde houve o acionamento do dispositivo.
Questionado sobre a falta de cobradores, que muitas vezes ajudavam os motoristas a observar os passageiros, Leite afirmou que o custo gerado pela contratação desses profissionais encarece a passagem, já que a função de cobrar pela passagem não se mostra mais necessária. "A população precisa ver que a tarifa tem determinado valor. Se quiser colocar mais coisas, o custo vai todos para os usuários", diz Leite, reforçando que a solução para a redução da violência é adotar apenas a bilhetagem eletrônica, abolindo a cobrança em dinheiro nos coletivos.