Região Metropolitana

MP instaura apuração sobre garimpo de ouro no rio das Velhas, em Rio Acima

Notícia de fato visava investigar garimpo ilegal ainda em agosto, antes de O TEMPO divulgar que se tratava, na verdade, de mineração autorizada pelo Governo de Minas

Por José Vítor Camilo
Publicado em 08 de novembro de 2022 | 03:00
 
 
 
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A empresa Rio Preserv vem utilizando dragas de garimpo de ouro para revirar o leito do rio das Velhas, com autorização do Governo de Minas, desde dezembro de 2020, em Rio Acima, na região metropolitana de Belo Horizonte. Após a publicação de reportagem de O TEMPO sobre a atuação da empresa, que vinha preocupando moradores do município, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) anunciou que já instaurou uma Notícia de Fato para apurar a atividade. Por outro lado, a mineradora nega danos ambientais e afirma ser "ecologicamente responsável".

Segundo especialistas, a lavra de aluvião representaria riscos para os corpos d'água, uma vez que aumentaria a turbidez da água e, ainda, levantaria sedimentos que poderiam conter metais pesados. O problema se torna ainda mais grave, de acordo com a ambientalista Maria Teresa Corujo, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, por acontecer antes da captação de Bela Fama, que abastece 2,4 milhões de pessoas na Grande BH. 

A instauração do procedimento pela 1ª Promotoria de Justiça de Nova Lima aconteceu ainda em agosto deste ano. Após a publicação da reportagem denunciando o problema, foi enviado um ofício à Polícia Militar de Meio Ambiente para que seja realizada uma diligência para averiguar a situação no local, o que, ainda conforme o órgão, ainda não teria ocorrido. "O objetivo, neste momento inicial de apuração, é verificar se está ocorrendo a extração irregular de ouro no leito do Rio das Velhas, na localidade de Bom Jardim, em Rio Acima", afirmou o MPMG.

O empreendimento minerário da Rio Preserv conta com duas autorizações concedidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), sendo uma delas para "extração de areia e cascalho para utilização imediata na construção civil", o que estaria enquadrado em atividade de médio porte; e outra para lavra em aluvião para extração de ouro, "atividade que se enquadra como pequeno porte", ainda conforme a secretaria.

A autorização para minerar no rio se deu, ainda conforme a Semad, pela chamada "licença simplificada nível 2", uma vez que se trata de atividades envolvendo extração de até 50 mil m³ de areia e cascalho e 12 mil m³ de ouro por ano, encaixando o empreendimento como de médio porte e classe 3. 

Procurada pela reportagem, a Rio Preserv informou, por meio de nota, possui licença ambiental que garante a operação na extração de areia e cascalho e, ainda, na lavra de aluvião no rio. "Também demonstra seu compromisso com as leis e normas ambientais vigentes, assinala que organização é ecologicamente responsável e sabe das obrigações para o adequado controle de suas atividades", completa a empresa.

No texto, a mineradora ainda afirma nunca ter feito a exploração mineral sem autorizações dos órgãos responsáveis. "Sobre a localização do empreendimento a montante de Bela Fama, o empreendimento contribui de forma positiva, já que a extração de areia contribui com a desassoreamento deste trecho do rio, diminuindo possibilidades de ocorrências como inundações, também com uma água com menos sedimentos sólidos o que facilita o tratamento na estação Bela Fama", finaliza a Rio Preserv.

A afirmação da empresa de que a atividade mineral seria "positiva" para o rio é contestada por Maria Teresa. "É muita irresponsabilidade a empresa dizer isso. Para a dragagem desassorear precisam ser atendidos vários elementos, inclusive resoluções do Conama com diretrizes e procedimentos. A extração de materiais do rio altera a dinâmica fluvial, impactando negativamente nos ecossistemas aquáticos e alterando os parâmetros físicos e químicos da água. Desassorear demanda uma abordagem integrada, para avaliar a toxidade dos sedimentos, o que, com certeza, não é feito pela Rio Preserv na extração de areia e cascalho e na lavra em aluvião", argumenta a ambientalista. 

Apesar de infração, licença foi mantida

Questionada por O TEMPO sobre possíveis fiscalizações desde que a autorização foi concedida à empresa, a Semad informou que foram realizadas, desde 2020, 12 fiscalizações no município, sendo que três delas tiveram como alvo a Rio Preserv.

Em uma das operações, feita em maio de 2022, teria sido encontrada uma infração após a empresa "descumprir ou cumprir fora de prazo condicionante aprovada nas licenças ambientais". 

De acordo com Maria Teresa Corujo, O artigo 19 da Resolução n.º 237, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) prevê que, em caso de descumprimento das condicionantes, o licenciamento ambiental poderia ser "suspenso ou cancelado", o que não foi feito pela Semad. 

"Ao meu ver existem dois motivos para o cancelamento desta licença com base nesta resolução federal. O primeiro é o descumprimento das condicionantes. O segundo, é a superveniência de graves riscos ambientais e de saúde, já que estão revolvendo o leito do rio das Velhas, que vários estudos já indicaram a presença de metais pesados, e isso acontecendo antes da captação de água de uma população enrome", argumentou a ambientalista.

Procurada pela reportagem, a Agência Nacional de Mineração (ANM) informou que a empresa "não possui concessão de lavra para areia e ouro" na área. "Embora realize lavra experimental por meio da Guia de Utilização nº 170/2020 - Gerência Regional/MG e Certificado Licenciamento Ambiental Simplificado/Relatório Ambiental Simplificado (LAS-RAS) nº 4376, este emitido pela Supram Central Metropolitana", completou o órgão. 

A ANM foi questionada ainda sobre o risco que o empreendimento representa para a captação de água, especialmente após o rompimento da barragem de Brumadinho, que incapacitou a captação no rio Paraopeba. "Informamos que as questões ambientais são analisadas pelo órgão ambiental competente, para decisão sobre a emissão ou não de licença ambiental", afirmou. 

A Semad também foi indagada sobre o problema da captação e sobre o motivo do licenciamento da empresa não ter sido suspenso ou cancelado após a infração. Após cinco dias, a secretaria enviou uma nota em que não responde aos questionamentos, mas afirma que fez um despacho interno pedindo que a Rio Preserv seja fiscalizada, o que deve ocorrer nas próximas semanas. 

Confira a nota na íntegra:

"A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que, diante dos questionamentos recentes acerca do empreendimento Rio Preserv foi realizado despacho interno para que ocorra fiscalização ambiental no local. A partir da realização da vistoria e da lavratura de auto de fiscalização, será possível atualizar o cenário quanto ao desempenho ambiental do empreendimento para que, em sequência, haja conclusão sobre eventuais medidas a serem tomadas pela instituição. A fiscalização deve ocorrer nas próximas semanas"

Empresa é de sobrinho de ex-prefeito de Nova Lima

A Rio Preserv tem como sócio-administrador Leandro Julio Penido Santos, que é sobrinho de Vitor Penido, que foi deputado federal em dois mandatos  e seis vezes prefeito de Nova Lima, cidade que fica a 20 minutos de carro de Rio Acima. Questionado, o político disse não ter qualquer relação com a empresa do familiar. 

Nas redes sociais de Leandro Penido, é possível ver fotos com roupa de mergulho às margens do rio das Velhas - atividade necessária para a lavra em aluvião - e, ainda, pilotando um barco enquanto passa por uma das dragas e com a legenda Uaimii, que é o nome do rio em tupi-guarani. 

Leandro Penido publica fotos durante a atividade no rio das Velhas

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