Mesmo após quase seis anos do rompimento da barragem da Samarco em Mariana, na região Central do estado, a reparação dos danos causados praticamente não avançou. Enquanto nenhuma casa até hoje foi entregue nos reassentamentos de Bento Rodrigues, Gesteira e Paracatu de Baixo, o Rio Doce segue agonizando com a falta de ações ambientais e milhares de atingidos não conseguiram retomar as suas rotinas. Diante da falta de efetividade da Fundação Renova para o cumprimento dos prazos, já foram iniciadas as negociações para a extinção da entidade e a definição de novo acordo, aos moldes do que aconteceu em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.
O assunto foi tema de uma coletiva do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) nesta quinta-feira (28). Conforme o procurador-geral do estado, Jarbas Soares Júnior, a expectativa é que as negociações sejam finalizadas até fevereiro do próximo ano. A base para o cálculo da reparação é o valor pedido na ação judicial do órgão contra a Samarco, de R$ 155 bilhões. “Hoje, os Ministérios Públicos, governos, defensorias, União, municípios e até as empresas controladoras não estão satisfeitas. A nossa impressão de tudo isso é que, à época da tragédia, foi feito um acordo apressado e já imaginávamos que não atingiria seus objetivos”, pontuou Soares.
Porém, a ação proposta pelo MPMG que pede a extinção da Renova segue suspensa por conta de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Foi por uma questão de conflito de competência entre a Justiça Federal e a estadual”, explicou. O processo segue parado até um julgamento da questão em plenário e a expectativa do órgão é que ele siga no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Para o procurador-geral, diversas situações prejudicaram a reparação dos atingidos, mesmo com os gastos de mais de R$ 15 bilhões da Renova, os danos seguem nas áreas ambiental, social e econômica.
“Em suma, essa questão nos traz amargura por não ter conseguido ainda solucioná-la e, muito ao meu ver, por conta do acordo inicial ter sido celebrado sem a participação do Ministério Público. O que aconteceu em Mariana inspirou Brumadinho para que os mesmos erros não fossem cometidos”, frisou. Para a realização do novo acordo, estão previstas 17 audiências, que contam com a participação das defensorias, Ministérios Públicos e órgãos dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, União, além da Samarco e suas controladoras à época do desastre - Vale e BHP.
Nenhuma condenação
O procurador lembrou ainda que a entidade acompanha todas as ações judiciais que envolvem o desastre, como o pedido de recuperação judicial da Samarco e a questão criminal. Apesar do tempo do rompimento, nenhum indiciado foi condenado pela morte das 19 pessoas levadas pela lama. “O trabalho depende muito do desenrolar do poder judiciário. A questão penal foi definida como competência da Justiça Federal, tem ainda a ação dos atingidos e dos municípios. Acreditamos que esse acordo, se sair, venha a trazer uma tranquilidade social, sobretudo para os atingidos, que ainda vivem uma aflição permanente”, declarou.
Para o procurador, os valores gastos pela Renova também não foram expressivos frente aos danos causados ao longo da bacia do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo. “É uma questão ambiental muito complexa, o rio está morto”, declarou. Por fim, Soares lembrou que as próprias empresas buscam segurança jurídica, pacificação e definitividade, que não foram alcançadas com a criação da fundação, através do novo acordo. “Mineração é uma atividade econômica expressiva. Só a Vale, no primeiro semestre, teve um lucro que daria para pagar todo o acordo de Brumadinho”, exemplificou.
Entre as situações mais dramáticas da região, está a falta de previsão para a entrega do reassentamento de Bento Rodrigues, distrito que foi completamente devastado pelo mar de lama. Iniciadas em janeiro de 2019, as obras caminham a passos lentos, mesmo com a moradia sendo um direito básico, como pontuou o MPMG.
O coordenador de Meio Ambiente do órgão, promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, lembrou que foi cobrada judicialmente uma multa de R$ 1 milhão por dia de atraso no cronograma de entrega, pedido que é analisado. “Essa questão foi uma medida para trazer mais rapidez para o reassentamento, obrigando os responsáveis a agilizar esse processo que deveria ter sido finalizado há muito tempo e é algo tão importante para o desdobramento do desastre”, finalizou.
Posicionamento
A Fundação Renova informa que não é parte do processo de repactuação que está sendo discutido no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e reafirma o seu compromisso com o trabalho de reparação dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, propósito para o qual foi criada.
Cerca de R$ 15,57 bilhões foram desembolsados até agosto deste ano. Até setembro, as indenizações e Auxílios Financeiros Emergenciais (AFEs) pagos a atingidos de Minas Gerais e do Espírito Santo chegaram a R$ 6,5 bilhões, para mais de 336 mil pessoas.
As ações de reparação abrangem, ainda, reassentamentos, áreas de infraestrutura, saúde, retomada das atividades agrícolas, restauração das áreas degradadas, monitoramento da qualidade da água, da biodiversidade, recuperação de nascentes e apoio à retomada das atividades econômicas.