O que poderia ter sido uma viagem rápida e tranquila, acabou se transformando em uma sessão de ofensas racistas, xingamentos e humilhação pública. Esse combo gratuito de violência contra o ser humano, foi vivido pelo bacharel em direito Maria Nazaré Paulino, de 58 anos. A mulher relata ter sido chamada de “preta vagabunda” por um motorista de aplicativo, que recusou a viagem por ela ser negra. O fato ocorreu na região Centro-Sul de Belo Horizonte, no fim da tarde do último domingo (17).   

No dia seguinte, a mulher denunciou as ofensas racistas. Na última quarta-feira (21), ela prestou depoimento na Polícia Civil. Nesta quarta-feira (27), Maria vai retornar à delegacia para prestar o segundo depoimento. 

No carro dele, 'não carregava preto vagabundo'

 Além de acionar as autoridades, Maria também gravou um vídeo que viralizou na internet em narra como se deram as humilhações e ofensas vividas por ela. Segundo Maria, quando ela se aproximou do veículo, o motorista se negou em abrir a porta e falou que “no carro dele, não carregava preto vagabundo.”  A mulher conta que ficou em estado de choque, chamou um outro veículo por aplicativo e foi levada até à casa da filha, que mora em Belo Horizonte.   

Maria é mãe de cinco filhos e é avó de dois netos. Ela relata ainda que, a família e a criação que ela teve foram primordiais para que ela reunisse forças para denunciar a agressão.  

“Chorei a noite toda, mas criei forças, me levantei, fiz um vídeo para mostrar que esse tipo de agressão tem que parar. E que não é para as pessoas aceitarem passar por isso. Na sequência, fui até a delegacia e denunciei,” alertou Maria. 

 

Desabafo em vídeo

“Passei por uma situação extremamente séria. Saí de um evento profissional e solicitei um Uber, esperei, estava chovendo, o carro chegou e parou a mais ou menos uns 20 metros de mim, e eu fazendo sinal na frente, e ele não se movia. Eu acreditei que onde eu estaria seria ruim para estacionar. Me aproximei do carro e esse senhor não abria a porta, mostrei meu telefone para ele, identificando que eu era a passageira e ele não abria. Diante da minha insistência, ele disse que no carro dele, ele não carregava preto vagabundo. Que ele não ia carregar gente da minha cor, uma vagabunda. Apesar de ser uma pessoa reativa, eu fiquei tão assustada que não tive reação. Estou compartilhando isso, para que a gente não aceite isso”, disse Maria, em um trecho do vídeo. 

Preconceito durante a vida toda 

Ainda conforme Maria, ela sempre foi vítima de preconceito racial, porém de modo velado, e que essa teria sido a primeira vez que alguém fala de forma tão cruel sobre a repulsa a pessoas negras. 

“Sou uma mulher negra de 58 anos, que mesmo tendo o privilégio de ter nascido em uma família com boa condição financeira, vivi a minha vida inteira sendo vítima de racismo. Na infância, professoras de balé e piano me desencorajavam de ter cultura, porque elas diziam que aquilo não era para mim. Senti desde cedo a discriminação arder na alma. Mas meu pai me ensinou a ser resistente e não deixar ninguém me desvalorizar, por isso, não me calo,” disse a mulher com a voz embargada. 

Misoginia e racismo

De acordo com o advogado de Maria, Willian Santos, o caso se trata de flagrante crime de misoginia e racismo.  

“É um flagrante crime de misoginia, aversão as mulheres, no caso concreto, se fosse um homem, duvido que o motorista assim o fizesse. E claro, o flagrante crime de racismo, ele não só ataca a pessoa, mas atacou a coletividade, ele atacou a um coletivo muito maior, que mexe com a alma da pessoa afetada. São crimes passíveis de punição,” explicou.  

Racismo é crime

Previsto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, racismo é um crime contra a coletividade. É inafiançável e imprescritível, com pena de reclusão de um a três anos e multa.   

Polícia Civil

A Polícia Civil informou que a investigação está em andamento na Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias de Belo Horizonte.  

“O registro da ocorrência, feito em 20 de outubro, traz como provável descrição da natureza dos fatos o crime de racismo.  O motorista foi identificado e intimado,” concluiu a nota. 

O que diz a Uber 

Sobre o assunto, a Uber disse que desativou o motorista parceiro citado no caso em questão e se coloca à disposição para colaborar com as autoridades no curso das investigações. 

 “A Uber possui política de tolerância zero a qualquer forma de discriminação em viagens pelo aplicativo. A Uber busca oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis a todos. A empresa reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o app”, pontuou um trecho da nota.