Desde maio deste ano, a vida do desempregado Mateus Henrique Leroy Alves, de 37 anos, resumia-se a farra com mulheres, compras de roupas de marcas, perfumes e passeios a Salvador, na Bahia. Para ostentar a boa vida, o homem, que mora em Conselheiro Lafaiete, na região Central de Minas Gerais, usou ao menos R$ 600 mil, quantia arrecadada para o tratamento médico do filho.
O pequeno João Mateus, de 1 ano e 7 meses, é portador da doença degenerativa Atrofia Muscular Espinhal (AME) e precisa de um medicamento que custa mais de R$ 300 mil, a ampola. Nesta terça-feira (23), ele compareceu à delegacia para prestar novos esclarecimentos e voltou para o presídio.
A prisão do suspeito aconteceu nessa segunda-feira (22). "Há cerca de 15 dias, a companheira do Mateus no procurou falando que notou um comportamento estranho dele. Ele ajudava a família, era empenhado na campanha, mas, desde maio, mudou. Deixou a cidade e não falava para onde ia. Nós solicitamos que ela nos apresentasse os extratos das contas abertas para o João Miguel e, para a nossa surpresa e da dela, descobrimos que que grande parte do valor que tinha arrecadado, mais de R$ 1 milhão, havia sumido das contas", explicou o delegado Daniel Gomes.
Uma investigação foi aberta e a polícia conseguiu apurar que o suspeito estava gastando o dinheiro em outras atividades. O homem foi localizado dentro do apart hotel. Ele já tinha dado R$ 4 mil adiantado para a estadia de dois meses.
"No interior do apartamento foram encontradas roupas ainda com etiquetas, relógios, mais de R$ 3 mil e porções de maconha. Ele alega que desviou da campanha cerca de R$ 600 mil, mas a polícia trabalha com a possibilidade desse valor ser maior. Ele disse que R$ 300 mil gastou com farra, mulheres e viagens e o restante, ele alega que estava sendo extorquido por pessoas que ele não sabe dizer o nome e em circunstâncias que ele não consegue esclarecer", detalhou o policial.
Segundo o delegado, o homem está preso preventivamente. "Ele estava dilapidando o patrimônio do garoto. Antes de ir para Salvador, sacou R$ 100 mil. O Mateus vai responder pelos crimes de estelionato, com pena de um a cinco anos de prisão, abandono material, por ter abandonado o João Miguel e deixado a família desamparada e a polícia estuda a possibilidade de também ele ter feito lavagem de capital. A campanha é verdadeira, o menino precisa do medicamento para sobreviver. Ele enganou toda uma sociedade, principalmente o filho dele. Colocando em risco a vida do João Miguel", destacou Gomes.
A reportagem de O TEMPO tentou contato com a mãe de João Miguel, mas, segundo vizinhos, ela e outros familiares saíram do imóvel após a prisão do homem.
Mulher acreditava que marido estava em Belo Horizonte
No dia 8 de maio, Mateus disse para a companheira que faria um curso de vigilante em Belo Horizonte. Ele chegou a procurar o estabelecimento, mas não há informações se iniciou o curso.
Ainda conforme a polícia, o suspeito esteve em Salvador ao menos outras duas vezes.
"Acreditamos que os desvios começaram em abril. Duas contas eram administradas por ele e as outras pela mãe. O valor não poderia ser retirado. Era para ir acumulando para comprar o medicamento. O Mateus afirma que está arrependido por ter gastado o dinheiro, mas as circunstâncias em que o encontramos em Salvador não demonstra ser uma pessoa arrependida", disse o policial.
Caso repercute em Conselheiro Lafaiete
A descoberta do desvio de dinheiro deixou os moradores de Conselheiro Lafaiete perplexos. Para quem ajudou na campanha, Mateus era um pai dedicado. "A campanha começou em agosto do ano passado. Artistas locais faziam shows e doavam os cachês, pessoas de outras cidades também ajudaram. A gente fica triste pelo menino, pela mãe e pelo outro filho de 11 anos", contou uma das participantes da campanha, que pediu para não ser identificada.
Uma outra moradora da cidade ficou indignada com os crimes. "Ele é pai. Nunca poderia ter feito isso. Nos enganou para ficar na vida boa. Que pague pelo que fez", disse sob anonimato.
Caso semelhante
O caso de João Miguel, em que acontece a investigação por desvio do dinheiro de doações, não é o primeiro do Brasil. Ano passado, o caso do menino Jonatas, de Santa Catarina, que também é portador da Atrofia Muscular Espinhal, ganhou repercussão nacional.
Os pais dele, Renato e Aline Openkoski, foram presos suspeitos de desviarem dinheiro arrecadado para comprar o mesmo medicamento de João Miguel. A família de Santa Catarina arrecadou mais de R$ 3 milhões. As suspeitas começaram depois que o casal trocou de casa, comprou um carro avaliado em mais de R$ 140 mil e, por fim, foi passar o Ano Novo em Fernando de Noronha, um dos destinos turísticos mais caros do país.