Cachoeiras exuberantes no povoado de Casa Branca, montanhas da serra do Rola-Moça, belezas naturais que atraíam turistas para o Inhotim – o maior museu a céu aberto do mundo, que recebeu 3 milhões de pessoas entre 2006 e 2018. Essa era a Brumadinho descrita pelo prefeito Avimar Barcelos (PV) até o rompimento da barragem da Vale, em 25 de janeiro de 2019. No entanto, há dois anos, a efervescência do turismo deu lugar a um futuro incerto, como mostra a última reportagem da série publicada por O TEMPO sobre a tragédia.

“Muita gente acha que Brumadinho é a cidade da lama, mas não é. As pessoas têm medo de vir aqui, de estourar outra barragem, o que sabemos que não vai acontecer. Precisamos urgentemente atrair os turistas de novo”, enfatiza o prefeito. Ele afirmou que, desde o desastre, diversas pousadas foram fechadas e centenas de demissões agravaram os prejuízos à economia local. “Antes, havia mais de 3.000 visitantes no Inhotim a cada sábado e domingo. Agora, o máximo é de 500 (até o fechamento por conta da pandemia)”, comparou.

Outra preocupação de Barcelos é que, no fim deste mês, a Vale encerra os pagamentos emergenciais mensais – têm direito ao benefício todos os moradores de Brumadinho e quem vive até 1 km da calha do rio Paraopeba. “Muita gente foi mandada embora após o rompimento. Cortar o valor neste momento é errado. É uma pequena contrapartida que a Vale está dando para a população pelo que ela provocou. A mineradora deveria aguardar o retorno das assessorias técnicas, que estão avaliando quem realmente precisa receber”, diz. Determinada pela Justiça, a análise é custeada pela Vale. 

Ainda conforme o prefeito, em dezembro de 2019, a empresa já havia cortado pela metade o valor do auxílio – um salário mínimo por adulto, acrescido de meio salário a jovens e um quarto do valor a crianças – para as famílias que não moravam nas áreas diretamente atingidas. “Tinha que voltar o pagamento de 100% para todos”, defende. 

Reclamações
Por toda a cidade, há denúncias de pessoas que não recebem o pagamento há ao menos dois meses. É o caso do ambulante José Carlos Goulart, 51. “Da última vez que fui ao banco, não tinha caído (o depósito)”, disse o vendedor.

Já a comerciante Geralda Rosa Sanção, 48, conta que a pandemia agravou mais a situação e afirma que, sem o auxílio, as perdas para a cidade podem ser irreparáveis. “Isso (o pagamento) ajuda a dar uma vida melhor para as pessoas, até por questão de alimentação. O comércio já foi muito prejudicado e ficará numa situação pior”, prevê. 

A assessoria técnica da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social aponta que 54,7% dos atingidos não exercem atividade remunerada e que quase 12% dos afetados não são alfabetizados. 

Prefeito: “Praticamente nada foi feito”
Na avaliação do prefeito de Brumadinho, Avimar Barcelos, “praticamente nada foi feito” pela Vale nos últimos dois anos. A principal reclamação dele é com investimentos na área econômica – com os impactos do rompimento, a cidade perde quase R$ 5 milhões por mês em arrecadação de impostos. “Tínhamos uma renda de R$ 14 milhões, que passou para R$ 9 milhões. Até agosto de 2020, a Vale pagava R$ 3 milhões por mês mesmo sem operar, em um acordo que foi fechado com a prefeitura, e isso também acabou”, diz o chefe do Executivo municipal.

Para compensar os danos, Barcelos cobra uma liberação de pelo menos R$ 2 bilhões pela Vale para recuperar o município. “Com esse valor, queremos construir dois distritos industriais para atrair novas empresas, além de rodovias melhores que façam a ligação (da cidade) com a BR–040 ou a BR–381. Isso vai gerar renda e emprego e mitigar os efeitos da paralisação das atividades da empresa. Estamos muito preocupados com a economia daqui para frente”, enfatiza. 

Conforme o prefeito, as obras de reparação em andamento, pagas pela mineradora, geram quase 5.000 empregos, com a contratação de 22 empresas, porém é uma situação provisória. “As companhias devem ir embora daqui um ano, e com isso, o déficit mensal da prefeitura vai aumentar ainda mais. O que temos não banca as despesas, e vamos passar por uma fase muito difícil”, adianta.

“Sem acordo” e com ação na Justiça parada
Terminou sem acordo a audiência de conciliação feita na semana passada entre a Vale e o governo de Minas. Enquanto o Executivo quer R$ 54 bilhões para reparação dos danos causados pela tragédia, a empresa ofereceu em torno de R$ 21 bilhões. Com o impasse, o caso vai voltar à primeira instância da Justiça mineira.

Na ocasião, o secretário-geral do Estado, Mateus Simões, disse que a empresa atuou na audiência como se estivesse em um pregão. “Não vamos nos lançar em um leilão para definir o valor desse acordo. Os projetos que foram apresentados somam um valor que é o mínimo necessário para garantir a recomposição dos danos gravíssimos causados à população atingida”, afirmou.

Já na área criminal, em fevereiro de 2020, o Ministério Público denunciou à Justiça 16 pessoas. O diretor-presidente da Vale na época do rompimento, dirigentes, engenheiros e consultores da mineradora e da Tüv Süd – que atestou a segurança da barragem – respondem por crimes como homicídio qualificado e poluição.

De acordo com o Tribunal de Justiça, há réus que nem sequer foram citados. Prazos de defesa estão suspensos por conta da pandemia, e, devido a falhas no acesso a documentos digitalizados, o processo parou em dezembro. 

Empresa nega atraso em pagamentos 

Sobre o desastre, a Vale informou, em nota, que já desembolsou mais de R$ 2 bilhões em indenizações para mais de 8.700 pessoas. Em relação ao auxílio emergencial, a empresa alegou que o valor é concedido desde fevereiro de 2019 “para compensar de forma rápida as pessoas impactadas”. De acordo com a mineradora, 106 mil pessoas recebem até um salário mínimo mensalmente, auxílio prorrogado até o próximo domingo, e não há pagamentos em atraso.

Sobre os problemas econômicos na região, a Vale enfatizou que entende como “necessário criar oportunidades” para a diversificação das realidades, com o apoio de iniciativas para o desenvolvimento das vocações da região afetada, como agricultura, turismo, sustentabilidade e meio ambiente. Entre as ações, conforme a empresa, está o Programa de Fomento à Agricultura.

A Vale alegou também que financiou a campanha publicitária "Abrace Brumadinho", com o objetivo de mostrar a cidade como destino único no Estado. Além disso, informou que assumiu o compromisso de investir na diversificação econômica da região com o objetivo de reduzir a dependência histórica do município com a mineração. 

"Outras ações estruturantes para o fomento do turismo estão sendo iniciadas em Brumadinho, como o fortalecimento da governança turística do território, além da diversificação da oferta turística local e a ampliação de mecanismos de financiamento na área, entre outras iniciativas", declarou.

A empresa ainda declarou que incentiva o comércio e vai realizar por dois anos um projeto em parceria com a CDL Brumadinho e o Sebrae Minas para capacitação do empresariado local e a demonstração, junto aos moradores, da importância do consumo como força motriz para o desenvolvimento local.

"A primeira ação desse Termo é a realização de campanhas publicitárias locais. Serão 12 ao longo do ano, nas principais datas do comércio, como o Dia das Crianças, Dia das Mães e Natal. O financiamento dessas campanhas ficará a cargo da Vale, com a CDL gerenciando e direcionando esforços para o fomento socioeconômico local", finalizou.

 

Minientrevista com o prefeito de Brumadinho, Avimar Barcelos (PV)
Qual o balanço das ações de reparação realizadas pela Vale?
Ficou uma marca muito triste para nós, de Brumadinho, porque se passaram dois anos, e, se você for fazer uma análise, praticamente nada foi feito por parte da Vale, principalmente os investimentos na área econômica. Nós aguardamos que ela faça um investimento em Brumadinho, de mais ou menos R$ 2 bilhões, é o que nos interessa, porque mixaria não vai servir de nada para nós. Esperamos que ela faça esse investimento para trazer grandes empresas para a cidade, gerar emprego e renda. E, para isso acontecer, precisamos de, no mínimo, uns dois distritos industriais. A gente precisa disso para recomeçar Brumadinho.


Quais os impactos do rompimento na arrecadação da cidade?

Nós tínhamos uma renda de R$ 14 milhões, que vai passar para R$ 9 milhões, porque de impostos diretos e indiretos perdemos quase R$ 5 milhões. E nós gastamos R$ 13 milhões, então a conta não vai fechar. Vamos ter um déficit de R$ 3,8 milhões daqui para frente. A Vale pagava para a prefeitura, mesmo sem operar, R$ 3 milhões por mês até agosto de 2020. No total, daria quase R$ 5 milhões dos royalties dela, mas nós acertamos de pagar três milhões e pouco (de reais) em 20 meses. Isso já passou, e estamos muito preocupados com a economia do município daqui para frente. Neste momento, estamos com uma arrecadação muito boa, porque tem quase 5.000 funcionários dentro do município referente às 22 empresas. Com isso gera emprego, renda para a cidade; nosso ISS, ICMS melhorou, mas é coisa provisória, essas empresas devem ir embora daqui a um ano.

Como a saída dessas empresas vai impactar o município?

Com a saída dessas empresas que estão aqui trabalhando, isso é coisa provisória, vamos ter um impacto de R$ 4 milhões na arrecadação do município. E outra coisa importante é que só a Vale tinha mil funcionários diretos, mais uns 500 indiretos, e vamos perder isso tudo também. São 1.500 desempregados só com a Vale, fora o que ela fez perder nas pousadas dentro do município, que fecharam ou não têm o mesmo movimento que tinha antes. No Inhotim, também foi um desastre. O local tinha mais de 3.000 pessoas a cada sábado e domingo, hoje tem no máximo 500 em cada dia, então a situação ficou muito prejudicada para a cidade. A Vale prejudicou toda uma cadeia.

Quando o rompimento aconteceu, o senhor era o prefeito da cidade. Como foram os primeiros meses?

Foi o maior desafio da minha vida. Todos os familiares em cima de mim ao mesmo tempo, me cobrando ajuda, querendo que eu fizesse coisas, mas eu não conseguia fazer tudo ao mesmo tempo. Foram muitas famílias me procurando, pedindo para resolver as coisas. Eu fiquei com a cabeça um pouco ruim, uns quase 60 dias afastado depois dessa confusão, porque eu estava com a cabeça ruim. É muito problema, muita gente chorando, muita tristeza, fiquei deprimido, tomei remédio para depressão, passei por muitos problemas. Mas, graças a Deus, as coisas melhoraram muito, eu continuo tomando os medicamentos.