Em recurso enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de reverter a liberação de cultos e missas presenciais, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que a cidade vive um "cenário trágico" e argumentou que a decisão monocrática do ministro Kassio Nunes Marques causa "grave ofensa à ordem e à saúde públicas" no pior momento da pandemia da Covid-19.

Ao longo da argumentação de ao todo 28 páginas, a Procuradoria-Geral do Município afirma que a rede assistencial está colapsada na cidade e que a suspensão das celebrações religiosas, determinada por decreto municipal, tem embasamento jurídico e científico.

Colapso na saúde

O texto ressalta que não há neste momento uma capacidade real de se oferecer atendimento médico adequado, mesmo com a ampliação de 249 para 548 leitos de UTI entre janeiro e março. Segundo a Prefeitura, 151 pacientes em estado grave esperavam na fila por uma vaga neste domingo (4).

Foram mencionadas ainda a escassez de insumos hospitalares e profissionais da saúde, além da impossibilidade de requisição de leitos particulares devido ao colapso também na rede suplementar.

“A crise sanitária é enorme, e os sistemas locais de saúde estão operando acima do limite de capacidade de atendimento dos casos graves", diz o recurso, destacando que a legislação municipal foi editada com o objetivo de salvar vidas e está orientada "exclusivamente por evidências científicas".

Os procuradores citam um estudo publicado em janeiro na revista Nature, uma das mais reconhecidas do mundo, no qual os cientistas colocaram os templos religiosos ao lado de outros ambientes fechados, como restaurantes, academias e hotéis, no topo da lista de locais com maior risco de infecções.

Liberdade de crença

Na argumentação, a Prefeitura diz reconhecer a importância das atividades religiosas, mas defende que as realidades locais sejam consideradas no Plenário do STF para uma “decisão definitiva” sobre o tema.

O texto informa que o decreto municipal não proíbe a abertura dos espaços religiosos, garantindo o direito de culto, mas impede a realização de eventos com aglomeração de pessoas "em caráter temporário e excepcionalíssimo".

O recurso compara a pandemia a uma falha estrutural com risco de desmoronamento em um templo, situação na qual os cidadãos estariam sob risco real de morte e, portanto, a suspensão das celebrações se faria necessária.

"Razões de ordem pública podem se sobrepor à proteção constitucional ao local do culto. Deve-se admitir restrições ao funcionamento de templos religiosos como medida necessária à proteção da saúde e da vida das pessoas [...] sendo certo que a excepcional e temporária restrição durante a fase de colapso não é capaz de comprometer a liberdade religiosa", defende a PBH, ressaltando a possibilidade alternativa de se realizar celebrações virtuais por meio de internet, rádio e televisão.

Insegurança jurídica

Ainda segundo o documento, a decisão de Nunes Marques procova insegurança jurídica ao contrariar entendimento colegiado do próprio STF segundo o qual Estados e Municípios possuem competência para fixar medidas restritivas adequadas a cada realidade local.

"A decisão monocrática também causa tumulto à ordem pública, em seu sentido jurídico, porque afronta o Plenário do Supremo, ao impedir que os entes federados de adotar as medidas para enfrentamento à pandemia, e porque decide sem nenhum embasamento técnico, mesmo havendo consenso científico do elevado risco de contaminação", concluem os autores do recurso.

O documento está assinado pelo procurador-geral do município, Castellar Modesto Guimarães Filho, e pelos procuradores Ademar Borges de Sousa Filho, Caio Perona, Carolina Cardoso Guimarães Lisboa e Eduardo Augusto Vieira de Carvalho.

Além da Prefeitura de Belo Horizonte, a Frente Nacional dos Prefeitos também cobrou que o presidente do STF, Luiz Fux, se manifeste com urgência sobre a decisão monocrática do colega, uma vez que a liminar de Nunes Marques estaria em "flagrante contradição" com o posicionamento prévio do Tribunal.

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