Das 8h às 21h, de segunda a sexta, o motoentregador Flávio Satlher Diniz, de 49 anos, chega a rodar 240 km por dia – mais que a distância entre BH e Ipatinga (217 km), no Vale do Aço, por exemplo – para coletar, transportar e entregar tudo que for possível imaginar – de peças de carro a aparelhos de dentista, material escolar, roupas, pizza etc. “Trabalho com aplicativos (de entrega). A moto é locomoção rápida, mas é frágil”, disse.
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Há quatro meses, o betinense, que mora na capital mineira com a esposa, foi vítima de um motorista que, segundo ele, quase o prensou contra uma carreta em movimento no Anel Rodoviário. Flávio caiu e fraturou o ombro. Ficou 32 dias em casa e gastou no tratamento a reserva financeira que tinha. Como não recolhe contribuição previdenciária, não teve acesso a auxílio-saúde, e a única saída que viu para reaver o prejuízo foi entrar na Justiça contra o motorista envolvido no acidente.
A história de Flávio traduz bem a classe de motofretistas de BH. De acordo com a pesquisa Ande Seguro, realizada neste ano pela Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL-BH) e divulgada em outubro, nos últimos dez anos, a condição de conservação das motocicletas e o uso de equipamentos de segurança até melhoraram, mas muita coisa piorou ou está ruim. Entre elas, a maioria dos motoentregadores que circulam na capital não possui plano de saúde (62,8%) e atua de forma autônoma (42%) – ou seja, sem carteira assinada ou qualquer formalização de trabalho que garanta direitos.
A estimativa é que 30 mil motociclistas atuem nesse ramo em BH e região metropolitana, sendo 10 mil regulamentados e 20 mil de apps, segundo o movimento A Voz do Motofrete. Além de não terem vínculo trabalhista, 33,5% rodam mais de 150 km por dia para ter uma renda mínima por mês (até R$ 3.039, em média, se trabalhar 40 horas por semana), e mais de 35% deles já se acidentaram ao menos uma vez.
“A vida deles é corrida e não é fácil. O delivery é uma consolidação após a pandemia. O volume de entregas aumentou demais e, cada dia, o modelo será mais usado. Para o motociclista, a moto é a vida dele. É uma preocupação da CDL que o veículo esteja em boas condições e que o profissional seja capacitado. Isso diminuirá acidentes”, diz Milton Furtado, diretor da Câmara Setorial Duas Rodas CDL-BH, responsável pela pesquisa.
“Temos um problema de precarização das relações de trabalho. Existe demanda para toda urgência, e o motoboy acaba atendendo e se expondo a grave risco, até de morte”, analisa Jean Menezes de Aguiar, advogado e professor da pós-graduação da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Consumidor também precisa dar mais valor
Busca por frete grátis ou barato e pressa em receber o produto. O perfil do consumidor também precisa mudar para a valorização do motofretista. “Nossa sociedade não quer esperar oito minutos. Quer que chegue em cinco. Dane-se se o motoboy cair ou morrer. Isso é a crise da modernidade”, afirmou o advogado e professor da FGV Jean Menezes de Aguiar.
Casos de desrespeito e preconceito contra motofretistas também são recorrentes no Brasil. “O que mais me incomoda é cliente ‘folgado’. Exigem que a gente suba vários lances de escada. E reclamam se atrasar 10 minutos. É complicado, mas é o que tem”, disse um motoentregador de 19 anos que pediu anonimato.
A pesquisa. A CDL-BH ouviu 675 motoentregadores para a pesquisa Ande Seguro, entre os meses de agosto e setembro deste ano. Com o resultado, a entidade promete oferecer cursos gratuitos à categoria e propõe à prefeitura a criação da motofaixa (faixa preferencial para motociclistas em vias com maior número de acidentes) – a PBH informou que a alternativa é debatida no Fórum de Motociclistas, com a Comissão Regional de Transportes e Trânsito (CRTT).