Remuneração minimamente decente e condições dignas de trabalho, com diretrizes de saúde e segurança. Todo trabalhador deveria ter esses direitos garantidos, mas não é o que acontece com os motoentregadores no Brasil, que chegam a quase 1 milhão. A conquista dessas melhorias passa pela regulamentação e regulação do serviço, pleiteada há anos.
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Em Belo Horizonte, a maioria dos motoentregadores (42%) é autônoma e atua em apps de entrega ou outros trabalhos sem vínculo. Entre todos os entrevistados, 71,3% não são regulamentados e 76,2% se manifestam a favor da regulamentação da atividade, de acordo com pesquisa Ande Seguro, realizada pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) neste ano e divulgada em outubro.
Estar regulamentado, segundo a Lei Municipal 10.220/2011, em BH, significa possuir certificado do curso de motofretista; estar cadastrado na BHTrans como motofretista; ter moto equipada com mata-cachorro (dispositivo metálico de proteção lateral para caso de queda), com baú com faixas refletivas e com equipamentos de segurança do piloto; e ter moto com placa vermelha instalada pelo Detran.
Além de estar regulamentado, Antônio Isidro da Silva Filho, professor de inovação do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a regulação dessa profissão não é só necessária, como também urgente.
“O entregador não é empregado do app, mas é indispensável ao funcionamento dele. Então, é preciso haver compartilhamento de riscos, em que o fretista cede parte do que ele ganha e a empresa de app também cede um percentual, para juntos, por exemplo, custear plano de saúde, seguridade social e equipamentos de proteção para o trabalhador”, disse.
Segundo o professor, essa regulação não existe ainda e seria uma espécie de CLT Tecnológica, adaptada para tempos em que relações de trabalho são medidas pela internet.
Debate. Um Grupo de Trabalho (GT) foi instituído em junho pelo governo federal para debater a regulação das atividades de prestação de serviços, transporte de bens e de pessoas por meio de plataformas digitais. O prazo de 150 dias para apresentação de um relatório final se encerrou no início de novembro.
O Ministério do Trabalho e Emprego explicou, em nota, que ainda não há acordo entre os entregadores e os aplicativos. “A expectativa é que até o início de dezembro o governo consiga chegar a uma proposta que atenda às reivindicações de ambos”, declarou. O acordo se transformará em um projeto de lei, a ser aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente da República.
“As empresas de app promovem precarização aos motoentregadores, que precisam aceitar qualquer corrida para não serem banidos, com taxas muito baixas. Além disso, elas permitem que qualquer um entre no ramo, sem cumprir regulamentação”, afirmou o conselheiro do movimento A Voz do Motofrete e da Comissão Regional de Transportes e Trânsito (CRTT) da BHTrans, Ederson Junior de Carvalho, o Junior Motoboy, de 39 anos.
Motofretista largou apps e virou MEI, mas futuro ainda preocupa
Motofretista há quase uma década e meia, Amanda Lemos, de 44 anos, faz parte do percentual de 8,3% de mulheres que atuam na área, ainda dominada por homens, em BH. Ela conta que chegou a trabalhar para aplicativos de entrega, mas que se sentiu constrangida com os baixos valores pagos e largou o ramo.
Há alguns anos ela atua exclusivamente no transporte de documentos seguros para bancos e cartórios e diz que vence diariamente os preconceitos e perigos inerentes à profissão porque gosta do que faz.
Também preocupada com o futuro, Amanda se formalizou como microempreendedora individual (MEI) em 2012, mas ela sabe que não é o ideal. “Tem praticamente os mesmos direitos da CLT, só a questão da aposentadoria é que me preocupa: um salário mínimo não será suficiente”, afirmou a fretista.
Segundo Antônio Isidro da Silva Filho, professor da UnB, o MEI deve ser visto como alternativa de transição, mas que não é suficiente.
“No MEI, o custo tributário é só do entregador. Além disso, ao aderir, ele deixa de ser beneficiário de outros programas, como o Bolsa Família”, lembrou. O ideal, segundo ele, é uma legislação própria e flexível para trabalhos mediados em internet.
Remuneração
Associações de motofretistas no Brasil reivindicam que, além do valor da corrida, eles recebam R$ 35,76 por hora logada nos apps. </MC><MC>O Ministério do Trabalho e Emprego informou que, no projeto em discussão no Grupo de Trabalho (GT), está sendo calculado o valor de R$ 7,50 por hora logada.
“Há um esforço para garantir que nenhum trabalhador receba menos que o salário mínimo”, declarou. Com a remuneração por hora logada, o objetivo é garantir uma base para contribuição da aposentadoria.
O que dizem os apps
Sobre a remuneração, a Amobitec, associação que representa apps como iFood e Uber, ressaltou que a renda líquida mensal da categoria já varia entre R$ 1.980 e R$ 3.039 (para 40 horas semanais). Além disso, a entidade informou que o serviço por motocicleta, previsto na Lei Federal 13.640, contribui para a mobilidade urbana e é pautado por medidas de segurança.
A regulação em análise no governo federal prevê ainda que nenhum motorista poderá ficar logado por mais de 12 horas para evitar jornadas excessivas.