Em junho, a pandemia de coronavírus teve uma escalada no Brasil e em Minas Gerais. Quase quatro a cada cinco casos de Covid-19 em Minas foram registrados nesse mês, que assistiu ao número de contaminados pela doença aumentar quatro vezes e meia no Estado e ao número de óbitos subir 364%. No dia 31 de maio, Minas contabilizava 10.464 casos de contaminação por coronavírus e 271 mortos, números que, no dia 1º de julho, passaram para 47.584 e 1.007, respectivamente.
A capital mineira seguiu a tendência de aumento: os casos em Belo Horizonte foram de 1.882, no dia 1º de junho, para 5.915, no final do mês, ou seja, triplicaram. O número de óbitos quase triplicou também e, dos 49 do começo de junho, chegou a 136.
Em Minas, a ocupação de leitos de UTI era de cerca 70% no começo de junho e diminuiu para aproximadamente 68%, considerando ampliação de 289 leitos no SUS. Os leitos de BH ficaram mais cheios e, atualmente, estão em 88% da capacidade – no dia 25 de maio, quando a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) iniciou a flexibilização das atividades comerciais na cidade, era de 77%.
O número de recuperados da doença na capital e em Minas continua aumentando: em BH, são 4.472 (75,6% do total de registros) e, em Minas, 27.912 (58,6% do total). No Brasil, os recuperados são 56,3% dos casos registrados e somam 790.040 pessoas. Isso não significa que todas elas estejam imunes ao vírus, entretanto, uma vez que ainda não há certeza sobre o tempo de duração da imunidade ao coronavírus após a contaminação.
No Brasil, a elevação de casos também foi expressiva: só em junho, foram quase 875,6 mil novos registros de casos, mais do que a soma dos três meses anteriores. Os óbitos duplicaram e chegaram a 59.594 – mais que o dobro das mortes na Espanha e 71% a mais que na Itália, abaixo apenas dos Estados Unidos, que conta 130,1 mil mortos. Em meados de março, brasileiros assistiam ao noticiário informando recordes de mais de mil mortes diárias nos países europeus. No dia 19 de maio, foi a vez de o próprio Brasil passar dessa marca e, em junho, ela foi ultrapassada em mais da metade dos dias do mês.
As diferenças da pandemia nas regiões do país continuam: mesmo com disparada de casos, Minas Gerais permanece como o segundo Estado com menor incidência de Covid-19 por 100 mil habitantes, na faixa dos 212,6 — distante da taxa de mais de 3.000 do Amapá e dos cerca de 1.600 do Distrito Federal, por exemplo.
Flexibilização de funcionamento do comércio é fator para aumento de casos, segundo pesquisadores
Ao redor do país, governos estaduais e municipais começaram a permitir abertura retomada de atividades comerciais em junho — processo que já acontecia nos meses anteriores em alguns locais. Em São Paulo, por exemplo, os shopping centers puderam reabrir em junho e, no Amazonas, iniciou-se um plano de reabertura por fases.
Para pesquisadores, a abertura do comércio não explica, sozinha, o aumento de casos no país, mas é um fator contribuinte. “Em Belo Horizonte, o aumento de casos coincidiu com a flexibilização, o que é uma faca de dois gumes. Há um forte indício de que a abertura influenciou nos casos, mas claro que não é puramente o fato de o comércio reabrir, porque existe também o comportamento individual. Quando falamos em cuidado, na saúde, ele se dá em diferentes níveis: no governo, que presta serviços, na comunidade e no indivíduo”, pontua a epidemiologista Aline Dayrell, pesquisadora do Observatório de Saúde Urbana de Belo Horizonte (OSUBH).
Ela destaca que o período de maior isolamento social na cidade e em Minas serviu para aprimorar a oferta de leitos e assistência médica, mas diz que também deveria ter havido uma orientação melhor da população para lidar com a flexibilização. O entorno da Lagoa Seca, no bairro Belvedere, por exemplo, continuou cheio de pessoas correndo sem máscara durante finais de semana, sob justificativa – sem comprovação científica – de que bastaria manter dois metros de distância uns dos outros para não se contaminar.
Depois de avançar na retomada das atividades comerciais, a Prefeitura de Belo Horizonte recuou e, desde o dia 29 de junho, apenas as atividades essenciais podem abrir as portas na capital. O governo de Minas também deu passos atrás com o programa Minas Consciente, que estabelece o parâmetro para retomada nas cidades mineiras e, atualmente, a maior parte dos municípios do Estado é orientada a manter somente os serviços essenciais funcionando.
O físico Vitor Sudbrack, integrante do Observatório Covid-19 BR, que monitora a pandemia desde o começo, reforça que, ainda que tenha havido números maiores em junho, o pior não passou e, caso não haja mudanças na gestão do problema, a tendência é que os casos continuem aumentando no Brasil. “Em março, eu honestamente pensava que o Brasil aprenderia com os outros lugares, São Paulo começou a quarentena cedo, e eu tive, talvez, a ingenuidade de pensar que não chegaríamos a mil casos diários, como era na Espanha e na Itália. Mas começamos a perceber governos encarando a quarentena como solução e não como um jeito de conter casos para se chegar a uma solução”, diz.
E completa: “Flexibilizar as medidas de mitigação enquanto estamos na parte crescente de casos ajuda o vírus a se proliferar ainda mais. Como cidades diferentes têm momentos epidêmicos diferentes, não há conselho geral. Mas, na parte ascendente da curva, todo o esforço deve ser concentrado para mitigá-la”.
Questionado pela reportagem, o Ministério da Saúde não apontou motivos específicos para o aumento do número de casos no Brasil em junho. A pasta ressaltou que cabe a governadores e prefeitos estabelecer medidas de controle e que o pico da pandemia deve chegar em momentos diferentes para cada região.
Em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (1º), o secretário de Estado de Saúde de Minas, Carlos Eduardo Amaral, disse que é natural que a pandemia de um vírus com alto índice de transmissão se acelere ao longo do tempo.
“Em junho, temos progressão que se faz com um desenvolvimento da própria epidemia e o que precisamos para evitar que ela efetivamente venha a ser progressão geométrica com acréscimo muito grande de casos é o distanciamento. No último mês, tivemos também aumento de testagem com testes rápidos, que abriram testagem para um grupo que não estávamos testando anteriormente, e isso se manifestou através do aumento de casos notificados”, detalhou. Amaral disse, ainda, que, na última semana de junho, houve mudança metodológica na forma de alimentar os bancos de dados da secretaria e, com isso, aumento pontual de casos
Esta reportagem foi atualizada às 13h55 de 1º de julho de 2020