Falta álcool em gel, sobram passageiros e aglomerações. Andar nos ônibus do transporte coletivo de Belo Horizonte virou um desafio diante do medo de contrair o novo coronavírus para cerca de 518 mil usuários por semana na capital. As reclamações dos passageiros e as fiscalizações levaram a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) a aplicar 5.669 autuações às concessionárias de ônibus da capital entre os dias 27 de março e 9 de junho. A média é de três por hora.
Em março passou a vigorar a primeira regra determinando medidas de limpeza e distanciamento que deveriam ser adotadas pelas empresas. Elas foram atualizadas, e, atualmente, está em vigor o Decreto 17.362/2020. Nesta semana, a reportagem de O TEMPO foi às ruas de BH e viu os problemas dos passageiros. Muitos não têm alternativa de deslocamento a não ser usar os coletivos.
“Eu peguei o ônibus 1509 (Califórnia/Tupi), e tinha álcool em gel, mas superlotado, com muitos idosos. E peguei o 3054 (Milionários/Centro), não tinha álcool em gel, muito cheio, e o ônibus ainda quebrou. Nós tivemos que descer e pegar outro coletivo, que surperlotou também”, contou a professora Cleonice Oliveira dos Santos, 46.
No ponto de ônibus da avenida Amazonas, próximo à praça Sete, na região Centro-Sul, estava Glaucimara da Consolação, 35. Ela precisa do transporte coletivo diariamente para trabalhar e disse sentir medo. O filho, de 3 anos, e a mãe, de 67, da doméstica estão no grupo de risco da Covid-19.
“Não tem como não pegar ônibus. Eu saio para trabalhar porque eu preciso, mas eu tenho uma idosa em casa e uma criança de 3 anos com diabetes”, afirmou. Glaucimara contou que a única solução, nesse caso, é se proteger. “Sempre uso máscara. Eu chego em casa e faço a minha parte. Roupa e sapato ficam do lado de fora, aí vou direto pro banho”.
Outro lado
Apesar das reclamações, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (SetraBH) afirma que foram instalados recipientes com álcool em gel 70% em toda a frota, nas bilheterias e nas linhas de bloqueio das estações. Além disso, o sindicato informou que o número de veículos disponibilizados e a quantidade de viagens atendem a demanda de passageiros de BH. Atualmente, conforme o SetraBH, são realizadas 15 mil viagens por dia.
A frota tem 2.853 ônibus, porém só 1.700 – 60% do total – estão sendo utilizados. Antes da pandemia, eram feitas cerca de 24 mil viagens para uma média semanal de 1,2 milhão de passageiros. “Hoje, o sistema opera com cerca de 40% do número de passageiros que utilizavam o transporte coletivo antes da pandemia”, justificou o sindicato em nota.
Empresas ainda podem recorrer
A Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans) informou que as autuações aplicadas às concessionárias do transporte coletivo por descumprimento do Decreto 17.362/2020, que estabelece procedimentos a serem seguidos pelas concessionárias de ônibus da capital, ainda não viraram multa (de R$ 539,50) porque estão no período de recurso. Segundo a BHTrans, contados todos os prazos para aplicação das multas, esse processo pode durar mais de 200 dias.
Ainda conforme a BHTrans, diariamente, agentes estão monitorando e fiscalizando todas as estações de ônibus da capital e em pontos de observação nos itinerários para garantir o cumprimento do decreto municipal. “O monitoramento acontece 24 horas por dia, por meio das câmeras do COP”, diz em nota.
Especialistas sugerem comitê
Entre os especialistas há o consenso de que as superlotações não podem ocorrer em meio à pandemia e que é preciso um diálogo mais amplo entre empresas de ônibus, prefeitura e profissionais da saúde. Para o engenheiro de transporte e professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ronaldo Guimarães Gouvêa, o ideal para o desenvolvimento de medidas mais eficazes contra o problema seria a criação de um comitê de gestão.
“É preciso sentar, BHTrans, concessionárias e infectologistas, para discutir quais são os valores de risco toleráveis. Além disso, qual é o quadro de horário compatível com esses valores e, a partir daí, fazer uma avaliação do quadro operacional com a visão de ampliar e reduzir as viagens de acordo com a necessidade”, explica.
Para o especialista, a estratégia também consiste em fazer uma avaliação contínua dos indicadores para manter ou alterar as estratégias de combate à superlotação. “A reavaliação pode ser feita de dez em dez ou de 15 em 15 dias para ajustar os parâmetros”, completa.
Para o professor e especialista em transporte e trânsito Márcio Aguiar, há um descompasso na comunicação da BHTrans com as empresas de ônibus, já que o número de viagens só pode ser aumentado de acordo com a orientação da empresa de autarquia. “A BHTrans tem uma equipe técnica muito boa, mas que não está fazendo o dever de casa. Se no horário de pico está se observando um aumento da demanda, tem que aumentar o número de viagens”, afirma.
Outra bandeira defendida pelo especialista é que, assim como em São Paulo, haja um subsídio da prefeitura para se investir no transporte.