Recentemente, novos livros que discutem a questão da escravidão no Brasil têm sido publicados. O que isso representa a seu ver? Não adianta falar de escravidão e depois, em seguida, fazer de conta que o Brasil é “patrimonial” e que o problema do país é a corrupção só na política. Essa foi a história que a “elite do atraso”, junto com seus intelectuais e sua imprensa, para enganar o povo e negar nossas verdadeiras origens e nossos verdadeiros problemas. Antes de meu próprio trabalho, apenas Gilberto Freyre havia posto a escravidão como centro da explicação dos problemas brasileiros. Mas o havia percebido sob o ponto de vista do dominador, como algo benigno e até positivo. O que fiz foi perceber o ponto de vista do dominado, e não apenas sua exploração econômica, mas também sua humilhação. E, acima de tudo, o “prazer na humilhação” do frágil e oprimido que as classes superiores de sociedades com passado escravocrata desenvolvem.
A sociedade brasileira mantém a escravidão apenas localizada no passado, portanto? Precisamente. Este é ponto. Todo o tema da corrupção, da política e as ideias correlatas de patrimonialismo e populismo para explicar o Brasil, como defendi (no livro “A Elite do Atraso”), foram desenvolvidas para secundarizar a escravidão e a miséria do povo brasileiro. É a “elite do atraso”, ou seja, os proprietários e ricos que controlam a mídia e a informação, que têm interesse em dizer que o roubo não é deles, da elite, mas sempre de “outros”. É para isso que as ideias de patrimonialismo e populismo servem: esconder a escravidão e criar o “bode expiatório” perfeito na corrupção só da política como problema principal, para tornar invisível a rapina econômica da elite brasileira associada aos interesses americanos. Com isso, se pode retirar a autoestima de um povo ao associálo à corrupção como algo genético e cultural. Um povo sem autoestima é um povo facilmente manipulável. De modo consciente ou inconsciente, no fundo isto não importa, os intelectuais brasileiros produziram uma “sociologia do vira-lata”, do brasileiro como corrupto e inconfiável, como se isso fosse uma herança portuguesa. Na verdade, somos filhos da escravidão, e não de Portugal, onde não havia escravismo.