Depois da curva da estrada sempre tem um palco, um violão. Foi assim no Rio Grande do Sul, em Goiás, em Mato Grosso do Sul e em São Paulo. Só nesta semana. E será assim nesta sexta-feira (5), em Belo Horizonte. Depois da capital mineira, onde toca no Grande Teatro do Sesc Palladium, às 21h, com ingressos esgotados, o caminho dá na Bahia, e, no domingo, São Paulo surge novamente no trecho, desta vez para a festa do Bom Jesus de Tremembé.
“Hoje estou em casa”, diz Renato Teixeira, 77, num breve momento de folga, entre uma jornada e outra. “Mas nesses dias todos tenho viajado bastante. Fico até sem saber direito o roteiro”.
O compositor sempre gostou da estrada. Após a seca de shows no período mais tenso da pandemia, Renato agora pode voltar a se apresentar pelo Brasil. Em BH, ele esteve há poucos meses – em novembro passado, para ser mais preciso – com o espetáculo “Um Poeta e um Violão”.
A agenda cheia está longe de ser um problema para o cantor: “É o meu trabalho. Se eu não gostar, estou ferrado. A estrada é uma coisa meio inevitável, não tem jeito. Mas é muito bom, não reclamo, sempre fui da estrada”.
Renato caminha pelo país com o show “Romaria”. Acompanhado por uma banda, o cantor deixou o formato voz e violão de lado. “Romaria” foi composta e lançada em 1977 primeiro por Elis Regina, no disco “Elis”, e se transformou num tremendo sucesso. Um ano depois, Renato a enfileirou entre as 12 faixas do álbum que carrega no título o nome da canção. O autor se inspirou na basílica de Aparecida, em São Paulo, e na devoção dos romeiros para compor os versos que se tornaram clássicos da música popular brasileira. Criado em Taubaté, o cantor foi muitas vezes ao Santuário Nacional de Aparecida.
Quarenta e cinco anos depois, “Romaria” carrega um simbolismo tão forte que parece espelhar a própria noção de fé do povo brasileiro. “Quando eu compus, não pensei que aconteceria isso com a música; mesmo quando a Elis gravou, não imaginei que iria emplacar como emplacou. Ela se manteve e deixa de ser uma simples canção para ter outra abrangência, se transforma no cantar dos romeiros. É uma canção que se presta muito bem a isso”, pontua Renato Teixeira. No repertório que ele apresenta em BH, sucessos como “Amora”, “Frete”, “Tocando em Frente” e “Amanheceu, Peguei a Viola” estarão no setlist.
Da safra mais recente, as parcerias com Fagner, que aparecem no disco “Naturezas”, de maio, vão render um show à parte para a gravação de um DVD. O single “Vinte Vinte”, lançado há duas semanas, também fica para uma próxima parada.
Cheia de bossa, a canção fala de um Brasil que deixou de existir, um Brasil de Tom Jobim, Glauber Rocha, Moraes Moreira, Luiz Gonzaga, Mazzaropi, Elis, Aldir Blanc, Garrincha, Belchior e Celly Campelo, citados na letra, cujos versos entrelaçam memórias, saudades e homenagens: “Você viu, de repente ele sumiu no ar/ Foi embora e não quer mais voltar/ Dizem que ele fugiu/ Pode ser que cansou, que perdeu a fé/ Desistiu, se irritou e se desmanchou/ Não mais Carnaval, nem tem mais axé, pois é”.
“‘Vinte Vinte’ é uma realidade, agora existe outro Brasil. Algumas coisas vão ficando pra trás e são irreversíveis. É um novo mundo que está aí, o que nós fomos e não somos mais. Fomos um país maravilhoso, mas parece que agora estamos um pouco em baixa. Isso depois passa, e a música acompanha isso com seus altos e baixos”, diz Renato.
Participação especial em “Pantanal”
Recentemente, Renato Teixeira fez uma participação especial em “Pantanal”. Na primeira fase da novela, Chico Teixeira, músico e filho do compositor, interpretou o peão Quim. Em um pulo de 30 anos na trama, Renato foi o responsável por dar vida ao personagem. A cena foi ao ar em maio.
Em uma cadeira de balanço, ele toma um gole de cachaça antes de pegar o violão e tocar “Amizade Sincera” para homenagear o falecido amigo Tião (Fábio Neppo). O compositor gostou da experiência. “Foi uma grande surpresa. Não é minha praia, mas fiquei bastante seguro. Tenho dificuldades para decorar texto, mas a equipe me ajudou muito”, ele diz.
Quem tem feito muito sucesso em “Pantanal” é Isabel Teixeira, também filha de Renato. Atriz com uma longa trajetória no teatro, ela estreou em novelas da Globo na pele da médica Jane, de “Amor de Mãe”. Agora, com sua Maria Bruaca, Isabel alcançou o público com a popularidade do folhetim das 21h. “Ela já era uma atriz bem-sucedida não só atuando, mas codirigindo e escrevendo. Já rodou o mundo: França, Japão, Rússia, tudo quanto é canto. Ela também tem uma editora, adora livros e escreve muito bem”, conta, orgulhoso.
Nos capítulos que foram ao ar durante esta semana, Isabel soltou a voz e cantou “Meu Primeiro Amor” com Almir Sater ao violão – o músico, grande amigo e parceiro de Renato Teixeira, interpreta o chalaneiro Eugênio – e “Romaria”. “Ela canta muito bem, eu queria que ela fosse cantora”, revela Renato, para depois constatar: “Perdi uma companheira de palco, mas o Brasil ganhou uma grande atriz”.
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