Celeuma

Nome de Elizabeth Bishop como homenageada da Flip gera polêmica

Muitas pessoas foram às redes sociais questionar a escolha, lembrando que a autora teria se manifestado a favor da ditadura no Brasil

Por Estadão Conteúdo
Publicado em 26 de novembro de 2019 | 20:21
 
 
 
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São Paulo. Considerada uma das principais poetas recentes dos Estados Unidos, a escritora Elizabeth Bishop foi anunciada anteontem como a escritora homenageada da 18ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que será realizada de 29 de julho a 2 de agosto de 2020. É a primeira vez que um nome estrangeiro será celebrado pelo evento literário. 
 
A escolha de uma autora não brasileira, poeta e pouco afeita a questões políticas contrasta com o homenageado da edição de 2019, Euclides da Cunha. A obra do autor de “Os Sertões” trouxe carga política à festa. Para o ano que vem, porém, a curadora Fernanda Diamant preferiu outro caminho. 
 
"Além de ser uma das grandes autoras do século XX, ela tem um olhar estrangeiro e conflituoso em relação ao Brasil”, justificou Fernanda, responsável pela programação pelo segundo ano seguido.
 
Bishop viveu 20 anos no país, de 1951 a 1971, com temporadas no Rio de Janeiro, em Petrópolis, na serra fluminense, e em Ouro Preto, na região Central de Minas. Ela também manteve um relacionamento com a arquiteta Lota Macedo Soares, responsável por criar o parque no aterro do Flamengo, no Rio. Nascida em 1911 e falecida em 1979, ela teve quase toda a vida dedicada à poesia, mas publicou só cerca de cem poemas. 
 
“Fora isso, a Flip foi criada por uma estrangeira”, acrescenta Diamant, lembrando Liz Calder, britânica que foi uma das idealizadoras do evento.
 
Polêmica. A defesa da curadora se deve à repercussão e à resistência causadas pela escolha de Bishop, sobretudo nas redes sociais. Em outubro, Ancelmo Gois, em sua coluna no jornal “O Globo”, antecipou que a poeta seria a homenageada da próxima Flip, o que foi desmentido na época pela organização. “Naquele momento, ainda estávamos trabalhando com três nomes”, conta Fernanda. 
 
A resistência partiu de três grupos em especial. Primeiro os nacionalistas, que reclamaram do nome estrangeiro. “A Flip sempre traz muitos estrangeiros, e Bishop observou o que se passava por aqui. Não vamos tirar os olhos do país”, afirma Fernanda.
 
A segunda resistência veio de quem esperava um autor mais ligado a causas identitárias – caso de Carolina Maria de Jesus, por exemplo, que coroaria anos de esforços da Flip para se tornar mais diversa e menos elitista. “A programação não vai abandonar o que está sendo feito, independentemente do homenageado. No caso da Bishop, ela é uma poeta homossexual, embora isso não tenha sido a razão central da escolha”, diz Fernanda.
 
Por último, um terceiro grupo lembrou o apoio de Bishop ao golpe militar de 1964. Na época, em cartas ao escritor americano Robert Lowell, a poeta afirmou que havia ocorrido uma “revolução rápida e bonita” no Brasil e que a suspensão de direitos “tinha de ser feito, por mais sinistro que pareça”.
 
“Era um momento de muita polarização. Essas opiniões vinham da turma com quem ela andava por aqui – o que chocou alguns amigos americanos, todos eles democratas, como ela”, conta Paulo Henriques Britto, que traduziu cartas e poemas de Bishop no Brasil.

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