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Secult anuncia retomada das publicações do Suplemento Literário

Um dos mais importantes cadernos culturais do país, periódico, que completa 54 anos nesta quinta-feira (3), estava parado há mais de um ano

Por Bruno Mateus
Publicado em 03 de setembro de 2020 | 12:25
 
 
 
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O clima que paira nesta quinta-feira, 3 de setembro, data em que o Suplemento Literário de Minas Gerais (SLMG) completa 54 anos, é de comemoração comedida. Criado em 1966 pelo escritor Murilo Rubião (1916-1991), o caderno se tornou uma das mais importantes publicações culturais do país e, ao longo dos anos, reuniu em suas páginas nomes fundamentais da literatura mineira e brasileira, como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Fernando Sabino (1923-2004), Guimarães Rosa (1908-1967), Clarice Lispector (1920-1977), Lygia Fagundes Telles e Rubem Fonseca (1925 - 2020).

No entanto, o periódico (acesse aqui as edições digitais disponíveis) chega ao seu aniversário sem publicar um único volume impresso há dois anos - o último foi rodado em julho de 2018 - e, desde o segundo semestre de 2019, não tem sua edição digital produzida. Em meio à situação de penúria, a Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) informou a retomada da publicação.

Em nota enviada na tarde de quarta-feira (2), a Secult comunicou que estão previstas quatro edições do periódico para 2020, a primeira ainda neste mês dedicada ao autor mineiro Adão Ventura (1939-2004), e as outras duas em outubro e novembro. Em dezembro, um caderno especial, com versão impressa, será publicada como parte das comemorações aos 300 anos de Minas Gerais. O volume vai celebrar os poetas inconfidentes e a história da literatura mineira. A Secult afirma que o retorno das edições bimestrais do Suplemento Literário já está previsto para 2021.

Sobre a suspensão das edições desde o ano passado, o órgão estadual diz que isso aconteceu “em virtude da necessidade de uma readequação orçamentária, o que impactou nas publicações que compreendem os meses de setembro/outubro e novembro/dezembro”. Em 2020, ainda segundo a nota, a pandemia também provocou efeitos na continuidade da publicação, que tem um custo anual de R$ 150 mil.

“A Secult reforça a importância do Suplemento Literário para o fomento da Literatura em Minas Gerais, preservando a memória do Estado, bem como formando novos públicos de leitores. A iniciativa é fundamental para exaltar e evidenciar o belo e rico repertório literário de Minas para o Brasil”, diz o comunicado.

A notícia chega como um alento, ainda que pequeno, para a equipe que bravamente tem tentado dar continuidade aos trabalhos. Atualmente, a outrora volumosa equipe do Suplemento Literário se resume a duas pessoas: o diretor e editor Jaime Prado Gouvêa, que ocupa o cargo desde 2009 em sua quinta passagem pelo jornal, e João Barile, redator desde 2011. Segundo Prado Gouvêa, a situação se agravou quando a Imprensa Oficial foi extinta em setembro de 2016 na reforma administrativa ainda no governo de Fernando Pimentel (PT).

O diretor diz que o contrato com a gráfica, por exemplo, terminou há dois anos e uma nova licitação ainda não foi aberta. O mesmo acontece com o serviço de diagramação, parado há um ano - por esse motivo, nem as edições digitais têm sido publicadas. “Conseguimos atravessar a ditadura, vencemos a censura, agora chegamos na burocracia, que está nos matando. É muita tradição jogada fora”, comenta Prado Gouvêa.

Ele recebeu a notícia da retomada do Suplemento nesta quarta-feira (2). Para ele, a decisão do governo do Estado vem em boa hora, mas ele prefere não se empolgar e aguarda a continuidade para os próximos anos: “Pelo menos mexemos alguma coisa, para quem estava há tanto tempo parado já é um alento”.

“Sou um otimista. Estamos vivendo um momento estranho no Brasil, mas essas coisas vão passar. Tomo o trabalho no Suplemento como uma missão, me sinto honrado de fazer parte dessa trilha”, destaca o redator João Barile.

Meio literário repercute

A paralisação das atividades no SLMG mexeu com o escritor e jornalista belo-horizontino Humberto Werneck. Num misto de indignação e tristeza, ele publicou, na última terça-feira (1º), uma crônica no jornal “O Estado de S. Paulo” intitulada “Aniversário no Escuro”. Werneck, no fim dos anos 60, fez parte da equipe do Suplemento como colaborador e, posteriormente, na função de redator, em seu começo no jornalismo sob o precioso comando de Murilo Rubião.

“Foi preciso trocar Belo Horizonte por São Paulo, em maio de 1970, e depois viver por alguns anos na Europa, para me dar conta de que o nosso jornal tinha mais prestígio e admiradores fora de Minas Gerais. Seria bom que o atual governo estadual soubesse disso, e permitisse que o Suplemento Literário, até para honrar a tradição, recupere a visibilidade que já teve”, diz um trecho da crônica.

O jornalista, advogado e escritor Angelo Oswaldo foi editor do Suplemento entre 1971 e 1973. Para ele, a situação pela qual ainda passa o importante caderno cultural de Minas Gerais é mais um capítulo de um desastre em curso no país. “Há todo um processo de decadência das instituições e dos programas culturais em Minas e no Brasil. Estamos vivendo um período terrível para a cultura pelo tratamento que os governos conferem ao setor por se acharem completamente dominados pelo obscurantismo”, afirma o ex-secretário de Cultura de Minas Gerais.

Em depoimento a O TEMPO, Humberto Werneck pensa em dias melhores: “Posso estar sendo ingênuo, mas tenho esperança de que o governo de Minas acorde para a necessidade de fazer viver de novo, e com o vigor que merece, esta criação mineira que em mais de meio século construiu um prestígio e um respeito que vão muito além das fronteiras estaduais”.

Suplemento Literário: prestígio nacional e internacional

A importância do Suplemento Literário de Minas Gerais, que completa 54 anos nesta quarta-feira (2) em um momento delicado - está há dois anos sem ser publicado em sua versão física e desde meados do ano passado sem sua versão digital - atravessa as décadas e as fronteiras - reais ou imaginárias.

Ao trazer reportagens, entrevistas, ensaios, críticas, poesia e depoimentos, o periódico ultrapassava as pautas da literatura e mergulhava no diálogo com o cinema, o teatro, a música e as artes plásticas. O SLMG também rompeu os limites geográficos e alcançou reconhecimento e prestígio em outros Estados e países. 

“O Suplemento sempre teve ligação com muitas áreas e até hoje a gente tenta usar essa fórmula que o Murilo (Rubião) tinha de unir o velho e o novo, de publicar textos de pessoas consagradas e de outras que nunca foram publicadas. Ele era muito aberto, despido de preconceito. O jornal deu tão certo porque teve e tem essa capacidade de mesclar a tradição com a novidade”, comenta João Barile. 

Para Angelo Oswaldo, a linha traçada por Murilo Rubião sempre foi mantida no sentido de que “o Suplemento não é apenas uma reunião de escritores, poetas e ensaístas, mas um espaço em que podemos identificar novos valores das artes”. 

Editor do Suplemento em um período importante - 1971 a 1973 - de reconhecimento, ele também ressalta a importância do periódico para toda uma geração de escritores e leitores: “Havia um movimento literário jovem gravitando em torno do Suplemento e a figura central era o Sérgio Sant’Anna (1941-2020). Ele foi o grande autor da nossa geração”, aponta o escritor. Adão Ventura (1939-2004), Humberto Werneck, Jaime Prado Gouvêa, Luiz Vilela, Wander Piroli (1931- 2006) e muitos outros escritores são dessa chamada “Geração Suplemento”. 

Após 50 anos, Angelo Oswaldo se recorda de duas passagens marcantes como editor do periódico. “Receber o poeta Murilo Mendes (1901-1975) na redação do Suplemento em 1972 foi um privilégio, senti como um reconhecimento à qualidade do caderno. E quando conheci o Julio Cortázar (1914-1984), ele me disse que a primeira vez que se leu em português foi nas páginas do Suplemento”, relembra.

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