“Estamos em estado de coma induzido”, é o que diz, em tom de voz baixo, quase inaudível, o escritor Jaime Prado Gouvêa, de 76 anos, do outro lado do telefone. Ele se refere à atual situação do “Suplemento Literário de Minas Gerais” (“SLMG”), criado por Murilo Rubião (1916-1991) em 1966 e que ao longo de seus quase 56 anos, que se completarão em setembro, se tornou uma das mais importantes publicações literárias do país, reunindo em suas edições figuras do peso de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e muitas outras, mas também abrindo as portas para iniciantes e nomes menos consagrados.
Só que os áureos tempos dos cadernos mensais impressos, devorados com gosto e curiosidade por milhares de leitores, foram dando lugar a contínuos baques e cortes de verbas, até que a circulação mensal ou até mesmo bimestral – impressa ou virtual – foi paulatinamente paralisada. Há um ano e meio, o “Suplemento Literário” não dá o ar da graça. Para contar os capítulos da novela é preciso voltar um pouco no tempo.
Em setembro de 2020, O TEMPO, por ocasião do aniversário de 54 anos do “SLMG”, publicou uma matéria sobre a falta de circulação do periódico, que não tinha um volume impresso desde julho de 2018. A edição digital, naquela oportunidade, não era produzida desde o segundo semestre de 2019. Diante dos questionamentos da reportagem, a Secretaria de Cultura e Turismo de Minas Gerais (Secult) informou a retomada da publicação.
Em nota, a Secult comunicou o lançamento de quatro edições ainda para aquele ano. Foram lançadas, no formato virtual, três edições especiais sobre os escritores Adão Ventura (1939-2004), Sebastião Nunes e Rui Mourão no último trimestre de 2020. Em dezembro, foi a vez de um caderno especial, com versão impressa e online, ser publicado como parte das celebrações aos 300 anos de Minas Gerais. E só. A promessa do retorno das edições bimestrais do “Suplemento Literário” para 2021, feita pela Secult naquele setembro de 2020, ficou apenas nas palavras de uma nota institucional.
A crise do “Suplemento Literário”, cujo agravamento remonta à extinção da Imprensa Oficial, órgão responsável pela impressão do periódico, em setembro de 2016, na reforma administrativa promovida pelo governo de Fernando Pimentel (PT), é um desalento para Jaime Prado Gouvêa.
Integrante da chamada “Geração Suplemento”, do início dos anos 1970, Prado Gouvêa é o atual diretor e editor do SLMG, cargo que ocupa desde 2009. Esta é sua quinta passagem pelo jornal. “O ‘Suplemento’ está parado”, ele ressalta. Segundo o escritor, na gestão de Romeu Zema (Novo), que assumiu o Estado em janeiro de 2019, não houve renovação do serviço de diagramação do “SLMG”, e o esvaziamento da equipe é um problema que atravessa os últimos anos da revista literária.
“Éramos eu, Barile e mais cinco funcionários. Ficamos eu, Barile e só mais um, todos os outros foram demitidos. Hoje, o ‘Suplemento’ está lotado na Biblioteca Pública, que também perdeu um monte de gente. Está tudo muito precário na Secretaria de Cultura”, critica Prado Gouvêa.
“De forma concreta, a única coisa que esse governo fez foi a edição dos 300 anos de Minas. Os outros números (Adão Ventura, Sebastião Nunes e Rui Mourão) já estavam prontos. O governo só faz promessas, de efetivo não há nada. O projeto é matar o ‘Suplemento’ por inanição”, diz uma fonte ouvida pela reportagem, que preferiu não se identificar.
Segundo Jaime Prado Gouvêa, o ideal, hoje, é que o “Suplemento Literário” tenha seis edições anuais, além de dois números especiais. “Esperança que eu tenho é que um dia aconteça (a retomada), não posso entregar os pontos. O ‘Suplemento’ era respeitado no Brasil inteiro, mas agora está caindo no esquecimento. O governo economiza em cima da cultura, mas o ‘SLMG’ é barato para os cofres do Estado”, diz Prado Gouvêa. Em 2020, o custo anual do “Suplemento Literário” era de R$ 150 mil.
Acesse as edições digitais do Suplemento Literário
Redator da publicação desde 2011, João Barile reforça que o tradicional caderno tem de ser preservado: “Com mais de meio século de existência, o ‘SLMG’ é uma referência para a cultura brasileira: Rosa, Drummond, Clarice ou Sabino são apenas alguns dos nomes que publicaram no jornal. O ‘Suplemento’ é uma instituição de Estado”.
Referência
A escritora e fotógrafa Branca Maria de Paula tem sentimento semelhante. Ela começou a trabalhar na Imprensa Oficial, órgão do Estado responsável pela impressão do “Suplemento Literário”, no início dos anos 1980 para ocupar o cargo de assessora de Murilo Rubião, que se afastou algum tempo depois por motivos de saúde.
No “SLMG”, Branca publicou contos e participou de várias coberturas fotográficas. Tempos que deixaram saudade: “O ‘Suplemento’ tinha um alcance imenso, circulava não só na capital, mas nas cidades pequenas, era vendido nas bancas e distribuído nas escolas. Era uma referência, um farol em termos de literatura e educação”.
Hoje, o saudosismo se mistura ao desgosto. “É o sentimento que me causa ao ver o ‘Suplemento’ agonizando. Nós, escritores, jornalistas, professores, leitores, sentimos um desconforto imenso. Esse descaso com a publicação e o desprezo pela cultura é um retrato lamentável do nosso Brasil de hoje”, afirma a escritora.
Ao trazer reportagens, entrevistas, ensaios, contos, crônicas, críticas e poesia, o “Suplemento Literário” ultrapassava as pautas da literatura e mergulhava no diálogo com o cinema, o teatro, a música e as artes plásticas. Presidente da Academia Mineira de Letras, o jornalista e advogado Rogério Tavares diz que o “SLMG” conseguiu ultrapassar as fronteiras de Minas e ter repercussão nacional ao longo de seus quase 56 anos, firmando-se “como uma publicação literária de alto padrão, de primeira linha, que deu voz e vez a autores consagrados e iniciantes, a prosadores e poetas, a ensaístas e a críticos”.
Para o acadêmico, a circulação regular do caderno “faz uma falta danada”, deixa Minas mais pobre e deixa os mineiros órfãos de uma fonte preciosa de pesquisa e de consulta. “Todos os esforços precisam ser feitos para que o suplemento volte firme e forte, fiel ao seu destino”, sublinha Tavares.
Secult anuncia edição inédita
Em nota enviada a O TEMPO, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) cita a Resolução Conjunta SEGOV-SECGERAL-AGE 1/2022, sobre as vedações que precisam ser observadas em ano eleitoral. “Uma nova impressão e publicação do caderno está suspensa em 2022, por não terem sido realizadas publicações do ‘SLMG’ em 2021, ano anterior às eleições”, diz o texto. A Secult, no entanto, não respondeu por que a promessa feita em setembro de 2020, sobre a retomada bimestral do Suplemento, não foi cumprida.
O comunicado diz ainda que o Conselho Editorial do “Suplemento Literário” trabalha atualmente em uma edição inédita e comemorativa ao centenário da Semana de Arte Moderna. A Secult diz que o número especial será lançado nas versões impressa e digital após o encerramento do pleito eleitoral. Também serão impressos, segundo a nota, os volumes em homenagem aos escritores Sebastião Nunes, Rui Mourão e Adão Ventura.
A Secult pontua que foi lançado o projeto #tbtsuplemento, “que semanalmente traz recortes de publicações históricas nas redes sociais, no perfil @bibliotecaestadualmg”, com o objetivo de manter viva a memória do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Por fim, o texto informa que estudos já foram iniciados em parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEE) para garantir, caso Romeu Zema (Novo) seja reeleito, “a manutenção e continuidade do Suplemento Literário, a partir de 2023, com previsão de distribuição da publicação para todas as escolas do Estado”.
Confira a íntegra da nota enviada pela Secult:
“Em relação à demanda enviada, a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) esclarece que, em dezembro de 2020, uma edição especial do ‘Suplemento Literário de Minas Gerais’ (“SLMG”) foi publicada, nos formatos impresso e digital, em função das comemorações da efeméride de 300 anos do Estado. O conteúdo foi distribuído a diversas instituições, bem como para o público, sendo esta a última distribuição impressa do SLMG.
Conforme orienta a Resolução Conjunta SEGOV-SECGERAL-AGE 1/2022, o ano eleitoral traz uma série de vedações que precisam ser observadas pela administração pública. Uma nova impressão e publicação do caderno está suspensa em 2022, por não terem sido realizadas publicações do SLMG em 2021, ano anterior as eleições. Uma vez, sendo de caráter obrigatório para execução, projetos de continuidade.
Com o intuito de manter viva a memória do ‘SLMG’, foi lançado o projeto #tbtsuplemento, que semanalmente traz recortes de publicações históricas nas redes sociais, no perfil @bibliotecaestadualmg.
A Secult esclarece, ainda, que o Conselho Editorial do “Suplemento Literário” está trabalhando em uma edição inédita, que será lançada após o encerramento das eleições. Esta edição especial do ‘Suplemento Literário de Minas Gerais’ será uma comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna e será lançada nas versões impressa e digital.
Além desse exemplar inédito, a Secult está preparando a impressão de três edições especiais que foram disponibilizadas apenas em formato digital. As publicações são homenagens aos escritores Sebastião Nunes, Rui Mourão e Adão Ventura.
E, com a proposta de fomentar a literatura no Estado, a Secult já iniciou estudos de uma parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEE) para a manutenção e a continuidade do ‘Suplemento Literário’, a partir de 2023, com previsão de distribuição da publicação para todas as escolas do Estado.”