Dentro da discussão sobre as formas para adaptar o espaço urbano às mudanças climáticas, alguns especialistas citam o modelo de cidade-esponja. O conceito criado pelo chinês Kongjian Yu é um dos mais conhecidos no mundo. Na prática, são projetadas infraestruturas verdes para ajudar na absorção da água, ao invés de depender totalmente do sistema de escoamento da cidade. Esse método ainda permite a reutilização da água. Além dos territórios chineses, a técnica se espalhou pelo mundo e chegou a Nova York (EUA). Em um parque nova-iorquino, margeado pelo grande rio Hudson, a água pode passar por canos subterrâneos que a despejam em um grande pântano, repleto de plantas nativas que apreciam água salgada. O fundo desse sistema é como uma esponja que absorve a água e evita que ela escoe pelas ruas.
A Europa, continente com o maior ritmo de aquecimento no planeta, volta sua atenção para acelerar os esforços de adaptação do território à nova realidade climática. Dentre as práticas adotadas, estão a construção de diques e represas, instalação de dispositivos antienchentes e o reaproveitamento de técnicas tradicionais de construção. Segundo a Agência Europeia do Ambiente (AEA), todos os Estados-membros da União Europeia já implementaram alguma estratégia para adaptação às mudanças do clima. Roterdã e outras cidades na Holanda construíram centenas de diques que controlam o fluxo de água no entorno da cidade, com sistemas de monitoramento. Santander, na Espanha, possui uma rede de mais de 20 mil sensores conectados, formando uma espécie de "cérebro artificial" que permite a visualização antecipada de inundações em determinadas áreas, e consequentemente a ativação precoce de planos de ação específicos.
Na Eslováquia, a cidade de Bratislava tem desde 2016 um sistema de financiamento para que casas e empresas adotem medidas que aumentem a resistência da cidade às fortes chuvas. O programa, que oferece um subsídio de 50% - até o máximo de EUR 1.000 (cerca de R$ 5.500) por candidatura, já beneficiou mais de mil projetos, incluindo reservatórios de captação de águas pluviais, jardins em telhados e ações de drenagem urbana.
Como anda o Brasil
Apesar de não possuir os mesmos recursos ou estruturas parecidas com as de países europeus, asiáticos ou dos EUA, algumas cidades brasileiras já aderiram a algumas técnicas de enfrentamento das emergências climáticas. Belo Horizonte, São Paulo e Niterói (RJ) são alguns dos exemplos de locais que possuem jardins de chuva e áreas permeáveis. Inclusive, na quinta-feira (16/5), a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) publicou no Diário Oficial do Município (DOM) um decreto que cria o “Programa Adote um Jardim de Chuva”.
O documento prevê que cada imóvel que adotar um jardim de chuva terá desconto de até 10% do valor anual do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ou Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), limitado a R$ 2 mil. O decreto estipula como jardins de chuva as “áreas vegetadas construídas sobre o solo e que têm por finalidade prestar serviços ecossistêmicos ao ambiente urbano, inclusive o de contribuir para a infiltração e retenção do escoamento superficial da água de chuva”.
De acordo com a professora de biologia e sustentabilidade do UniBH Fernanda Raggi, ações pontuais, como a incentivada pela prefeitura de BH, são bem recomendadas pela Organização das Nações Unidas (ONU). “A instalação de jardins de chuva auxilia na redução do volume de escoamento das águas pluviais e evita os alagamentos em áreas urbanas. Outra boa alternativa é a criação de telhados verdes, que favorece o isolamento térmico e o equilíbrio da umidade relativa do ar.”
Fernanda ressalta a necessidade de as cidades estarem preparadas para os eventos climáticos extremos, que segundo ela, se tornarão ainda mais frequentes no Brasil. “Os municípios precisam, antes de mais nada, planejar o processo de expansão respeitando as Áreas de Preservação Permanente (APPs), em margens de rios e topos de morros, além das Áreas de Reserva Legal (ARL), que devem ser mantidas em locais rurais. Ainda, seria interessante aumentar as faixas de vegetação preservadas em áreas de cursos d’água, para que as construções tenham maior distanciamento das margens de rios.”
No entanto, a especialista destaca que no caso de cidades que são atravessadas por rios, é necessário criar espaços, de modo a dar fluidez à vazão natural, por meio dos alargamentos de canais e criação de áreas de expansão para a água durante enchentes. “São as chamadas planícies de alagamento, para evitar o escoamento superficial denominado ‘runoff’, que causa as inundações. Ou seja, ações contrárias às já presentes nas cidades brasileiras, em que as margens dos cursos d’água são “achatadas” e os leitos reduzidos com impermeabilização.”
Questionada sobre como a capital mineira seria afetada em caso de receber um volume de chuva, como o que caiu em Porto Alegre, Fernanda diz que a topografia seria um agravante para BH. “Em Porto Alegre, o relevo plano distribui de forma horizontal o escoamento da água de chuva, com força menor, mas em uma área maior afetada. Devido ao relevo acentuado de BH, as águas atingem as regiões próximas aos fundos de vale com uma velocidade maior, uma vez que tendem a escoar para os cursos que estão canalizados, impermeabilizados, sem absorção do solo, o que acaba direcionando o volume para as galerias subterrâneas, atingindo o limite de preenchimento delas e levando às enchentes.”
“Brasil não está preparado”
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em entrevista nesta semana à AFP, afirmou que o Brasil não está preparado para enfrentar os eventos climáticos. “O que estamos fazendo não é suficiente. A lição que eu tiro - do desastre no Rio Grande do Sul - é a de que vamos ter, além de mitigar, que nos adaptar, porque as mudanças climáticas já chegaram. Existem 1942 municípios vulneráveis, não na mesma intensidade. As políticas públicas, em alguns casos, significam ter uma infraestrutura resiliente, fazer remoção de população, criar sistemas agrícolas que sejam mais regenerativos, recuperar a mata ciliar na margem dos rios e ter planos para fazer o gerenciamento do risco, não apenas do desastre.”