Em meio aos contornos das montanhas da Serra do Curral, os prédios luxuosos - e imponentes - de Nova Lima chamam a atenção de quem passa pela divisa da cidade com Belo Horizonte. Quem chega aos bairros Vila da Serra e Vale do Sereno percebe o crescente volume de condomínios que reúnem apartamentos requintados com custo de até R$ 20 milhões. 

Os valores dos imóveis são tão altos, que isso se reflete na arrecadação do município. Em um universo de quase 130 bairros, Vila da Serra e Vale do Sereno, somados ao Vale dos Cristais, são responsáveis por 30% da arrecadação de Nova Lima com o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), conforme a prefeitura. 

Entre 2020 e 2023, o Executivo municipal, inclusive, registrou um aumento de R$ 3 milhões com a cobrança do tributo nos três endereços. O valor é resultado de áreas residenciais em que o metro quadrado construtivo se aproxima dos R$ 16 mil - mesmo patamar do Itaim Bibi, um dos bairros mais sofisticados de São Paulo.

Além de ter a maior renda per capita do Brasil, Nova Lima é a cidade mineira com maior Índice de Progresso Social, segundo um estudo da Harvard Business School
Além da maior renda do país, Nova Lima é a cidade mineira com o maior Índice de Progresso Social, conforme estudo da Havard Business School

Essa região de Nova Lima materializa o estudo “Mapa da Riqueza’, da Fundação Getúlio Vargas, divulgado em 2023. A pesquisa, feita com dados de declarações do Imposto de Renda e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), apontou Nova Lima como a cidade de maior renda média do país. Por lá, foi identificado um rendimento médio da população de R$ 8,9 mil, para um patrimônio líquido que se aproxima dos R$ 2 milhões.

Mas a concentração de riquezas não significa, propriamente, que a chamada “parte rica” do município não enfrente problemas. Gargalos históricos como a mobilidade urbana permanecem, em meio à expansão cada vez mais acelerada da região. Junto às dezenas de condomínios em construção e prestes a ser entregues, obras de empreendimentos comerciais e educacionais vão se unindo à área, pressionando ainda mais o tráfego.

Exemplos são os Colégios Bernoulli e Logosófico. As duas instituições têm intervenções em andamento para abrir unidades no Vale do Sereno e Vila da Serra, respectivamente. No caso do Bernoulli, as aulas devem ser iniciadas, gradualmente, em 2025, da educação infantil ao ensino médio.

Obras do Bernoulli, no Vale do Sereno
Obras do Bernoulli no Vale do Sereno

“O Colégio Bernoulli chega ao Vale do Sereno, em Nova Lima, para integrar a comunidade, proporcionando o que muitos pais e estudantes procuram: nosso ensino de excelência em um espaço amplo e completo, que também fortaleça as relações sociais e o esporte”, disse Marcos Ragazzi, diretor executivo das unidades escolares do Bernoulli Educação. A chegada de opções de educação à região vira uma alternativa aos atuais e futuros moradores que não desejam fazer o deslocamento até Belo Horizonte ou à MG-030, onde há uma unidade do Santo Agostinho. 

O corretor de imóveis Ronaldo Roscoe, que atua nos bairros há mais de dez anos, destacou a crescente comercial e de serviços principalmente no Vale do Sereno, onde há uma disponibilidade maior de terrenos à venda ou já cercados para início das construções, conforme observado pela reportagem.

O profissional afirma que o alto valor não repele os clientes. Ao contrário disso, os lançamentos recentes registram grande número de procura e vendas em pouco tempo. Roscoe citou ainda uma tendência que vai se consolidando na região: de grandes edifícios que mesclam residências a partir do segundo andar e lojas comerciais no térreo. 

“É um bairro planejado, onde se tem uma qualidade de vida muito grande e com muita estrutura da parte comercial para acontecer. O que está pronto hoje, é tudo comercial. Daqui cinco anos, haverá, certamente, uma estrutura comercial pronta”, opinou o corretor sobre o Vale do Sereno. 

Demanda diversificada 

Para atender uma demanda crescente e cada vez mais diversificada, a região concentra apartamentos para todos os tipos - mas não para todos os bolsos. Com preços a partir de R$ 1 milhão, os imóveis podem ser de um, dois, três, quatro e até cinco quartos. Um exemplo dessa diversidade é o Quatro Ventos da PHV Engenharia.

Os apartamentos têm mais de 750 m², heliponto, elevadores para veículos e garagem dentro dos imóveis com duas vagas, quadras de tênis e squash e academia e são vendidos a R$ 12 milhões. O empreendimento leva a assinatura do arquiteto Gustavo Penna. 

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Renato Michel, avaliou que as pessoas que têm buscado os empreendimentos do tipo em Nova Lima se interessam, justamente, pela variedade de atrativos.

“Em Nova Lima há terrenos maiores, em que as construtoras conseguem agregar mais lazer nos empreendimentos. Está vinculado ao custo de vida, mas há também um aspecto relacionado à qualidade de vida”, disse Michel. 

Terrenos vagos são alvo de queimadas no Vale do Sereno
Terreno ainda vago no Vale do Sereno é alvo de queimadas

Apesar da expansão imobiliária intensa, ambientalistas demonstram preocupação com o avanço da construção civil sobre os bairros que estão cercados por vegetação. O presidente da Associação para Proteção Ambiental do Vale do Mutuca (Promotuca), Pedro Lima, diz que a consolidação urbana impacta os recursos naturais.

Um dos problemas mais latentes é sobre a fauna da região. Para preservar os animais, a associação tem conversado com empreendedores e moradores para evitar muros em terrenos vizinhos às áreas de preservação, por exemplo. 

“Eles estão entendendo a importância dessa área que deve ser preservada, ficar sem muro para garantir a passagem dos animais, garantindo assim a conectividade do corredor ecológico. Estamos construindo isso com diálogo. Infelizmente algumas pessoas falam que vai desmatar, que vai acabar com tudo, e aí precisamos judicializar”, garantiu. 

Fuga da capital

Não há dados oficiais sobre a naturalidade e rotina profissional de quem mora nos bairros Vila da Serra, Vale do Sereno e Vale dos Cristais. Mas quem comercializa os imóveis crava que os bairros são ocupados, majoritariamente, por quem trabalha ou possui compromissos diários em Belo Horizonte. A explicação passa pelos modelos das construções, segundo o corretor de imóveis Ronaldo Roscoe. 

Ronaldo Roscoe é corretor na região e afirma que procura por imóveis é intensa na região
Ronaldo Roscoe destaca a procura intensa por imóveis, mesmo com os preços elevados

“Não há nada parecido com essa região em Belo Horizonte. Onde mais se aproxima ao perfil dos empreendimentos do Vila da Serra, por exemplo, talvez seja a Barra da Tijuca no Rio de Janeiro. São grandes áreas de lazer, às vezes mais de uma torre e com uma estrutura completa. Boa parte dos condomínios chamamos de resort, porque o lazer é semelhante ao de um clube, o paisagismo é parecido com o de hotel, além dos serviços agregados”, exemplificou o corretor de imóveis Ronaldo Roscoe. 

Presidente do Sinduscon, Renato Michel atribuiu o fenômeno a uma dificuldade maior de construção de imóveis em BH. Conforme o representante do setor, o Plano Diretor da capital apresenta restrições que acabam encarecendo os empreendimentos.

Outro ponto, destaca, é o IPTU que, segundo o presidente do Sinduscon, acaba tendo um preço até 10% mais baixo em Nova Lima. “Existe um erro nessa política que acaba levando o morador a tomar essa decisão de ir para Nova Lima, mesmo estudando e trabalhando em BH, mas que vão para outra cidade por, às vezes, falta de opção”, observou. 

Em Nova Lima, a prefeitura está realizando a revisão do Plano Diretor e as premissas não indicam que haverá uma mudança brusca nas regras atuais. O Executivo informa que desenvolvimento sustentável, preservação ambiental, diversificação econômica, mobilidade e qualidade de vida vão se aliar a conceitos modernos de urbanismos e incentivos aos usos mistos e maior aproveitamento da infraestrutura existente estão sendo trabalhados dentro na nova proposta. 

Trânsito é gargalo histórico 

Se a construção civil e diversos setores da economia avançam para Nova Lima, o trânsito nos bairros localizados na entrada do município é um problema histórico. Para quem sai de Belo Horizonte com destino à cidade, por exemplo, a BR-356, passando pelo Trevo do BH Shopping, para chegar à MG-030, é a principal rota.

Para quem sai do Vila da Serra, o caminho passa por vias importantes do bairro como a Alameda do Morro e ruas Severino Melo Jardim e Jornalista Djalma Andrade. Diretor-comercial adjunto da Patrimar em Minas, Wallace Teixeira destacou que a região do Vila da Serra e Vale do Sereno é um foco de atuação da companhia para os próximos anos, como já feito historicamente.

No entanto, os problemas de mobilidade acabam levando dúvidas aos clientes. “É algo que o cliente acaba questionando muito e, dificilmente, conseguimos tirar um cliente que está em Lourdes para vir para cá (Nova Lima)”, disse o diretor que citou como positivo o acordo firmado, em junho, pelos Ministérios Público de Minas Gerais (MPF), Público Federal (MPF) e prefeituras de Nova Lima e BH para ações conjuntas de resolução dos problemas de mobilidade na região. 

Moradora do Vila da Serra há 15 anos, a engenheira civil Adriana Buratto afirmou ter preocupação com a expansão da região. “Não temos estrutura para tanto metro quadrado de concreto. O ponto mais crítico hoje é na Alameda do Morro, no final do Vila da Serra, e não vejo nenhuma preocupação da prefeitura para melhorar a mobilidade urbana ali”, criticou. 

Procurada, a prefeitura de Nova Lima informou que tem três grandes projetos para a região. Um deles é a avenida de ligação entre a MG-030 e o Jardim da Torre, com prazo de entrega em um ano. O executivo também citou o viaduto Ferradura, que vai ligar a estrada à BR-040, sem que seja necessário passar pelo trevo do BH Shopping, projeto pendente de avaliação ambiental. 

 

A prefeitura ainda destacou a via parque na linha férrea, alvo do acordo com o MPMG e MPF. “Visa a proteção da área verde na região e autoriza o desenvolvimento dos estudos técnicos para viabilizar o parque linear em conjunto com uma solução de mobilidade para a região. Esta via, quando efetivada, será conectada a avenida de ligação MG/30 – Jardim da Torre se tornando uma solução essencial para a mobilidade de toda a região, favorecendo não apenas os nova-limenses, mas também os moradores de Rio Acima e Raposos”, complementou a prefeitura.