BRASÍLIA - A relação entre Brasil e Estados Unidos ficou fragilizada desde a posse de Donald Trump, em janeiro, por causa do alinhamento político oposto ao do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A crise, no entanto, se agravou no último fim de semana.
No domingo (6), líderes do Brics divulgaram uma carta repudiando o “aumento indiscriminado” de tarifas, “na forma de protecionismo sob o disfarce de objetivos ambientais, ameaça reduzir ainda mais o comércio global, interromper as cadeias de suprimentos globais e introduzir incerteza nas atividades econômicas e comerciais internacionais”.
A carta gerou uma reação imediata de Trump. Após reclamar publicamente nas redes sociais, ele anunciou na terça-feira (8) que pretendia aplicar “muito em breve” uma tarifa de 10% a qualquer país que integre o Brics, grupo de economias emergentes. Integram ele: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.
“Qualquer país que fizer parte do Brics receberá uma tarifa de 10%, apenas por esse motivo”, disse a jornalistas na Casa Branca. Os “tarifaços” passaram a ser prática de Trump desde que retornou ao comando do governo dos EUA, no início deste ano.
Apoio a Bolsonaro
Um dia antes, na segunda-feira (7), Trump deu outra cartada que antecedeu a decisão por mais um tarifaço, confirmado somente na quarta-feira (9). Pelas redes sociais, ele declarou apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado. A ação é relatada pelo ministro Alexandre de Moraes.
O republicano afirmou que Bolsonaro “não é culpado de nada” e sofre uma “caça às bruxas”. “O único julgamento que deveria estar acontecendo é um julgamento pelos eleitores do Brasil — chama-se eleição. DEIXE BOLSONARO EM PAZ!”, escreveu em suas redes sociais.
Logo em seguida, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) declarou: "O que posso dizer é que esta não será a única novidade vinda dos EUA neste próximo tempo".
Eduardo deixou o Brasil e foi aos EUA em março deste ano em busca de sanções contra autoridades, especialmente contra Moraes, por processos contra sua família. Ele, inclusive, virou alvo de inquérito por suposto ataque à soberania nacional.
A manifestação de Trump também gerou reação do governo Lula. O próprio presidente da República afirmou, por meio de nota, que “a defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros”.
“Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”, completou.
A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, já tinha se posicionado. Ela criticou a postura do presidente dos Estados Unidos e destacou que "Trump está muito equivocado se pensa que pode interferir no processo judicial brasileiro”.
A situação levou à aprovação, pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara, de uma moção de louvor a Trump. Em meio à crise, a homenagem foi proposta pelo líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ).
Ele justificou que o líder dos EUA tem um "brilhante trabalho desenvolvido como presidente da maior nação e pela incansável luta em defesa da democracia e da liberdade de expressão em todo o planeta".
Tarifa de 50%
Na quarta-feira, Trump assinou uma carta endereçada diretamente a Lula em que citou Bolsonaro como um “líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos”. Também declarou que a forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente “é uma vergonha internacional”.
Em seguida, Trump anunciou uma tarifa de 50% a partir de 1º de agosto sobre todas as exportações brasileiras enviadas para os EUA, além das outras taxas já existentes. Ele atribuiu a medida a dois fatores. O primeiro, ao que chamou de “ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres”.
O segundo, “à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos”, citando decisões do STF para que plataformas digitais retirem do ar conteúdo considerado criminoso. Para Trump, porém, as ordens se tratam de “censura” e são “ilegais”.
Trump também alegou razões comerciais e ameaçou outro revide a Lula: “Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos”.
Reação de Lula
Logo após a chegada da carta, Lula reuniu sua equipe ministerial para discutir uma reação. O presidente brasileiro também emitiu nota e afirmou que o aumento unilateral das tarifas será respondido "à luz da lei brasileira de reciprocidade econômica".
A Lei da Reciprocidade permite ao Brasil adotar medidas equivalentes contra países que elevam tarifas unilateralmente. Ou seja, o país tem legitimidade para devolver as mesmas sanções aos EUA.
O presidente frisou que “o Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém” e que o processo sobre a suposta trama golpista “é de competência apenas da Justiça brasileira”.
Lula também disse que “a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática” em redes sociais.
“No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira”, escreveu.
Convocação do Itamaraty
O Ministério das Relações Exteriores convocou o encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, para prestar informações sobre a carta de Trump, que ainda não convocou o novo embaixador brasileiro desde que voltou à Casa Branca.
O encontro emergencial foi conduzido pela secretária de América do Norte e Europa do Itamaraty, Maria Luisa Escorel. Ao ser questionado por ela, Escobar confirmou o teor da carta e reafirmou os ataques feitos por Trump ao STF em relação a processos envolvendo Bolsonaro e as redes sociais.
O governo brasileiro "devolveu" a carta de Trump, em um ato simbólico. Escorel e Escobar se reuniram por duas vezes no mesmo dia. O primeiro encontro emergencial tinha sido sobre uma manifestação da Embaixada dos EUA no Brasil em defesa de Bolsonaro.
“Jair Bolsonaro e sua família têm sido fortes parceiros dos Estados Unidos. A perseguição política contra ele, sua família e seus apoiadores é vergonhosa e desrespeita as tradições democráticas do Brasil. Reforçamos a declaração do presidente Trump. Estamos acompanhando de perto a situação”, afirmou a representação diplomática americana.
Repercussão no agro
Todo o caso gerou reações, inclusive de setores ligados a Bolsonaro. Um deles foi o agronegócio, que pode sofrer prejuízos financeiros com a tarifa de 50% anunciada por Trump. Na lista de produtos mais exportados, estão óleos brutos, café e carnes.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifestou preocupação e afirmou que a medida “representa um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países”.
“A nova alíquota produz reflexos diretos e atingem o agronegócio nacional, com impactos no câmbio, no consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras”, informou a FPA, acrescentando que a resposta deve ser feita de forma “firme e estratégica”.
O grupo que representa o agro no Congresso Nacional completou que “é momento de cautela" e que “a diplomacia é o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas”.