O anúncio feito por Donald Trump, nessa quarta-feira (16/7), na plataforma Truth Social, sobre uma possível mudança na fórmula da Coca-Cola nos Estados Unidos reacendeu o debate sobre o uso de açúcar de cana no país e levantou expectativas no setor sucroenergético brasileiro. Segundo o republicano, a multinacional concordou em substituir o xarope de milho de alta frutose (HFCS) por açúcar de cana nas bebidas comercializadas em solo americano. A empresa, porém, ainda não confirmou a alteração.
Se a mudança realmente ocorrer, o Brasil, maior produtor e exportador mundial de açúcar de cana, poderá se beneficiar. Porém, segundo Mário Campos, presidente da Associação da Indústria da Bioenergia e do Açúcar de Minas Gerais (SIAMIG Bioenergia), isso só será possível se houver alterações nas tarifas de importação dos EUA — que podem se tornar ainda mais altas após 1º de agosto. “O anúncio tem um potencial de crescimento, mas, no curto prazo, até pensando nas últimas tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, não vejo oportunidade para o açúcar brasileiro lá”, afirmou.
O presidente lembra que o xarope de milho é muito utilizado nos Estados Unidos por conta da proteção ao setor agrícola local. “Eles protegem muito seus produtos de origem agrícola. Com o açúcar não é diferente. Eles estabelecem uma cota de 1,6 milhão de toneladas no mundo todo sem tarifa. O Brasil tem 150 mil toneladas dessa cota. Todo o restante paga uma alta tarifa: US$ 350 por tonelada. Hoje a tonelada de açúcar custa US$ 400, então para entrar nos Estados Unidos, você paga US$ 400 mais US$ 350”, detalha.
Campos destaca ainda que o Brasil produz cerca de 44 milhões de toneladas de açúcar ao ano, sendo 10 milhões destinados ao mercado interno e 34 milhões à exportação. “Para que a mudança nos EUA impactasse significativamente o setor, o país precisaria abrir espaço para importar ao menos entre 1 milhão e 2 milhões de toneladas do produto brasileiro.”
Ainda segundo Campos, apesar de a média anual de exportação brasileira para os EUA girar em torno de 300 mil toneladas — incluindo a cota e uma parte de açúcar orgânico —, nos últimos dois anos o Brasil exportou volumes fora da média: 1 milhão de toneladas por ano. Isso ocorreu devido a problemas internos de produção nos EUA e no México, principal fornecedor do mercado americano, que elevaram os preços e tornaram viável, mesmo com tarifa, importar o produto brasileiro.
“Foi coisa só dos dois últimos anos. O açúcar no mercado interno ficou com preço muito alto, e aí percentualmente essa alta tarifa ficou baixa e entrou o açúcar brasileiro lá”, contextualiza. Para que a exportação em larga escala se torne prática, Campos defende uma negociação com o governo americano. “Só com uma extensão da cota americana para o Brasil ou a redução da tarifa para um patamar onde de fato dê arbitragem para a exportação, isso seria possível”, afirma.
O consumo de açúcar nos EUA
No Brasil, diferentemente dos EUA, grande parte das bebidas adoçadas leva açúcar proveniente da cana. O mesmo acontece no México, Reino Unido e Austrália. Inclusive, a Coca-Cola mexicana costuma ser vendida por um preço mais alto nas lojas americanas sob o argumento de ser mais saborosa. “Quando você vai na gôndola do supermercado, você vê a distinção de produtos com açúcar de cana, inclusive com a descrição no rótulo. Há uma preferência por parte dos consumidores pelo açúcar de cana, porque eles julgam ser mais natural ,” realça.
Campos acredita que, se a Coca-Cola realmente alterar sua fórmula, o movimento pode se espalhar. “Se está acontecendo com a Coca, pode acontecer com outros produtos da própria marca, como a Pepsi, por exemplo, e vir a ser uma tendência substituir o xarope de milho por açúcar”, destaca.
Impactos da substituição nos EUA
Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde dos Estados Unidos, junto ao movimento Make America Healthy Again ("Torne a América saudável novamente", em tradução livre), tem pressionado as empresas a retirarem de seus produtos ingredientes como o xarope de milho, óleos de sementes e corantes artificiais, por considerá-los associados a diversos problemas de saúde. O secretário também tem se posicionado contra os altos níveis de consumo de açúcar entre os americanos, pretendendo revisar em breve as diretrizes alimentares nacionais.
No entanto, a possível substituição do xarope de milho por açúcar de cana levanta preocupações no setor agrícola. Para os produtores de milho dos EUA, a mudança pode trazer impactos econômicos negativos. John Bode, presidente e CEO da Associação de Refinadores de Milho, alertou em comunicado que “substituir o xarope de milho com alto teor de frutose por açúcar de cana custaria milhares de empregos americanos na fabricação de alimentos, reduziria a renda agrícola e aumentaria as importações de açúcar estrangeiro, tudo isso sem nenhum benefício nutricional”.
Reflexos do tarifaço no Brasil
O anúncio de Trump sobre a Coca-Cola também surge em meio à escalada de tensões comerciais com o Brasil. O presidente prometeu um tarifaço de até 50% sobre todos os produtos importados do Brasil. Conforme Mário Campos, isso pode inviabilizar, inclusive, a cota atual de exportação de açúcar e afetar o envio de etanol ao mercado americano — setor no qual Brasil e EUA são concorrentes diretos. “Pode dificultar a pequena cota de exportação atual de açúcar, porque a tarifa cai sobre o valor da cota, que era pra ser tarifa zero e vira 50%”, alerta.
Ainda assim, o especialista vê espaço para diálogo. "Numa possível negociação envolvendo açúcar e etanol, pode ser que surja uma oportunidade para a gente ocupar um espaço maior no mercado americano", afirmou.