Lares de idosos passaram por uma transformação nos últimos anos. Se antes as casas muitas vezes se assemelhavam a clínicas de saúde, com perfil social, hoje é mais comum a existência de locais se pareçam com hotéis ou casas super aconchegantes. Esse tipo de empreendimento, especificamente as instituições de longa permanência de idosos (ILPI), virou um nicho de mercado e tem atraído cada vez mais investidores que apostam na economia prateada. Eles entenderam que os residenciais para idosos não são mais o último recurso no cuidado sênior e têm se tornado a primeira opção para diversas famílias.
Trata-se de um setor que dá sinais de crescimento no Brasil nos últimos anos. Um documento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que considera os Censos IPEA 2008-2010 e FN-ILPI 2021, mostra que, de 2010 a 2021, o número de ILPI aumentou de 3.548 para 7.029. Esse crescimento de 146% teria sido provocado principalmente pela oferta de ILPIs privadas, segundo o documento.
A gerente de indústria, comércio e serviços do Sebrae Minas, Márcia Valéria Cota Machado, lembra que, após regulamentações a respeito das ILPI, entre elas a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 502/2021 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o mercado para as empresas privadas tornou-se mais atrativo. “Com esse movimento de abertura de mercado, elas cresceram, principalmente pós-pandemia”, afirma.
De acordo com o dado mais recente levantado pelo Sebrae junto à Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI (Frente-ILPI), no Brasil, estimam-se cerca de 9.000 unidades espalhadas pelo país, incluindo públicas e privadas. Sendo 1.150 em Minas, e cerca de 280 só em BH.
Perfil mudou e atraiu até franquia
“Quando a gente surgiu, a maior demanda era de idosos acamados que viveriam por três meses antes de falecer. Há 11 anos, (o lar de idosos) era a última opção da família que não tinha mais condição de prestar o cuidado necessário. Com o tempo, isso foi mudando. As pessoas vêm hoje para o nosso tipo de residencial com algum tipo de dependência, como alguém que já não pode viver sozinho, mas já não é mais a última opção, é a primeira”, revela Pedro Moraes, sócio-fundador e diretor financeiro do Terça da Serra Residencial Sênior.
O Terça da Serra, uma rede de franquias, é um dos exemplos de mudança do perfil dos residenciais e do interesse nesse nicho. A empresa surgiu em 2014, quando a esposa de Pedro montou o lar pensando no avô. Ela queria algo que não parecesse hospital tampouco um hotel cinco estrelas. A ideia era deixar o idoso viver em um verdadeiro lar. A primeira unidade, em Campinas (SP), abriu espaço para outras. Em pouco tempo, amigos viram potencial no negócio e quiseram investir, e Pedro estruturou a ideia de franquia. Hoje são 2.500 idosos assistidos, a maioria com mais de 80 anos e algum nível de dependência, em 105 unidades em todo o Brasil - com previsão de chegar a 130 até o fim do ano.
O investimento na franquia parte de R$ 900 mil, podendo chegar a R$ 1,5 milhão, dependendo do número de leitos e moradores (o que inclui custo de obra para adequação dos espaços). O negócio inclui quartos duplos ou triplos, casas com quintais, sala de TV, ambientes para interação e atividades, como fisioterapia, terapia ocupacional, musicoterapia, dinâmicas em grupo, atividades de reabilitação e estimulação para o corpo e a mente, além de alimentação balanceada. Famílias investem a partir de R$ 6.000 por idoso, dependendo do nível de assistência necessário.
Além da assistência 24 horas, o sócio-fundador pontua ainda a liberdade que o idoso tem no local, tanto para sair quanto para receber familiares, o que pode acontecer em qualquer horário do dia. “Antigamente, existiam lares em que as visitas eram de terça a quinta, das 14h às 15h30, ou seja, era mais um reforço para o abandono”, comenta.
O enfermeiro Enilmar Carvalho, de 49 anos, tornou-se franqueado do Terça da Serra após conhecer o modelo e se identificar com a proposta. “As ILPI eram uma tendência da sociedade, mas muitas deixavam a desejar”, afirma. Antes de investir em uma ILPI, ele tinha uma empresa de recursos humanos para contratação de enfermeiros, função que o aproximou dos lares de idosos, já que era contatado por eles com frequência. Enilmar conta que via muitas falhas nas ILPI e queria um negócio que as corrigisse. O Terça da Serra tinha a proposta ideal. “Fiquei encantado”, diz. A unidade do Coreu conta com 24 funcionários diretos, além dos terceirizados, e 28 residentes.
Investimento pesado
No bairro Santa Lúcia, região Sul de BH, o Aquarela Residencial Sênior é outro empreendimento que apostou nesse nicho de mercado. O imóvel recebeu um investimento de R$ 23 milhões para a estruturação do espaço, que hoje recebe 80 idosos, podendo chegar a 85, e conta com 115 funcionários. Recentemente foram investidos mais de R$ 1 milhão em uma expansão no local.
Um dos moradores do Aquarela é o senhor Celedonio Sousa Santos, de 94 anos, que vive no residencial há mais de dois anos. Seis meses após ficar viúvo, ele sofreu uma queda que resultou em uma fratura do fêmur, motivo que o levou para o Aquarela para se recuperar do acidente por um período. Celedonio acabou ficando, sendo hoje um dos hóspedes mais antigos.
“Eu adoro atividade física e aqui fui introduzido à fisioterapia. É algo muito bem estruturado, a equipe de fisioterapeutas é a melhor que já vi. Tem também opção de entretenimento e uma equipe muito acolhedora. Eu estou muito bem servido aqui”, relata.
Inaugurado em dezembro de 2021, o Aquarela conta com quartos duplos e individuais e oferece, além da assistência 24 horas, diversas atividades para os idosos. Por lá, são praticadas atividades diárias, segmentadas de acordo com o perfil cognitivo do idoso (respeitando, por exemplo, características físicas limitadoras). Entre elas, terapia, atividades manuais, como pintura e artesanato, jogos, aulas de culinária, socialização, musicoterapia, oficinas, dança, música e arte. Por lá acontecem ainda passeios externos, festas dos aniversariantes do mês e temáticas (Festa Junina, Carnaval). Aos fins de semana, a casa costuma ter ainda eventos com música ao vivo e almoço para receber familiares.
“Fizemos um estudo de mercado por três anos para criar este modelo, totalmente acessível, com projeto de iluminação, piso antiderrapante, acessibilidade de banheiro, ou seja, tudo que eles precisam”, comenta Juliana Araújo, diretora do Aquarela. Segundo ela, a empresa tem planos de expansão para mais uma unidade dentro dos próximos três anos.
Juliana pontua que, em muitos casos, o idoso depende de uma complexidade de cuidados e as ILPI vão oferecer um olhar técnico que a família não tem, além de assistência feita por uma equipe multiprofissional. “Antigamente, a questão do asilo era algo mais social, hoje já apresenta uma linha mais assistencialista, com foco na qualidade de vida”, opina Juliana. “Todos têm um plano individualizado, que é revisado a cada 6 meses, ou após algum evento agudo. Nós fazemos a pré-admissão, vamos até a residência, conhecemos a rotina, o dia a dia, a história da pessoa, tudo para que a equipe já esteja preparada para recebê-la”, detalha.
Por lá, o investimento gira em média de R$ 14.500. O local ainda oferece a opção de day use, quando o idoso vai apenas para passar o dia e participar das atividades.
ILPI com “cara” de lar é tendência entre os residenciais
Quando Arnaldo Rodrigues de Souza decidiu investir em uma ILPI ao lado da irmã, Selma Maria de Souza, eles tinham um propósito: oferecer um lugar com “cara” de lar, um espaço onde o idoso pudesse se sentir bem e em casa. Passaram cerca de um ano à procura de uma estrutura que se adequasse ao propósito, até que encontraram um imóvel que tinha sido um seminário de freiras no bairro Jaqueline, região Norte de BH. O local, que tem mais de 5.000 m², foi reformado e todo adaptado para receber os idosos. “Esse espaço transmite uma paz que não vi em lugar nenhum”, admira Arnaldo.
Aberto há cerca de quatro meses, o Coralma Residencial Sênior abriga hoje seis idosos e tem capacidade para 35. Cercado de área verde, a casa tem espaço aberto com pomar e piscina, além das áreas de convivência, onde são oferecidas diversas atividades - entre elas, musicoterapia e terapia ocupacional, além de mindfulness, uma técnica de meditação focada na atenção total ao presente (sensações, cheiros, ambiente etc), muito utilizada para exercitar a concentração. O espaço conta atualmente com dez funcionários (que vão aumentar à medida que novos residentes chegarem), entre eles uma enfermeira disponível todos os dias. Os idosos recebem ainda visitas médicas.
Na casa, o público 60+ também participa de festividades, como aniversários e festas temáticas, eventos abertos, inclusive, para receber a família. Aliás, este é um ponto importante, segundo Arnaldo. “É necessário o convívio, a família tem que estar presente, a família não pode pagar e sumir. Tem amor que só a família transmite”, pontua. As visitas familiares por lá também são abertas, sem horário delimitado.
Ele lembra que os residenciais hoje são também uma oportunidade para permitir ao idoso a convivência com outras pessoas da mesma faixa etária e a ter qualidade de vida. Em muitos casos, o familiar arca com o custo de cuidadores 24 horas para atendimento domiciliar. No entanto, é comum que o idoso fique limitado à convivência apenas com os parentes em casa, sem muitas atividades externas, inclusive porque muitos têm dificuldade de locomoção.
“Quando a gente era jovem, nós ficávamos no meio do nosso pessoal, de pessoas da nossa idade. Quando um idoso só fica em casa e perto de pessoas muito mais jovens que ele, ele fica excluído”, argumenta Arnaldo. Estudos apontam que o convívio social pode prolongar a vida do idoso, além de evitar quadros de depressão e demência.
Hoje, para morar no Coralma, o investimento é de cerca de R$ 5.700 para um quarto duplo, podendo chegar a R$ 9.000, dependendo do nível de assistência. Com um espaço já totalmente estruturado, a empresa tem ainda planos de expansão e de melhorias: aquecer a piscina para que as aulas de hidroginástica possam ser feitas em dias com pouco sol é uma ideia no horizonte.
Vale a pena investir em ILPI?
Com o envelhecimento da população e a expectativa de vida mais alta no Brasil, empresas e serviços voltados para a economia prateada têm sido cada vez mais comuns. Mas para investir em uma ILPI, especificamente, segundo a gerente do Sebrae Minas, Márcia Machado, é preciso se atentar à sustentabilidade do negócio. “Às vezes a pessoa está muito focada na questão da infraestrutura, da legislação, da modelagem e esquece da questão da qualificação e da gestão financeira do negócio”, diz.
“É extremamente importante ficar antenado nas tecnologias que hoje auxiliam na manutenção da casa, na forma de gerir esse tipo de estabelecimento. Você tem tecnologias que melhoram a qualidade de vida das pessoas que estão ali e reduzem custos desse tipo de negócio”, orienta.
A especialista lembra que as ILPI precisam ser um modelo de negócio atrativo. “Por isso eu falo da sustentabilidade, porque são vários pilares, principalmente o financeiro. Então, a orientação é criar alternativas e ficar atento às maneiras, principalmente utilizando tecnologia, de gerir de forma eficiente e sustentável uma casa”, diz. “É uma demanda grande de mercado, é um nicho interessante, mas que demanda uma atenção muito grande do empreendedor, de investimento de tempo e de profissionalização. Não pode ser aventureiro”, alerta.
ILPI x Asilo
ILPI: de acordo com a RDC Anvisa nº 502/2021, as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) são “instituições governamentais ou não governamentais, de caráter residencial, destinadas a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, com ou sem suporte familiar, em condição de liberdade e dignidade e cidadania”. Essa é a nomenclatura oficial, mas as ILPI também podem ser chamadas de lar de idosos, residencial sênior, casa de repouso, entre outras nomenclaturas.
Asilo: o dicionário Michaelis descreve asilo como “instituição de caridade ou de assistência social onde se recolhem crianças órfãs ou abandonadas para ser criadas e educadas, ou velhos, mendigos, inválidos, doentes mentais etc. para ser abrigados e sustentados”, apesar de o termo estar mais ligado à assistência para idosos. Ao longo do tempo, essa nomenclatura ganhou um sentido pejorativo, muito relacionado ao abandono familiar, sendo utilizada apenas no discurso informal.