Caso o Brasil não reverta a taxa adicional de 50% anunciada por Donald Trump nesta quarta-feira (9), através de uma negociação com os Estados Unidos, vários setores econômicos poderão ser severamente prejudicados - e não apenas aqueles ligados a petróleo, aço e café, que são alguns dos produtos mais exportados para a nação com o maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Tal taxação poderá impactar, sobretudo, a indústria e a agropecuária, de acordo com especialistas ouvidos por O TEMPO.
A grande questão está especialmente no argumento dado pelo presidente norte-americano para sobretaxar o Brasil - mesmo que os Estados Unidos tenham vantagem na balança comercial. Trump entregou uma justificativa política. Segundo ele, a taxa foi definida por causa das ordens judiciais que "censuram" as mídias sociais americanas e inibem a liberdade de expressão de cidadãos dos EUA.
E Trump ainda ameaçou subir mais a tarifa, caso o Brasil aumente as taxas sobre os produtos dos EUA. Porém, é bem possível que o Brasil assim o faça, porque em abril foi sancionada a Lei nº 15.122, conhecida como “Lei da Reciprocidade Econômica”, aprovada pelo Congresso Nacional.
“Essa medida anunciada pelo presidente Trump, além de ser um ataque comercial, abre um grave precedente político. Ao atrelar uma sanção tarifária a um processo judicial interno, os Estados Unidos extrapolam os limites das boas práticas diplomáticas e comerciais. O Brasil não pode aceitar tal motivo como pretexto para retaliações”, afirma Tania Cristina Teixeira, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon). Para a economista, o Brasil não pode se submeter a “pressões externas e interesses alheios ao nosso projeto de país”.
Por meio de nota, a Presidência da República afirmou que “qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica”. Disse ainda que o “Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém”.
De acordo com a presidente do Cofecon, Trump fala em déficits comerciais que não condizem com a realidade. "Segundo dados do próprio governo norte-americano, no comércio com os Estados Unidos, o Brasil teve um déficit de 7 bilhões de dólares em 2024 em bens - e, se contados bens e serviços, a conta de 2024 chega a um déficit de 28,6 bilhões de dólares, o que representa o terceiro maior superávit comercial dos Estados Unidos no mundo. Já em 2025, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o Brasil teve saldo negativo de R$ 650 milhões no primeiro trimestre do ano", explica Tania.
Decisão de Trump é ineficaz, diz especialista
Para Jackson Campos, especialista em comércio exterior, a taxação é completamente ineficaz para o objetivo de Donald Trump, que é pressionar os poderes Executivo e Judiciário no Brasil. "Ao vincular tarifas protecionistas norte-americanas a um julgamento no Brasil, o presidente Donald Trump sinaliza uma retaliação simbólica, mas que é totalmente ineficaz do ponto de vista prático. O Judiciário brasileiro é independente, e não se deixa influenciar por pressões externas desse tipo, sendo que quem perde é o povo americano, que nada tem com isso, e o empresário brasileiro, que terá que sobreviver com a insegurança jurídica e comercial", analisa Campos.
Para Thiago Eik, CEO da fintech Bankme, a decisão de Trump de aumentar a tarifa para produtos brasileiros pode impactar profundamente a economia brasileira e impactar o nível de desemprego, já que os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial do Brasil.
“Produtos como carne bovina, frango, soja, café e suco de laranja, que juntos representam quase metade das exportações para os EUA, terão suas margens dizimadas.E não é só no campo. Empresas como Vale e Gerdau, grandes nomes da mineração e da siderurgia, terão de arcar com um custo 50% maior por tonelada exportada. Isso significa menos receita, menos investimento e, sobretudo, menos empregos. Porque no fim das contas, é isso que está em jogo: trabalho. Essa medida atinge diretamente quem trabalha. As empresas precisarão cortar custos para sobreviver”, afirma o empresário, lembrando que, quando entram menos dólares no país, o câmbio aumenta - e, consequentemente, afeta a inflação.
A Câmara Americana de Comércio BR-EUA (Amcham Brasil) também acredita que um aumento significativo na tarifa pode “causar impactos severos sobre empregos, produção, investimentos e cadeias produtivas integradas entre os dois países”.
Mas não é somente a indústria brasileira quem sai perdendo nessa situação, mas também as empresas norte-americanas - especialmente porque o Brasil é um forte consumidor de tecnologia e máquinas dos EUA. Para Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional, essa decisão de Trump só vai afastar ainda mais os brasileiros dos produtos norte-americanos.
"Ultimamente o Donald Trump vem tentando criar portas de diálogo com diversos países, colocando aí tarifas extremamente altas para que esses países eventualmente busquem os Estados Unidos para fazer algum tipo de negociação que seja interessante para os Estados Unidos. Em 1970 isso funcionava muito bem, mas hoje os países, principalmente dentro de uma economia globalizada, simplesmente buscam novos parceiros. E o Brasil vem tentando se aproximar muito mais da China do que os Estados Unidos há bastante tempo", explica.