PÉ NO ACELERADOR, MÃO NO BOLSO

Motoristas de Uber trabalham mais de 50 horas semanais para ganhar R$ 2.500

Pesquisa de um grupo de estudos da UFMG, em parceria com o Dieese, traçou o perfil do motorista da Grande BH


Publicado em 11 de setembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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Gasolina, alimentação, internet, manutenção, prestação do veículo ou aluguel, higienização, seguro: os gastos para trabalhar como motorista de Uber são os mais variados possíveis. Na hora de calcular quanto se ganha trabalhando no aplicativo, motoristas precisam ficar atentos à matemática dos custos para saber exatamente quanto lucram com a atividade.

Uma pesquisa do Continente, um grupo de estudos e pesquisas geográficas da UFMG, em parceria com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos socioeconômicos (Dieese), mostra que, na região metropolitana de Belo Horizonte, motoristas de Uber recebem, em média, o valor bruto de R$ 6.488 por mês, mas só faturam líquido R$ 2.515

A pesquisa aponta ainda que a média de tempo trabalhado por semana como motorista chega a ser superior a 50 horas, ou seja, muito além das 44 horas semanais permitidas no caso de trabalhadores do regime CLT, por exemplo.

O motorista Felipe Duarte, de 35 anos, ativo na Uber desde 2018, conta que sai de casa para trabalhar às 14h, e só retorna por volta da meia noite. Morador de Ribeirão das Neves, ele se desloca até a região Central de BH para buscar corridas e se organiza para não ter gastos extras. “Eu já vou resguardado da questão da alimentação para evitar gastos na rua. Levo marmita, iogurte, biscoito”, conta. 

Por mês, Duarte revela que gasta entre R$ 1.500 e R$ 1.600 só de combustível. Somam-se a esse gasto, entre outras despesas, a manutenção do veículo (cerca de R$ 150), a conta de internet (R$ 90) e o INSS (R$ 71, como microempreendedor individual). Bruto, o motorista recebe com o aplicativo entre R$ 5.500 e R$ 6.000 por mês, no entanto, a renda líquida, segundo ele, chega a ser metade desse valor.

“O dinheiro que eu faço com a Uber hoje é, basicamente, mais para me manter do que qualquer outra coisa. Até pouco tempo atrás, ainda dava para ter alguma reserva, mas isso está ficando apertado”, relata. “É para manter o carro, os custos de casa e viver sem luxo, sem extravagância.”

Já o motorista Alessandro Cândido Ferreira, de 52 anos, usa o app para complementar a renda. Concursado, ele aproveita os momentos fora do seu horário habitual de trabalho para fazer corridas. Ele ainda divide o tempo entre a Uber e outros aplicativos de mobilidade, como a 99 e a Repmove.

Ferreira diz que gasta com combustível em torno de R$ 500 semanais, além de R$ 800 com manutenção do veículo a cada quatro meses e R$ 450 de seguro mensal. Sem revelar quanto ganha com o aplicativo, o motorista afirma: “não é suficiente para me manter”. 

O motorista observa ainda que as taxas cobradas pelo app também abocanham uma fatia gorda do faturamento. “Com altas taxas cobradas e corridas baratas, hoje, para trabalhar com aplicativo tem que selecionar as corridas, tanto que deixei de ser da categoria Diamante”, revela. A Uber possui um programa que categoriza os motoristas em níveis. Quando um motorista recusa ou cancela muitas viagens, ele acaba “perdendo pontos” e caindo nessas categorias.

Trabalhar como motorista implica todo tipo de risco

Além de botar os gastos na balança, os motoristas também precisam encarar desafios de segurança e condições adversas. Felipe Duarte conta que, em cinco anos de Uber, nunca teve problemas como assaltos ou furtos, mas houve situações em que se sentiu vulnerável. “Já passei por um acidente, há dois anos. Graças a Deus não estava com passageiro”, conta. Na ocasião, outro motorista atravessou uma parada obrigatória e bateu na lateral do veículo de Duarte. “Foi perda total no meu carro”, lembra.

Além do acidente, Duarte cita ainda situações corriqueiras de batidas como quebra de retrovisor e amassos no parachoque. “A partir do momento que a gente está na rua, está vulnerável a esse tipo de situação o tempo inteiro”, comenta. Alessandro Cândido Ferreira também pontua a questão do risco de trabalhar como motorista. “O maior risco é quando alguém pede Uber para outra pessoa sem conhecê-la”, diz.

A pesquisa

De acordo com Fábio Tozi, que coordenou o estudo "Dirigindo para a Uber" na UFMG, a ideia surgiu da falta de levantamentos sobre o assunto que abordassem os diversos aspectos do dia a dia do profissional. A pesquisa, que tem financiamento do Ministério Público do Trabalho (MPT), foi feita com 400 motoristas atuantes em BH e região. Para entrevistá-los, os pesquisadores chamaram corridas de pontos de embarque que costumam ter maior movimento e fizeram a enquete durante a viagem.

“A aceitação dos motoristas foi impressionante! A gente achou que teria muito problema, mas foi uma aceitação incrível. Inclusive, eles queriam falar coisas além do que era perguntado”, comenta Tozi. O coordenador explica que o questionário foi feito com perguntas de múltipla escolha. 

No questionário, os motoristas responderam, entre outras perguntas, sobre quais custos eram considerados despesas do próprio trabalho, como os motoristas organizavam a vida financeira, quanto tempo se dedicavam ao trabalho e quanto faturavam com a atividade.

Veja o que a pesquisa descobriu:

Consciência sobre despesas varia de acordo com a percepção do motorista: o levantamento mostra que quase a totalidade dos entrevistados (99,5%) considera o gasto com combustíveis uma despesa da própria atividade que exercem. Mas a opinião sobre os demais custos não é unânime. O segundo item mais considerado como despesa é a internet, com 82,5% das respostas (vale lembrar que os motoristas precisam de acesso à internet para usar o aplicativo). 

Outras despesas:

  • Manutenção do automóvel - 76,3%
  • Seguro do veículo - 70%
  • Alimentação - 68,6%
  • Lavagem do veículo - 64%
  • Prestação do automóvel - 40,5%
  • Aluguel do automóvel - 24,7%

Sete a cada dez motoristas usam a ferramenta como única fonte de renda: de acordo com o levantamento, 69,1% dos motoristas usam a Uber como única fonte de trabalho remunerado e 30,9% usam o aplicativo para complementar a renda de um ou mais trabalhos.

Maior parte dos motoristas são homens negros: a pesquisa aponta que a maioria dos motoristas é homem (96,3%), e, nesse grupo, 64,4% são negros. Dentre os autodeclarados pretos e pardos, quase metade dos motoristas entrevistados (48,5%) tinha menos de 40 anos. Já no grupo de motoristas brancos, adultos entre 40 e 59 anos representam 58%. Além disso, 13,8% eram idosos acima dos 60 anos.

Maioria está na Uber há mais de três anos: entre os entrevistados, 32,3% estão na Uber de 3 a 5 anos, número que reforça a percepção de uma categoria que marcha para uma consolidação no mercado, na visão dos entrevistadores.

Demais períodos de permanência:

17,3% - de 2 a 3 anos
13,4% - mais de 5 anos
13,4% - de 1 a 2 anos
9,8% - até 3 meses
8,7% - de 6 a 12 meses
5,1% - de 3 a 6 meses

Mais da metade dirige também com a 99: entre os entrevistados, 53,6% também dirigiam para a chinesa 99. Além disso, 17,5% integram também o corpo de condutores da InDrive.

Veja outros dados:

44,7% não contribuem para o fundo de Previdência Pública
98,3% não participam de associações ou sindicatos
94,7% trabalham no fim de semana
58,3% só param para fazer uma pausa “quando o corpo pede”

Uber contesta pesquisa

Em nota, a Uber criticou o número de motoristas entrevistados na pesquisa da UFMG e disse que o documento “tem lacunas na metodologia e resultados que não representam a realidade dos motoristas parceiros da Uber, o que é evidenciado por pesquisas realizadas com amostragem mais ampla e representativa da categoria”. “As estatísticas apresentadas foram calculadas a partir de questionário declaratório, sem cálculo probabilístico ou checagem de resposta”, informou em nota.

Fábio Tozi argumenta que o quantitativo (400 pessoas) foi suficiente para o tipo de levantamento realizado. “A Uber não disponibiliza a quantidade de motoristas que existem na região, por isso não tivemos parâmetro para fazer uma análise estatística, com probabilidade e amostras exatas”, explica. 

Outro ponto criticado pela Uber foi a apresentação dos custos da atividade. “Não há indicação de quais itens foram considerados para se chegar aos valores apresentados”, diz. A empresa aponta ainda o fato de o relatório evidenciar que os dados apresentam inconsistências nas respostas dos entrevistados quando os valores declarados por dia, semana e mês são comparados.

Tozi explica que as inconsistências constam da própria forma de trabalho dos motoristas, que organizam as contas de formas distintas. Por esse motivo, a pesquisa separou os resultados em dia, semana e mês.

Veja nota da Uber na íntegra:

"O documento do Observatório das Plataformas Digitais tem lacunas na metodologia e resultados que não representam a realidade dos motoristas parceiros da Uber, o que é evidenciado por pesquisas realizadas com amostragem mais ampla e representativa da categoria.

Além de considerar um grupo reduzido (apenas 400 pessoas) e sem desenho claro de amostragem para retratar o universo, as estatísticas apresentadas foram calculadas a partir de questionário declaratório, sem cálculo probabilístico ou checagem de respostas. 

Em relação aos custos da atividade, por exemplo, não há indicação de quais itens foram considerados para se chegar aos valores apresentados. O próprio relatório evidencia que os dados apresentam "imprecisões de controle e oscilações" e que foram encontradas "discrepâncias entre as apurações", ou seja, inconsistências nas respostas dos entrevistados quando comparados os valores declarados por dia, semana e mês.

Mesmo com essas falhas, o próprio trabalho reconhece que a renda líquida dos motoristas supera tanto o salário mínimo como a renda dos demais trabalhadores da região.

Uma pesquisa realizada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) a partir dos registros administrativos dos aplicativos (viagens efetivamente realizadas) calculou que os motoristas trabalham em média entre 22 e 31 horas semanais, e têm renda líquida entre R$2.925 e R$4.756 por mês. O trabalho do Cebrap se baseou também em 1.518 entrevistas, em amostra aleatória e representativa do 1,3 milhão de motoristas que trabalham com aplicativos no Brasil.

Outra pesquisa, realizada pelo Datafolha com uma amostragem representativa (1.800 motoristas), identificou que metade (48%) tem a atividade com aplicativos como complemento de renda. Entre os motivos mais importantes para dirigir, 85% consideram a flexibilidade e autonomia da atividade."

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