“O golpe está aí. Cai quem quer”, diz a frase que se tornou meme. Em um cenário em que, só em Minas Gerais, pelo menos quatro estelionatos virtuais são cometidos por hora, ela precisa ser atualizada, defende a gerente da Serasa, Camila Faiçal: “O golpe está aí e todo mundo cai”. Além de sofrerem prejuízos financeiros, as vítimas de golpes virtuais sofrem com o julgamento de conhecidos e, por vergonha, muitas deixam de denunciar os casos formalmente, o que dificulta que a polícia descubra detalhes sobre esquemas de estelionato. 

Quatro em cada dez brasileiros declaram já ter sofrido fraudes financeiras, segundo pesquisa da Serasa divulgada neste ano. Parte deles (39%), porém, não procuram nenhuma autoridade para denunciar. Além de uma noção de que uma investigação sobre os crimes não terá resultado, avaliam especialistas, o constrangimento inclusive dentro de casa é a primeira barreira para que as vítimas falem sobre o que sofreram. “A avó de um conhecido perdeu R$ 10 mil reais em um golpe, dinheiro que guardou a vida toda. Ela demorou quase cinco dias para contar para a família porque ficou com vergonha. A pessoa fica completamente abalada, os outros acabam julgando, mas todos estão suscetíveis a cair em um golpe”, sublinha Faiçal. 

Alguns golpes miram com mais atenção grupos específicos, como as ligações oferecendo falsos empréstimos consignados a aposentados. Mas qualquer um pode ser alvo de um leque de tentativas de estelionato virtual, como mensagens falsas no WhatsApp, clonagem de cartão na maquininha e boletos bancários enganosos.

“Ninguém cai em golpe porque quer. A sociedade acaba se divertindo, ‘tirando barato’ da cara da vítima. Falta entender que o golpe está muito além do crime. No golpe do romance [em que o criminoso finge se passar por outra pessoa e chantageia a vítima], muitas vezes a pessoa está em um processo de solidão, carência, no início de uma depressão. No golpe do falso empréstimo, a vítima está desesperada atrás de dinheiro. O estelionato vai direto na necessidade da pessoa, porque os criminosos têm noção da fragilidade dela”, completa a fundadora do Instituto GKScanonline, Glauce Lima, que presta suporte jurídico e psicológico a vítimas de golpes.

Ana*, uma telefonista que vive em Pouso Alegre, no Sul de Minas, foi vítima de um golpe que a fez perder quase R$ 18 mil. Após trocar mensagens e se envolver romanticamente com um homem no Instagram, que dizia viver no Canadá, acabou enredada em mentiras e transferindo o valor a pedido dele. Na verdade, ele era parte de uma quadrilha nigeriana especializada nesse tipo de estelionato, concluíram investigações particulares. 

“A gente se sente idiota, burra mesmo, quando descobre que caiu em um golpe. As pessoas nos julgam, perguntam como podemos cair em uma coisa dessas. Pouquíssimas pessoas sabem dessa história, porque não tive coragem de ficar contando até para não me expor”, conta ela. Hoje, após ter denunciado o caso à polícia, ela avalia que todas as pistas de que se tratava de um golpe estavam claras. Ela ressalta que, em meio ao romance, contudo, é difícil perceber as evidências. Se voltasse atrás, diz, teria contado a mais pessoas sobre seu envolvimento com o homem, o que acredita que teria tornado mais fácil ser alertada sobre o que estava ocorrendo. 

*Nome fictício

Instituto oferece ajuda psicológica a vítimas de golpe

Após anos ouvindo relatos como o de Ana* sobre golpes em grupos nas redes sociais, Glauce Lima se especializou em investigar rastros digitais de golpistas e fundou o Instituto GKScanonline. Hoje, a instituição presta apoio jurídico e, principalmente, psicológico a vítimas de qualquer tipo de golpe cibernético gratuitamente. Lima explica que nem 10% das pessoas que a procuram formalizam as denúncias na polícia e que a maioria precisa de apoio psicológico. 

“Quando a vítima aceita ajuda, está em um estado psicológico deplorável. Algumas acabam com o casamento de 30, 40 anos por terem se envolvido com golpistas, outras vendem a casa e precisam morar de aluguel. Elas não contam para ninguém. A primeira pessoa que sabe, depois dos golpistas, sou eu e, depois, nossa equipe de psicologia”, descreve. 

Ela também faz investigações particulares — essas, pagas — para munir a vítima com o máximo de informações sobre os golpistas para serem apresentadas à polícia. “Quando os criminosos estão no Brasil, fazemos a busca completa de endereço, bens, familiares, onde trabalhou, contas, e entregamos tudo”. 

A advogada criminalista Amanda Melo, que já atuou em casos desse tipo, reforça a importância de as vítimas denunciarem os golpes, desde os mais simples, que não geram prejuízo, aos mais complexos. “Não deixe isso dentro da gaveta, porque, se fizer isso, está prejudicando não só a si mesmo, mas todo mundo, porque, com mais denúncias, fica mais fácil a polícia investigar”, reforça. Os crimes podem ser denunciados à Polícia Militar e à Delegacia Especializada em Investigação de Crime Cibernético da Polícia Civil.