Com capacidade ociosa e perspectiva de diminuição de vendas em 2023, o setor de aço patina no Brasil e teme a sombra da produção internacional. As vendas do mercado nacional devem terminar 2023 cerca de 6% menores do que no ano anterior, ao mesmo tempo em que a importação escalará 40%, segundo dados apresentados no Congresso Aço Brasil 2023, realizado em São Paulo nesta terça-feira (26/09).
O setor cobra incentivos do governo federal para alavancar a produção e a demanda por aço nacional e se preocupa com a geopolítica do mercado. A ideia do mercado é aumentar a terifa de importação para 25% temporariamente - atualmente, ela é de 9,6% para a maioria dos produtos de aço. O tema foi abordado na abertura do evento pelo presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil, presidente da ArcelorMittal Brasil e CEO da ArcelorMittal Aços Longos e Mineração LATAM, Jefferson de Paula. “Somos a favor da economia de mercado, mas não podemos ser ingênuos e ignorar o grave dano que a política comercial de empresas siderúrgicas chinesas e russas causam aos demais países, ao inundar o mercado com produtos a preços subsidiados”, destacou. Com subsídios estatais, chineses e russos conseguem oferecer produtos com preço abaixo do restante da maioria do mercado.
De Paula pontuou que, hoje, o setor trabalha abaixo de seu potencial: “estamos com capacidade ociosa de 40% no Brasil, e o consumo anual de cerca de cem quilos de aço por habitante não cresce há 42 anos, enquanto a média mundial é de 225 quilos”. Ainda assim, por ora há previsão de um investimento de R$ 63 bilhões das empresas no mercado brasileiro.
Ele também enfatizou o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos últimos dois anos e apontou o entrave representado pelos juros.”Os juros são, hoje, o principal impeditivo para a aceleração do crescimento deste país de forma sustentável”, disse. Neste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu a Selic para 12,75%. É o menor nível da taxa básica de juros desde junho de 2022, mas ainda um dos maiores desde 2017, quando também passava dos dois dígitos.
A secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Tatiana Prazeres, reconheceu a preocupação da siderurgia neste momento. “Temos clareza da importância de combater práticas ilegais e desleais de comércio”, disse.Na última semana, o governo federal aprovou a exclusão de 12 produtos siderúrgicos da lista de itens com redução de tarifa de importação, baixada em 2022. A decisão passa a valer em 1º de outubro.
Prazeres listou, ainda, outros desafios do setor: “há a capacidade ociosa, a China desacelera e há uma crise no setor de construção civil chinesa que faz com que haja menor demanda por produtos siderúrgicos”.
Ainda que em desaquecimento, a construção civil chinesa continua em patamares muito acima da brasileira. Em uma palestra que discutiu a ordem econômica mundial, o economista Ricardo Amorim também mencionou o cenário chinês: “a China tinha um monte de cidades pouco relevantes, e hoje falamos em cidades com um PIB maior do que o da maioria dos países do mundo. Cidades que, se perguntássemos para a maioria dos brasileiros, eles nem saberiam que existem. Isso mostra um aumento significativo da demanda por ferro e aço”, disse.
Origem “verde” do aço é trunfo do Brasil
O protecionismo da indústria do aço levou EUA, Europa e, mais recentemente, o México, a elevar seus impostos de importação de aço a 25%. Por outro lado, o Brasil assiste a uma “invasão” chinesa, avalia o conselheiro do Instituto Aço Brasil e CEO Aços Planos América Latina e Vice-Presidente da ArcelorMittal Brasi, Jorge Oliveira: “olha a invasão de aço chinês no nosso país. O Brasil sem proteção muda a regra do jogo e complica muito a nossa competitividade”, sublinhou.
Para alguns analistas, entretanto, aumentar a taxação de produtos chineses não resolve o problema. CEO da Arko International, pesquisador sênior do Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos (CSIS) e especialista visitante do Institute of the Americas em relações China-América Latina, Tiago de Aragão explica que o governo chinês pode revidar em outras frentes caso isso ocorra. “Se o governo brasileiro tiver uma posição de impedir a entrada de aço no Brasil, a resposta chinesa será no agro. Isso tende a paralisar o Brasil na tomada de decisão”, ponderou.
Na perspectiva dele, as estratégias do governo chinês não mudarão, e o país continuará a produção massiva de aço. Nesse cenário, o trunfo do Brasil é apostar na sustentabilidade do aço nacional: “o que traz uma enorme vantagem ao Brasil é sua matriz energética limpa. Quando se vende aço para o mundo, não se vende a qualidade dele necessariamente, mas a origem dele. E é no que o Brasil ganha. A Europa se preocupa muito mais com a narrativa do que com o preço”
*O repórter viajou a convite do Instituto Aço Brasil